quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Um incentivo para o longo caminho

Seleção holandesa celebra vaga na Copa, atrai cada vez mais a torcida e tem time capaz de fazer bom papel na França em 2019. Mas o Campeonato Holandês ainda tem algo a melhorar (ANP)
Desde que se soube o caminho da repescagem pela última vaga europeia nas eliminatórias para a Copa do Mundo feminina, também se sabia: a seleção da Holanda tinha plenas condições de chegar ao segundo mundial de sua história. Era tecnicamente superior a Bélgica, Dinamarca e Suíça, que disputariam o lugar com as Leoas Laranjas. Porém, era necessário tomar todo o cuidado - até porque uma queda não faria nada bem para a campeã europeia, muito menos para o cenário interno do futebol feminino na Holanda. Pois bem: a Holanda cumpriu sua tarefa. Duas vitórias contra as dinamarquesas, uma vitória e um empate contra as suíças, e a Laranja estará na França em 2019. 

É um grande incentivo, aumentando cada vez mais o interesse externo no futebol feminino holandês. A euforia vista no caminho rumo ao título europeu, no ano passado, retornou na decisão da vaga na Copa, contra a Suíça. No jogo de ida, em Utrecht, na sexta passada, o estádio Galgenwaard estava lotado, e a vitória categórica por 3 a 0 só aumentou a festa; na volta, terça-feira, na cidade suíça de Schaffhausen, nem mesmo a expulsão precoce da meio-campista e capitã Anouk Dekker (logo aos sete minutos do primeiro tempo) impediu que a equipe holandesa mantivesse a segurança, abrisse o placar e não se abalasse com o empate em 1 a 1 - afinal, a Suíça precisaria de mais cinco gols para tirar a vaga. A torcida holandesa, então, deu um show: não raro, encobria as vozes dos adeptos da casa.

Miedema prometeu e fez: gols importantíssimos na decisão da vaga (ANP)
Melhor ainda foi ver o tamanho das qualidades técnicas que a Holanda tem, atualmente. E ver que elas corresponderam na hora exata. Reserva na primeira fase da repescagem, contra a Dinamarca, por voltar de lesão, Vivianne Miedema mostrou que, no mínimo, gostaria muito de ser titular: "Nas últimas semanas, mostrei bem como estou em campo. Todos sabem que estou em forma, quase toda bola que chuto entra". E a atacante do Arsenal comprovou isso: marcou um gol nos 3 a 0 da ida, outro no 1 a 1 da volta, e confirmou que tem condições de brilhar em 2019, afastando da memória as atuações algo decepcionantes de 2015, primeira Copa da Laranja (mesmo tendo apenas 19 anos então, Miedema já chamava a atenção).

A mesma coisa fizeram Lieke Martens e Shanice van de Sanden, também autoras de gols no 3 a 0, comprovando que formam com Miedema um dos melhores ataques da Europa na atualidade. E a segurança demonstrada pela seleção como um todo também foi motivo de alegria nas declarações de festejo pela classificação. De Martens ("Após a expulsão, pensei 'danou-se!'. Mas beleza, jogamos no 4-4-1 e deu certo"), de Sherida Spitse - 155 jogos pela Laranja ("Vamos à França! Foi difícil, mas aguentamos bem. Eu me surpreendi muito que elas [Suíça] não tenham pressionado. Não passamos por problemas, e conseguimos as melhores chances"), da ansiosa Jackie Groenen, ausente na Copa de 2015 ("Será minha primeira Copa. Era minha primeira Euro e a gente ganhou. Espero poder repetir isso").

E só imaginar o alcance que o futebol feminino poderá ter na Holanda, pré-Copa, já amplia a ansiedade nas jogadoras e na técnica Sarina Wiegman. Esta começou: "A Euro já foi impressionante, mas a Copa é ainda maior; é o maior evento feminino do esporte no mundo". Diante da festa dos torcedores, Miedema lembrou que o país-sede é facilmente acessível a uma "onda laranja", ao contrário do Canadá, em 2015: "Parecia que tinha mais holandeses do que suíços no estádio. Foi bonito de ver. Espero que todos vão à França". A federação também aposta alto no alcance da seleção: já se cogita um jogo de despedida antes da Copa na Johan Cruyff Arena ou em De Kuip, os grandes templos do futebol do país.

Merel van Dongen comemorou em campo - e apontou necessidades fora dele (Cor Vos)
Externamente, tudo parece bem. Internamente, ainda há alguma coisa a resolver com o futebol feminino holandês. A Eredivisie segue, com o PSV liderando após sete rodadas, três pontos à frente do Ajax. Porém, há coisas a melhorar. E o caminho foi apontado por uma integrante da seleção. Insatisfeita, a zagueira Merel van Dongen (hoje no Betis) usou sua conta no Twitter para desabafar em 23 de outubro: "Se eu estou bem, a sexta rodada já acabou desde a tarde de domingo [21 de outubro], às 17h. Essa atualização está (novamente) desatualizada, e como a conta oficial da Eredivisie feminina, não deveríamos esperar mais? Por exemplo, mais do que só colocar os jogos da rodada e os resultados? Ou estou dizendo uma loucura?"

O desabafo de Van Dongen continuou, com prints de comparação com as contas oficiais do futebol masculino: "É assim na Eredivisie dos homens: cheia de atualizações, informações, retuítes. Promover a Eredivisie feminina tem pouco a ver com ganhar dinheiro. Começa com valorização, e não custa (quase) nada. É só querer". Seguiu suspirando com a defasagem da conta da Eredivisie Vrouwen no Instagram: "É a rede social mais popular para grande parte do público alvo. Não é atualizada desde 17 de junho". Sem respostas, só restou à zagueira fazer piada: "Tudo bem, eles não devem abrir o Twitter desde a postagem passada".

Se a seleção cumpre bem sua tarefa (e tem respaldo da federação) na atração cada vez mais forte que o futebol feminino exerce sobre o torcedor na Holanda, ainda falta à federação estender esse incentivo massivo aos clubes. Jan van der Zee, diretor da federação mais dedicado à modalidade, reconheceu: "Espero que a vaga na Copa seja um chamado". De fato: seleção nenhuma se aguenta sem uma regularidade interna. Por ora, a Holanda está bem só no cenário externo. Avançar à Copa - e nela, fazer uma boa campanha - serve de incentivo no longo caminho.

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