Kindvall e Israël, os autores dos gols da final, erguem a taça da Copa dos Campeões em frente à torcida, na chegada a Roterdã: o Feyenoord foi o primeiro (Hans Grootenhuijs) |
O clima de festa já estava montado desde o começo do ano: livros, entrevistas, celebrações. A pandemia arruinou um pouco disso. Entretanto, nem mesmo ela impede que, neste 6 de maio de 2020, o coração de cada torcedor do Feyenoord se encha de alegria com as lembranças. Porque está lá, na história: há 50 anos, o Stadionclub era o primeiro clube holandês campeão de um torneio europeu - e logo o mais importante, a então Copa (hoje Liga) dos Campeões, na temporada 1969/70.
Um time já preparado
De certa forma, é possível dizer que a base do time de Roterdã que partiria para o título europeu já estava bem fortalecida e entrosada, pelas temporadas anteriores. No gol, após onze anos como titular absoluto, Eddy Pieters Graafland (1934-2020) cedeu a titularidade a Eddy Treijtel, que chegou a De Kuip justamente naquela temporada 1969/70. No miolo de zaga, uma das duplas de defensores mais conhecidas da história Feyenoorder: o capitão Rinus Israël, também conhecido como “Ijzeren Rinus” (Rinus de ferro), por sua disposição meio exagerada nas jogadas e divididas, e Theo Laseroms (1940-1991). Tanto Israël como Laseroms eram firmes. Até além da conta, diga-se de passagem.
Já estavam no Feijenoord (sim, a grafia da época era essa - o "y" veio para facilitar a pronúncia fora da Holanda) também o meio-campista Wim Jansen (titular), surgido nas categorias de base do clube. Também fardava a camiseta alvirrubra dividida ao lateral-direito Piet Romeijn. E no ataque, dois importantes atletas: o sueco Ove Kindvall, um bom finalizador, e o já veterano Coen "Coentje" Moulijn (1937-2011), considerado um dos melhores pontas da história da Holanda. E desde a temporada 1968/69, o time ficara definitivamente preparado com o atacante Henk Wery e, acima de todos, um dos grandes símbolos da conquista europeia, um dos grandes ídolos da história do Feyenoord: o meio-campista Willem van Hanegem, vindo do Xerxes, um clube desativado após a fusão que resultaria no Utrecht.
Já foi um time forte a ponto de suplantar os concorrentes Ajax e Twente para levar o título holandês em 1968/69 - com direito ao artilheiro da temporada: Kindvall, com 30 gols, ao lado de Dick van Dijk, do Twente. Não só isso: o Feyenoord abiscoitou a dupla coroa do futebol nos Países Baixos, ganhando também a Copa da Holanda (na final, após 1 a 1 em 120 minutos com o PSV, 2 a 0 numa partida extra). E mais forte ainda ficaria com algumas mudanças para 1969/70: além da supracitada chegada de Eddy Treytel para o gol, vieram o lateral esquerdo Theo van Duivenbode, justamente do arquirrival Ajax (após a goleada sofrida pelos Ajacieden na final da Copa dos Campeões 1969/70, Van Duivenbode caiu em desgraça para o técnico Rinus Michels, e foi dispensado), e o meio-campista austríaco Franz Hasil.
Só que a alteração mais importante - talvez, a mais decisiva - seria no banco do Feyenoord. E seria em relação ao técnico: Ben Peeters deixou o clube, e para seu lugar, chegou o austríaco Ernst Happel (1925-1992). Despontado ao comandar o ADO Den Haag campeão da Copa da Holanda em 1967/68, Happel traria seu comando autoritário e seu estilo tático firme, sem firulas, querendo a vitória como fosse. Uma das frases típicas do austríaco aos jogadores virou mantra da torcida do Feyenoord - e do próprio jeito do clube jogar: "Kein keloel, maar fussball" (em livre tradução, "sem mimimi, joguem bola"). Enquanto o adversário Ajax já aprontava as bases do Futebol Total e prezava a técnica, no Feyenoord o pedido seria por raça, por esforço, por busca incansável da vitória.
Foi com este foco que o Feyenoord começou a temporada 1969/70 E logo no jogo de ida da primeira fase da Copa dos Campeões, conseguiu uma façanha histórica: enfrentando o KR, da Islândia, a equipe de Happel aplicou 12 a 2 em De Kuip. No dia 17 de setembro de 1969, o Stadionclub proporcionara simplesmente a maior goleada da história do torneio – recorde que resiste até hoje, já na era de Liga dos Campeões. A superioridade foi tamanha que um jornal disse que o Feyenoord ganhou "um jogo que não foi jogo". Engraçado notar que o destaque na goleada foi para um atacante periférico do time: Ruud Geels, autor de quatro dos doze gols. Só para constar, no jogo de volta, em 30 de setembro, na capital da Islândia, mais uma goleada do Feyenoord. Mais discreta: "só" 4 a 0.
A vitória que embalou
A vitória que embalou
Todavia, na segunda fase da Copa dos Campeões, o desafio era o mais difícil possível: o adversário do Feyenoord seria o Milan, justamente o campeão europeu naquele momento. E os milanistas possuíam um time poderoso e experiente: Fabio Cudicini no gol, Karl-Heinz Schnellinger na zaga, Giovanni Trappatoni como volante, Gianni Rivera como principal destaque. E a primeira partida, em 12 de novembro de 1969, no Giuseppe Meazza, a vantagem dos Rossoneri foi até curta: o atacante francês Néstor Combin fez 1 a 0, e o placar ficou nisso. A imprensa holandesa até celebrou.
E celebrou porque o meio-campo do time holandês estava em estado de graça. Jansen, Van Hanegem e Hasil já estavam entrosados à perfeição. E seria justamente deste setor do time Feyenoorder que sairia a vitória e a classificação no De Kuip, no jogo de volta, em 26 de novembro de 1969: Jansen marcaria, aos 6', e já no fim, aos 82', Van Hanegem faria o gol do 2 a 0 e da classificação. O Feyenoord conseguira: eliminara o campeão europeu de 1968/69. Autor de um livro sobre aquela campanha, o jornalista Robert van Brandwijk é definitivo: "Talvez tenha sido a maior vitória da história do Feyenoord". Não era para menos.
E celebrou porque o meio-campo do time holandês estava em estado de graça. Jansen, Van Hanegem e Hasil já estavam entrosados à perfeição. E seria justamente deste setor do time Feyenoorder que sairia a vitória e a classificação no De Kuip, no jogo de volta, em 26 de novembro de 1969: Jansen marcaria, aos 6', e já no fim, aos 82', Van Hanegem faria o gol do 2 a 0 e da classificação. O Feyenoord conseguira: eliminara o campeão europeu de 1968/69. Autor de um livro sobre aquela campanha, o jornalista Robert van Brandwijk é definitivo: "Talvez tenha sido a maior vitória da história do Feyenoord". Não era para menos.
De Kuip garante a vaga na final
1969 acabou, 1970 começou, e a Copa dos Campeões começou a virar prioridade do Feyenoord. Ainda mais após um revés duro na Eredivisie: no Klassieker contra o Ajax, uma vantagem de 3 a 1 em casa virou um empate em 3 a 3, por duas falhas de Treytel. Dali os Amsterdammers partiram para o título holandês naquela temporada. Mas no torneio continental, a caminhada do Feyenoord seguiu firme. Nas quartas de final, a barreira seria o Vorwärts Berlin, da Alemanha Oriental. No jogo de ida, em Berlim Oriental, em 4 de março de 1970, Jürgen Piepenburg fez o gol da vitória do Vorwärts: 1 a 0. Mas se conseguira se valer da raça, da eficiência e do calor da torcida para eliminar um Milan mais forte, o Feyenoord podia fazer o mesmo contra o campeão alemão oriental. Fez: em 18 de março, em De Kuip, no jogo de volta, Kindvall voltou a ser garantia de bola nas redes, fazendo 1 a 0 logo no começo do segundo tempo. Henk Wery fez 2 a 0. E o Feyenoord era semifinalista.
O Feyenoord chegava à reta final da temporada mostrando equilíbrio entre a dureza que a torcida pedia, com Israël e Laseroms na zaga, e a capacidade técnica de Jansen, Coen Moulijn e Van Hanegem, coroada pelos gols de Kindvall. Na semifinal, teria de superar o Legia Varsóvia, campeão polonês. Na ida, em 1º de abril de 1970, o Stadionclub segurou um time que possuía o bom Kazimierz Deyna no ataque, saindo de Varsóvia com o 0 a 0 no bolso. Na volta em De Kuip, em 15 de abril, o de sempre: 2 a 0, com Van Hanegem e Hasil encaminhando a vitória ainda no primeiro tempo. Foi fácil a ponto do Feyenoord poder até fazer mais gols. Mas bastava a garantia da classificação para a decisão da Copa dos Campeões. Pela segunda temporada seguida, um clube holandês chegava à final. Mas não era o Ajax. Era o Feyenoord.
Final dura e inesquecível
6 de maio de 1970. Neste dia, no mesmo San Siro em que a equipe jogara contra o Milan, o Feyenoord decidiria o principal torneio europeu contra um adversário duro. E mais experiente: o Celtic, já com o título europeu de 1967/68 na sala de troféus, ainda contando com boa parte dos "Leões de Lisboa" que haviam vencido a Internazionale na decisão de três anos antes: o zagueiro Billy McNeill, o volante Tommy Gemmell, o meio-campo Jimmy Johnstone, o atacante Willie Wallace, o técnico Jock Stein.
Era parada dura, que precisava de nomes experientes. Por isso, Ernst Happel decidiu: mudaria o goleiro. E pediu a Eddy Pieters Graafland, 36 anos, que substituísse Treytel no gol, naquela final. Já prestes a parar de jogar, sem muita motivação, Eddy PG pensou bem, e decidiu aceitar o pedido do técnico. De resto, o time já conhecido: Piet Romeijn, Rinus Israël, Theo Laseroms, Theo van Duivenbode, Wim Jansen, Franz Hasil, Willem van Hanegem, Henk Wery, Ove Kindvall e Coen Moulijn. A torcida fez a parte dela: foram 25 mil adeptos de Het Legioen ("A Legião", como é conhecida a torcida do Feyenoord) viajando a Milão, de ônibus, trem ou avião.
No jogo, a primeira chance foi do Feyenoord, com Hasil, chutando de longe para a defesa de Evan Williams. Porém, aos 29 minutos do primeiro tempo, os Bhoys abriram o placar: após falta na meia-lua, uma cobrança ensaiada terminou no chute de Tommy Gemmell, no canto esquerdo de Pieters Graafland, que teve a visão tapada.
Era parada dura, que precisava de nomes experientes. Por isso, Ernst Happel decidiu: mudaria o goleiro. E pediu a Eddy Pieters Graafland, 36 anos, que substituísse Treytel no gol, naquela final. Já prestes a parar de jogar, sem muita motivação, Eddy PG pensou bem, e decidiu aceitar o pedido do técnico. De resto, o time já conhecido: Piet Romeijn, Rinus Israël, Theo Laseroms, Theo van Duivenbode, Wim Jansen, Franz Hasil, Willem van Hanegem, Henk Wery, Ove Kindvall e Coen Moulijn. A torcida fez a parte dela: foram 25 mil adeptos de Het Legioen ("A Legião", como é conhecida a torcida do Feyenoord) viajando a Milão, de ônibus, trem ou avião.
No jogo, a primeira chance foi do Feyenoord, com Hasil, chutando de longe para a defesa de Evan Williams. Porém, aos 29 minutos do primeiro tempo, os Bhoys abriram o placar: após falta na meia-lua, uma cobrança ensaiada terminou no chute de Tommy Gemmell, no canto esquerdo de Pieters Graafland, que teve a visão tapada.
Mas não duraria mais do que dois minutos a vantagem escocesa. Aos 31, pela direita, o árbitro italiano Concetto Lo Bello apitou falta. Hasil cobrou, e a bola foi disputada de cabeça, até que Israël completou, também testando, sobre Williams. Era o gol de empate.
O capitão Israël (esquerda) e o veterano Pieters Graafland erguem a taça da Copa dos Campeões (Arquivo ANP) |
Era o gol do título. O gol do primeiro clube holandês campeão europeu de clubes. O gol que premiou a decisão de Pieters Graafland, na última partida de sua carreira. O gol que premiou o modo firme de Ernst Happel treinar aquela equipe. O gol que colocou Ove Kindvall, Wim Jansen, Willem van Hanegem, Rinus Israël... todos eles, na galeria de heróis eternos do Feyenoord.
Depois, viria o Ajax para consolidar o domínio dos Países Baixos no futebol europeu de clubes, naquele começo de década de 1970. Mas o Feyenoord foi o primeiro. Isso ninguém lhe tirará.
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