Muitos garotos promissores. Alguns veteranos a lhes guiar. E o Ajax conquistou a Europa pela última vez (Getty Images) |
Quando a década de 1990 começou, o Ajax vivia ponto baixo em sua história: estava em séria crise financeira, via o PSV vindo de um tetracampeonato holandês, e ainda sofrera uma punição pesada: a eliminação sumária da Copa da UEFA na temporada 1989/90, após a torcida atirar uma bomba contra o goleiro Franz Wohlfahrt, do Austria Viena, no jogo de volta da primeira fase. Aos poucos, porém, surgiam alguns bons talentos: os irmãos Frank e Ronald de Boer, os irmãos Rob e Richard Witschge, Bryan Roy e Dennis Bergkamp.
Em 1991, o técnico Leo Beenhakker deixou o clube rumo ao Real Madrid. E tanto pela vontade quanto pela falta de dinheiro para contratar um técnico de ponta, decidiu-se apostar no auxiliar de Beenhakker até ali: um ex-atacante, de nome Louis van Gaal. Mesclando aquela nova geração a nomes mais experientes - o goleiro Stanley Menzo, os zagueiros Sonny Silooy e Danny Blind, os volantes Wim Jonk e Aron Winter, o atacante Stefan Pettersson - , Van Gaal já conseguiu um time suficientemente bom para chegar ao título da Copa da UEFA 1991/92, em decisão equilibrada contra o Torino-ITA. Mas ainda era um momento de transição.
Depois de 1992, alguns saíram: Menzo, os Witschge, Winter, Jonk, Roy, Bergkamp. Mas outras promessas vieram: Van der Sar, Seedorf, Davids, Litmanen, Overmars, Kluivert, Kanu... todos se somando a quem ficou, como Frank de Boer. Bem treinado e preparado por Van Gaal, esse time levou o Ajax ao topo da Europa pela última vez, há exatamente 25 anos. Pois é: em 24 de maio de 1995, o título da Liga dos Campeões era o capítulo principal de uma das equipes mais marcantes dos anos 1990. Tanto que aquela geração ficou eternizada com um apelido: os "Godenzonen", os filhos dos deuses que elevaram o Ajax ao lugar mais alto do futebol europeu.
O Ajax pronto para a temporada 1993/94: o título holandês comprovou que aqueles jovens estavam prontos (Arquivo ANP) |
Formando um time: garotos liderados por um veterano
O título da Copa da UEFA em 1991/92 já deixara claro que o Ajax estava renascido, que havia uma base sólida para Van Gaal formar um time. Porém, ainda era cedo para falar num time definido. Isso aconteceria a partir da temporada seguinte, com vários nomes que foram chegando. Já em 1991, começou a ter chances no time principal do Ajax um jovem nascido no Suriname: Edgar Davids, 18 anos então. Em 1992, entre uma temporada e outra, um meio-campista chegou do MyPa, clube da Finlândia, para ser, talvez, o mais querido (e mais técnico) jogador de ataque do Ajax nos anos seguintes - Jari Litmanen, 21 anos. Também em 1992, chegou do Willem II um ponta rápido, ideal para acelerar o ataque Ajacied após a saída de Bryan Roy: Marc Overmars, 19 anos então. E no fim daquele mesmo ano, Van Gaal tornou titular pela primeira vez outro meio-campista destinado a marcar época em sua geração: Clarence Seedorf, outro egresso do Suriname, parceiro de Davids dentro e fora de campo, 16 anos de idade.
Exatamente na metade da temporada, um nome que surgira na base do Ajax mas fora cedido ao Twente foi recontratado, já que vinha bem no ataque dos Tukkers: Ronald de Boer, 23 anos em 1993, irmão de Frank (já então, titular absoluto - fosse na lateral esquerda ou na zaga). E os Amsterdammers já conseguiram mais um título na temporada 1992/93, em meio àquela reformulação decisiva que Van Gaal comandava: a Copa da Holanda. Era bom. Mas ainda era pouco. Ainda mais porque Van Gaal já dava mostras da postura dura e exigente que teria como treinador. Diante de um time tão jovem, lembrava o professor de escola infantil que um dia fora, cobrando duramente os pupilos, guiando-os quase como meninos. Além do mais, naqueles anos, o técnico do Ajax começava sua carreira mostrando outra faceta comum e polêmica de seu trabalho: a falta de apego a sentimentalismos no comando de um time. Se tivesse de trocar um jogador em busca da melhor formação, trocava, sem a menor pena. E uma grande prova disso veio na troca de goleiros, durante a temporada 1992/93.
O reserva da posição no Ajax era Edwin van der Sar, 23 anos em 1993, que já se queixara a Van Gaal da falta de chances - chegou até a pedir um empréstimo para o ADO Den Haag, que andava interessado. A resposta de Van Gaal: “Você precisa ter paciência. Eu acho que você tem possibilidades no Ajax”. Trocando em miúdos: o técnico já pensava em tirar do gol Stanley Menzo, titular havia nove anos, cria da base. Era só questão de oportunidade para a "crueldade". Ela veio em 3 de março de 1993: no jogo de ida das quartas de final da Copa da UEFA, o Ajax perdeu para o Auxerre-FRA (4 a 2), com duas falhas de Menzo. Bastou: no jogo de volta, Van der Sar entrava no time titular para não mais sair. E o reserva Menzo deixou o Ajax em 1994, rumo ao rival PSV.
Van der Sar, Frank de Boer, Davids, Seedorf, Litmanen, Overmars, Ronald de Boer... o Ajax rejuvenescido era bastante promissor. Mas aquele jovem grupo precisava de mais veteranos para indicarem os atalhos (além de Danny Blind, 32 anos em 1993). E Van Gaal sabia disso. Resolveu o problema com um dos melhores e mais apropriados nomes para isso: antes da temporada 1993/94, chegava Frank Rijkaard, 31 anos. Seis anos após sair do Ajax, Rijkaard voltava a De Meer (era o estádio do Ajax, então) com ampla experiência, graças à vitoriosa passagem pelo Milan, que fizera dele um dos melhores jogadores do mundo em sua posição - algo entre o volante, o zagueiro e o líbero. De quebra, mais dois novatos vinham para o Ajax, diretamente da Nigéria para uma carreira de sucesso: os atacantes Finidi George, 22 anos, e Nwankwo Kanu, 17 anos. Vinha ainda o atacante Peter van Vossen, após uma temporada no Anderlecht.
O Ajax precisava de mais um veterano para guiar os caminhos daquele time que nascia. Rijkaard era o nome perfeito, voltando após seis anos. (Cor Mulder/ANP) |
Com tantas promessas de talento somadas a Danny Blind (um estandarte do clube, titular havia sete anos, capitão do time) e a Frank Rijkaard, o Ajax já estava mais consolidado na temporada 1993/94. E comprovou isso voltando a vencer o Campeonato Holandês, após quatro anos, superando uma disputa equilibrada com o arquirrival Feyenoord - foram 54 pontos dos Ajacieden, contra 51 do Stadionclub. De quebra, o artilheiro daquela Eredivisie ainda jogava em Amsterdã: Litmanen, 26 gols. E boa parte daquele Ajax já teria importante experiência com a Copa de 1994. Pela Holanda, nela estiveram Rijkaard, Frank de Boer, Ronald de Boer, Van Vossen e Overmars (Van der Sar e Blind foram convocados mas não saíram do banco); pela Nigéria, Finidi também esteve nos Estados Unidos.
Todos eles voltaram ainda mais fortalecidos. Antes da temporada 1994/95 começar, mais dois nomes (ambos de ascendência surinamesa) vieram para o time já entrosado que Van Gaal comandava. Um deles retornou para ser titular imediato, após empréstimos a Volendam e Groningen para ganhar experiência e espaço: o lateral direito Michael Reiziger, 21 anos em 1994. Do Sparta Rotterdam, veio um nome útil quando necessário - e muitas vezes foi: o zagueiro Winston Bogarde, 24 anos.
O Ajax estava pronto. Ninguém sabia, mas estava pronto para impressionar a Europa.
Frank de Boer segura Savicevic: se impondo contra o Milan já na estreia, o Ajax mostrou na fase de grupos que podia sonhar na Champions 1994/95 (Paul Vreeker/ANP) |
Começando com tudo
Time pronto, era necessário mostrar serviço em 1994/95, tanto na Eredivisie quanto na Liga dos Campeões. Com 16 clubes na Champions League (quatro grupos de quatro), o Ajax estava no grupo D, com AEK Atenas, Casino Salzburg-AUT - o atual Red Bull Salzburg - e um adversário temível: o Milan, finalista da Champions por dois anos seguidos, o campeão europeu da temporada anterior. Sem problemas. Já na primeira rodada da fase de grupos da Liga dos Campeões, o Ajax já deu seu cartão de visitas: em 14 de setembro de 1994, no Estádio Olímpico de Amsterdã, fez um categórico 2 a 0 no Milan. Quando aquele título europeu completou 20 anos, em 2015, Litmanen comentou ao site oficial do Ajax: “Quem ganhava daquele Milan, ganharia de qualquer outro time”.
Foi daqueles placares que ficam baratos. Superar já na estreia o time campeão europeu deu um tremendo ânimo à equipe. Que, de tão jovem, parecia sem consciência de que representava a tradição gigante do Ajax: após aquela vitória em Amsterdã, vários jogadores da equipe simplesmente esperaram o Milan nos vestiários, para trocarem camisas e pedirem autógrafos a nomes como Franco Baresi, Paolo Maldini, Ruud Gullit, Dejan Savicevic... Louis van Gaal se irritou com aquilo - e muito tempo depois, ainda se irritava. Na biografia de Van der Sar, lançada em 2011, o treinador lembrou: "Incompreensível. Você pode pedir autógrafos quando tem 13, 14 anos, mas não quando joga na equipe principal do Ajax. Eu balancei a cabeça, e quando eles viram minha cara, notaram que eu achei aquilo ridículo".
Na segunda rodada da fase de grupos da Liga dos Campeões, o Ajax encararia um AEK com nomes que haviam estado pela Grécia na Copa de 1994, como o goleiro Elias Atmasidis e o zagueiro Stelios Manolas. E em 28 de setembro daquele ano, em Atenas, com a torcida lotando o estádio, o macedônio Toni Savevski abriu o placar logo aos 30' para o time grego. Mas Litmanen provou o tamanho de sua importância naquele time: empatou, três minutos depois. E no segundo tempo, aos 63', um novato que aparecia naquela temporada, surgido na base do Ajax, fez seu primeiro gol naquela competição: Patrick Kluivert, outro nome de ascendência surinamesa, 18 anos. Mais uma vitória para o Ajax: 2 a 1.
Por incrível que pareça, o Casino Salzburg é que ofereceu maiores dificuldades àquele Ajax, na fase de grupos. Na terceira rodada, em Viena, 0 a 0 em 19 de outubro de 1994; na quarta rodada, no Estádio Olímpico de Amsterdã, 1 a 1 em 2 de novembro - sendo que o Casino Salzburg saiu na frente, e Litmanen só empatou a cinco minutos do fim. Mas qualquer dúvida sobre as capacidades do Ajax naquela Champions League se dissipou nas duas últimas rodadas do grupo D. Pegando o Milan na quinta rodada - em outra cidade italiana, Trieste (a UEFA tirara dois pontos dos Rossoneri e barrara San Siro para a Champions, após objeto atirado contra o goleiro Otto Konrad, do Casino Salzburg) -, o Ajax fez outro 2 a 0 nos milanistas, em 23 de novembro de 1994. E na rodada final da fase de grupos, o destaque dos 2 a 0 no AEK em Amsterdã (7 de dezembro de 1994) foi um reserva que acabou perdendo espaço ao longo daquela temporada: o atacante Tarik Oulida, mais um vindo da base, autor dos dois gols.
O Ajax terminava aquele grupo D na liderança. Já era um grande desempenho. Mas 1995 seria ainda melhor.
1994 acabou, 1995 começou, e aquele time do Ajax já começava a chamar atenção fora das fronteiras da Europa. No Campeonato Holandês, caminhava para o bicampeonato de forma avassaladora: uma campanha que não tinha (e nem teria) derrotas - na conquista daquela Eredivisie, seriam 27 vitórias e sete empates. No estilo de jogo, sob Van Gaal, o Ajax dava um passo à frente do Futebol Total visto na equipe tricampeã europeia dos anos 1970: pressionava a saída de bola do adversário quando precisasse, mas também era conservador e tocava a bola pacientemente, se necessário. Até por isso, muitos dos jogadores do Ajax anterior desgostavam do novo Ajax - a começar por Johan Cruyff, desafeto assumido e militante de Van Gaal. Era possível dizer: o clube de Amsterdã brilhava intensamente, estava ditando moda. Mas, ora bolas, como o Ajax chegara a tal domínio?
Principalmente, pela qualidade da geração preparada nos anos anteriores. Embora já procurasse isso desde os tempos do Futebol Total, nunca a Holanda vira um goleiro tão seguro com as mãos e os pés quanto Van der Sar. Na zaga, Frank de Boer exibia calma e habilidade pouco vista em zagueiros holandeses, enquanto Reiziger cumpria seu papel na direita. De quebra, Danny Blind e Rijkaard: davam o toque de experiência necessário àquele time, com muita qualidade na saída de bola (ainda mais em relação a Rijkaard, se alternando entre o meio e a zaga, com Blind cobrindo suas saídas). O meio-campo? Davids e Seedorf eram completos na posição, dos melhores de sua geração, defendendo como cães de guarda e iniciando a jogada com maestria. Litmanen - um dos mais idolatrados daquele time pela torcida do Ajax - mostrava classe e rapidez na armação das jogadas, e ainda chegava à frente para finalizar bem. No ataque, Overmars era o azougue pela esquerda, e Finidi George impunha respeito pelo porte físico na direita. Somente o meio da área era motivo para inconstâncias: poderia ser Ronald de Boer, Kluivert ou Kanu. Tudo sob o comando férreo de Van Gaal.
Por incrível que pareça, o Casino Salzburg é que ofereceu maiores dificuldades àquele Ajax, na fase de grupos. Na terceira rodada, em Viena, 0 a 0 em 19 de outubro de 1994; na quarta rodada, no Estádio Olímpico de Amsterdã, 1 a 1 em 2 de novembro - sendo que o Casino Salzburg saiu na frente, e Litmanen só empatou a cinco minutos do fim. Mas qualquer dúvida sobre as capacidades do Ajax naquela Champions League se dissipou nas duas últimas rodadas do grupo D. Pegando o Milan na quinta rodada - em outra cidade italiana, Trieste (a UEFA tirara dois pontos dos Rossoneri e barrara San Siro para a Champions, após objeto atirado contra o goleiro Otto Konrad, do Casino Salzburg) -, o Ajax fez outro 2 a 0 nos milanistas, em 23 de novembro de 1994. E na rodada final da fase de grupos, o destaque dos 2 a 0 no AEK em Amsterdã (7 de dezembro de 1994) foi um reserva que acabou perdendo espaço ao longo daquela temporada: o atacante Tarik Oulida, mais um vindo da base, autor dos dois gols.
O Ajax terminava aquele grupo D na liderança. Já era um grande desempenho. Mas 1995 seria ainda melhor.
Mata-mata tenso: brilho, só na semifinal
1994 acabou, 1995 começou, e aquele time do Ajax já começava a chamar atenção fora das fronteiras da Europa. No Campeonato Holandês, caminhava para o bicampeonato de forma avassaladora: uma campanha que não tinha (e nem teria) derrotas - na conquista daquela Eredivisie, seriam 27 vitórias e sete empates. No estilo de jogo, sob Van Gaal, o Ajax dava um passo à frente do Futebol Total visto na equipe tricampeã europeia dos anos 1970: pressionava a saída de bola do adversário quando precisasse, mas também era conservador e tocava a bola pacientemente, se necessário. Até por isso, muitos dos jogadores do Ajax anterior desgostavam do novo Ajax - a começar por Johan Cruyff, desafeto assumido e militante de Van Gaal. Era possível dizer: o clube de Amsterdã brilhava intensamente, estava ditando moda. Mas, ora bolas, como o Ajax chegara a tal domínio?
Principalmente, pela qualidade da geração preparada nos anos anteriores. Embora já procurasse isso desde os tempos do Futebol Total, nunca a Holanda vira um goleiro tão seguro com as mãos e os pés quanto Van der Sar. Na zaga, Frank de Boer exibia calma e habilidade pouco vista em zagueiros holandeses, enquanto Reiziger cumpria seu papel na direita. De quebra, Danny Blind e Rijkaard: davam o toque de experiência necessário àquele time, com muita qualidade na saída de bola (ainda mais em relação a Rijkaard, se alternando entre o meio e a zaga, com Blind cobrindo suas saídas). O meio-campo? Davids e Seedorf eram completos na posição, dos melhores de sua geração, defendendo como cães de guarda e iniciando a jogada com maestria. Litmanen - um dos mais idolatrados daquele time pela torcida do Ajax - mostrava classe e rapidez na armação das jogadas, e ainda chegava à frente para finalizar bem. No ataque, Overmars era o azougue pela esquerda, e Finidi George impunha respeito pelo porte físico na direita. Somente o meio da área era motivo para inconstâncias: poderia ser Ronald de Boer, Kluivert ou Kanu. Tudo sob o comando férreo de Van Gaal.
Mas havia um mata-mata de Liga dos Campeões para ser jogado. E mesmo que o Ajax já fosse favorito, todo cuidado era pouco contra o Hajduk Split, da Croácia, o adversário das quartas de final. A partir dali, os Amsterdammers mostraram resultados curiosamente coincidentes para superarem a tensão de um mata-mata: eficiência máxima e risco mínimo fora de casa, para tentarem decidir a vaga no Estádio Olímpico de Amsterdã. Na cidade croata de Split, na ida das quartas, um 0 a 0 para o gasto, em 1º de março de 1995, atacando mais nos contra-ataques - neles, contando com mais um reserva útil: o atacante Peter van Vossen, que ajudava a manter a bola no campo de ataque ao vir do banco. Duas semanas depois, com a casa lotada, o Ajax jogou como melhor sabia: pressionando incansavelmente a defesa do Hajduk Split, até o 3 a 0 que lhe tornou semifinalista daquela Liga dos Campeões: Kanu abriu o placar, e Frank de Boer marcou mais dois.
Tudo bem, o Hajduk Split era de fato inferior. Mas o Ajax já não poderia ser considerado favorito destacado contra o adversário das semifinais, igual em qualidade técnica e em tradição: o Bayern de Munique. Certo, o poderoso alemão também estava em reformulação, com um time cheio de jovens: Samuel Kuffour, Christian Ziege, Mehmet Scholl, Alexander Zickler... Além do mais, o treinador dos bávaros, Giovanni Trappatoni, era bem mais experiente do que Van Gaal. A princípio, era um duelo a ser definido nos detalhes. Foi o que se viu no jogo de ida, no Estádio Olímpico de Munique, em 5 de abril de 1995: outro 0 a 0 equilibradíssimo, com poucas chances. Imaginava-se um jogo de volta igualmente tenso no Estádio Olímpico de Amsterdã.
E então, naquele 19 de abril de 1995, o Ajax deu a segunda mostra de que, mesmo tão jovem, estava pronto para o título. É unânime: nos 5 a 2 sobre o Bayern que levaram os Godenzonen à final, o time jogou melhor do que faria na decisão da Champions, até. Mesmo ofensivos em casa, como sempre, os Ajacieden tiveram uma sorte melhor naquela partida: Litmanen voltou a estar inspirado. O finlandês, que andava devendo no mata-mata, criou jogadas, chegou ao ataque, abriu o placar aos 11'. O polonês Marcel Witeczek ainda empatou para o Bayern aos 36', mas ainda antes do intervalo os anfitriões dispararam para a primeira final do Ajax no principal torneio europeu após 22 anos: Finidi George fez 2 a 1 aos 41', e Litmanen marcou o terceiro aos 45'. De quebra, tão logo o segundo tempo começou, Ronald de Boer marcou o quarto. Mehmet Scholl ainda diminuiu aos 75', mas no penúltimo minuto, Marc Overmars premiou a ofensividade vista com o último gol. Fecho perfeito para uma atuação tão gigante que fez Van der Sar se recordar com saudades, em 2015: “Algo como aquilo é para se levar por toda a vida”.
De fato. Um time que sabia ser ofensivo como o dos anos 1970. Mas também sabia diminuir o ritmo quando o jogo exigia.
Tudo bem, o Hajduk Split era de fato inferior. Mas o Ajax já não poderia ser considerado favorito destacado contra o adversário das semifinais, igual em qualidade técnica e em tradição: o Bayern de Munique. Certo, o poderoso alemão também estava em reformulação, com um time cheio de jovens: Samuel Kuffour, Christian Ziege, Mehmet Scholl, Alexander Zickler... Além do mais, o treinador dos bávaros, Giovanni Trappatoni, era bem mais experiente do que Van Gaal. A princípio, era um duelo a ser definido nos detalhes. Foi o que se viu no jogo de ida, no Estádio Olímpico de Munique, em 5 de abril de 1995: outro 0 a 0 equilibradíssimo, com poucas chances. Imaginava-se um jogo de volta igualmente tenso no Estádio Olímpico de Amsterdã.
E então, naquele 19 de abril de 1995, o Ajax deu a segunda mostra de que, mesmo tão jovem, estava pronto para o título. É unânime: nos 5 a 2 sobre o Bayern que levaram os Godenzonen à final, o time jogou melhor do que faria na decisão da Champions, até. Mesmo ofensivos em casa, como sempre, os Ajacieden tiveram uma sorte melhor naquela partida: Litmanen voltou a estar inspirado. O finlandês, que andava devendo no mata-mata, criou jogadas, chegou ao ataque, abriu o placar aos 11'. O polonês Marcel Witeczek ainda empatou para o Bayern aos 36', mas ainda antes do intervalo os anfitriões dispararam para a primeira final do Ajax no principal torneio europeu após 22 anos: Finidi George fez 2 a 1 aos 41', e Litmanen marcou o terceiro aos 45'. De quebra, tão logo o segundo tempo começou, Ronald de Boer marcou o quarto. Mehmet Scholl ainda diminuiu aos 75', mas no penúltimo minuto, Marc Overmars premiou a ofensividade vista com o último gol. Fecho perfeito para uma atuação tão gigante que fez Van der Sar se recordar com saudades, em 2015: “Algo como aquilo é para se levar por toda a vida”.
De fato. Um time que sabia ser ofensivo como o dos anos 1970. Mas também sabia diminuir o ritmo quando o jogo exigia.
A final: temor no primeiro tempo, a eternidade no segundo
Na decisão de 24 de maio de 1995, no estádio Ernst Happel, em Viena, caberia ao Ajax enfrentar um velho conhecido da fase de grupos: o Milan, na terceira final seguida de Liga dos Campeões, após superar o Paris Saint-Germain na semifinal. Se servia de consolo, um símbolo máximo do ataque milanista estava fora da final: Dejan Savicevic, autor dos dois gols na volta contra o PSG nas semifinais, com lesão na perna esquerda. Mas ainda sobravam Roberto Donadoni, Zvonimir Boban, Daniele Massaro - e mais atrás, Paolo Maldini, Franco Baresi e Marcel Desailly. Ruud Gullit já era passado, vendido à Sampdoria. No Ajax, o principal temor era Litmanen: o finlandês estava gripado. E o principal nome para a decisão era Rijkaard: já tendo anunciado o fim da carreira quando a temporada acabasse, o zagueiro/volante teria à frente no penúltimo jogo de sua carreira justamente o clube em que viveu os melhores momentos dela.
O Milan era considerado levemente favorito, pela maior experiência. Até mesmo por um outro cidadão que tinha histórico nos dois finalistas: Marco van Basten, já rumando para o fim da carreira, com um tornozelo que não o deixava jogar havia dois anos. Ouvido antes da final, no pré-jogo da emissora holandesa NOS, Van Basten até torcia: "Claro que acharei bacana se o Ajax vencer. Mas torcerei pelo Milan. Ainda sou jogador do clube". Mas o Ajax foi para aquela final, com Litmanen, uma média de idade de 24,1 anos e o uniforme reserva, azul escuro - os uniformes titulares poderiam ter sido usados, mas o Milan preferiu usar a roupa branca, similar à usada na final de 1994.
O juiz romeno Ion Craciunescu apitou o começo. Exibida na televisão brasileira pela TV Globo e pela TVA Esportes (futura ESPN Brasil), a decisão demorou para ter lances de emoção. O Ajax até chegou perto aos 19': Finidi cobrou escanteio, e Ronald de Boer cabeceou por cima do gol de Sebastiano Rossi. Mas o Milan foi saindo para o ataque: Baresi e Desailly se alternavam à perfeição no papel de líbero, Christian Panucci dava muito trabalho pela direita, e Marco Simone (substituto de Savicevic) coroou a melhor chance de gol da etapa inicial: aos 45', Albertini inverteu o jogo, Donadoni cruzou da direita, e Simone bateu de voleio. Van der Sar salvou, espalmando para escanteio. Pouco antes, um lance ficou marcado na memória da torcida do Ajax: aos 43', Desailly tirou a bola da área do Milan dividindo a bola com o pé, contra a cabeça de Litmanen, que escapou por pouco. Van Gaal ficou irado no banco: queria o pé alto marcado. E mostrou, ele mesmo, como havia sido a dividida de Litmanen, dando um golpe no ar. De terno e tudo. Era o "karatetrap", o golpe de caratê, que virou um momento engraçado daquela final.
Van Gaal só queria reclamar do pé alto de Desailly numa dividida. Protagonizou um momento marcante daquela final (EMPICS/Sports Photo Agency) |
Golpe de caratê de Van Gaal à parte, o Ajax tinha dificuldades na final. Precisava melhorar. E no intervalo em Viena, o treinador reconheceu: seu comentário foi calmo demais para o que aquele time jovem precisava. Foi hora de Rijkaard, o capitão sem braçadeira (Blind a tinha), erguer a voz: falou grosso com a garotada, criticou a atuação tímida e truncada do primeiro tempo. E definiu, antes da volta a campo: "Eu não vou me perdoar se vocês não jogarem o que sempre jogamos nessa temporada. Eu não vou me perdoar se ficarmos sem o título. Vamos voltar e vamos jogar". Ali o Ajax começou a ganhar.
O Ajax "continuou" ganhando no segundo tempo. Van Gaal fez alterações que melhoraram o time. Seedorf deu lugar a Kanu, logo aos 53' - e se irritou ao sair -, mas o nigeriano que entrou ajudou os Ajacieden a manterem a bola no ataque. E desgastado pela gripe, Litmanen saiu para um certo Patrick Kluivert entrar, aos 70'. O Ajax trocava mais passes, Ronald de Boer crescera ao recuar para o meio, Rijkaard era decisivo nos avanços.
E aí, aos 80', veio o golpe certo, na hora certa. Overmars pegou bola perdida na esquerda, devolveu a Davids, este deu a Rijkaard, e na meia-lua, o veterano ajeitou para Kluivert. Rijkaard ainda se preparou para tabelar na área. Não precisou: antes que Baresi tentasse o desarme, Kluivert bateu. Chute fraco, mas que passou por Rossi. Entrou lentamente no canto esquerdo. E colocou o jovem time do Ajax na eternidade - Kluivert, chorando na comemoração, parecia antever isso. No documentário "1995, we are the champions", o autor do gol do título reconheceu: "Eu mal conseguia respirar".
Leve pelo gol feito, o Ajax até teve chance para mais um gol: já nos acréscimos, Blind avançou em contragolpe, completou cruzamento de Kanu, mas Rossi evitou, com grande defesa. Tudo bem: segundos depois, Ion Craciunescu apitou o fim da decisão. Rijkaard correu gritando e foi abraçado: tinha conseguido outro título, coroando o fim de sua carreira (ainda jogaria contra o Twente, na última rodada da Eredivisie, dali a quatro dias). Os jovens pulavam, festejavam, se emocionavam: era o Ajax, campeão europeu pela quarta vez.
Blind ergueu o troféu. O reserva Bogarde também o levantou, com a bandeira do Suriname que tanto influenciara aquela geração. O campeão Van Gaal achou tempo para dar passos de balé em Viena, comemorando o título - e para ainda criticar, na entrevista coletiva: "Viemos e vencemos, mas não da maneira habitual". Os jogadores só queriam comemorar - na festa da vitória no hotel, Van der Sar até se arriscou a tocar bateria.
Vieram mais momentos inesquecíveis. A recepção em Amsterdã, no aeroporto Schiphol, com a mãe de Kluivert recebendo-o na escada do avião, às lágrimas. 80 mil pessoas na praça Museumplein, gritando “Milan, Milan, who the f*** is Milan?”. Van Gaal repetindo o "golpe de caratê" da decisão na hora de subir ao palco para a festa.
Quis o destino que a Lei Bosman virasse jurisprudência na Corte europeia meses após aquela final. E o time de garotos guiado por Van Gaal foi se desfazendo: já no meio de 1995, Seedorf transferiu-se para a Sampdoria. Tudo bem: os "Godenzonen" já estavam eternizados na memória. Como seguem há 20 anos. E seguirão por muito tempo mais.
(Ah, sim: em novembro se fala sobre o Ajax x Grêmio do Mundial Interclubes...)
(Ah, sim: em novembro se fala sobre o Ajax x Grêmio do Mundial Interclubes...)
Antecipando, o Grêmio de 1995 não viu a cor da bola (como em 2017). E olha que os europeus pareciam "entediados".
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Saudade desse tempo!
Não viu a cor da bola?? O Grêmio chegou a ser superior durante o tempo normal, o próprio Van Gaal admitiu em 2014 que o time do Grêmio era melhor
ExcluirPó parabéns excelente texto lembro desse Ajax x Grêmio também. Só uma correção Kluivert que nasceu no Suriname,foi Kenneth Kluivert também jogador,pai de Patrick Kluivert que nasceu em Amsterdam.
ResponderExcluirJá corrigido. Obrigado.
ExcluirÓtimo conteúdo. Só tem uma imprecisão: Kluivert nasceu em Amsterdam, apesar de ter ascendência surinamesa. Todo surinamês tem nacionalidade neerlandesa automática, por isso vemos tanto envergarem a laranja.
ResponderExcluirJá corrigido. Obrigado.
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