quarta-feira, 1 de julho de 2020

Kluivert e Van Nistelrooy: unidos pela data e pelo gol

Juntos ou separados, Van Nistelrooy e Kluivert sempre foram sinônimos de gol na seleção da Holanda (Getty Images)


Todo dia nascem pessoas (que descoberta!) - então, é até comum encontrar aqui e ali alguém nascido na mesma data. No entanto, quando o "companheiro de data natalícia" escolhe a mesma profissão, a coincidência começa a aumentar. Quando a função nessa profissão é parecida para ambos, ela já fica mais notável. E quando eles se tornam notáveis e contemporâneos em tal função, a coincidência se torna até engraçada. Pois bem, é o que ocorre com dois dos melhores atacantes que a Holanda (e sua seleção masculina) teve nos anos 1990 e 2000. Afinal, Patrick Kluivert e Ruud van Nistelrooy vieram ao mundo em 1º de julho de 1976. E enquanto foram titulares da Laranja, foram sinônimos de gol. Por isso, é compreensível um só texto sobre a carreira dos dois atacantes aniversariantes. Que só não nasceram na mesma cidade, nem no mesmo hospital, porque aí, seria demais.

Kluivert apareceu antes

O 1º de julho de 1976 viu Patrick Stephan Kluivert nascer em Amsterdã, de um pai do Suriname (Kenneth Kluivert, que tivera uma carreira de jogador no país natal) e uma mãe de Curaçao (Lidwina Kluivert). E o jovem Patrick começou a jogar bola na rua - de preferência, no campinho da rua Naardermeer, em Amsterdã, onde entre seus amiguinhos de futebol estava um tal de Edgar Davids. Demorou pouco para Patrick mostrar talento e passar a um clube - o amador Schellingwoude, em 1982. Apenas um ano depois, o observador Tonnie Bruins Slot, que exercia funções internas no Ajax, olhou aquela criança. Bastou: em 1984, Kluivert já foi para De Toekomst, a famosa escola de base dos Amsterdammers. E lá, nos seus dez anos de formação, jogou em várias posições - até mesmo na zaga. Tal alternância fez com que o filho de Kenneth e Lidwina ganhasse técnica suficiente para se tornar um atacante técnico e completo, cheio de sutilezas no seu estilo de jogo. A tal ponto que Kluivert não jogasse somente como "centroavante", mas também mais atrás, como ponta-de-lança, saindo para pegar a bola fora da área.

Assim ele já teve trajetória nas seleções de base dos Países Baixos, desde 1990. E em 1994, quando Louis van Gaal precisava de um atacante veloz e habilidoso para a titularidade no Ajax (tendo buscado antes um certo Ronaldo, que parou no rival PSV), decidiu promover Kluivert, diretamente para os onze que começavam o jogo. Ele estreou em 21 de agosto de 1994, contra o Feyenoord, na Supercopa da Holanda - e já marcou gol no título Ajacied (3 a 0). Começava ali uma temporada inesquecível para Patrick Kluivert: mesmo sem ser titular absoluto no desempenho espantoso do Ajax (campeão europeu e campeão holandês invicto), o jovem de 18 anos já mostrou seu talento para balançar as redes. 

Já em 16 de novembro de 1994, veio sua estreia pela seleção, substituindo Youri Mulder e jogando 20 minutos contra a República Tcheca, pelas Eliminatórias da Euro 1996. No segundo jogo pela seleção, já o primeiro gol: em 29 de março de 1995, também na qualificação da Euro, contra Malta. No Ajax, foram 18 gols de Kluivert em 25 jogos, sendo o goleador do clube na Eredivisie - e só não foi goleador do campeonato porque Ronaldo, no PSV, foi outro jovem de talento ainda mais fulgurante, sendo o artilheiro da Eredivisie, com 30 gols. Pelo menos, Kluivert teve uma compensação notável: na final da Liga dos Campeões 1994/95, saiu do banco para entrar na história do Ajax, fazendo o gol do quarto título europeu, na final contra o Milan. 


Enquanto o caminho de Kluivert já estava precocemente aberto, começava sua carreira no Den Bosch o jovem Rutgerus Johannes Martinius van Nistelrooy - cujo nome enorme foi encurtado para "Ruud".
Nascido em Geffen, Van Nistelrooy também começou em clubes amadores da região da cidade natal: já aos cinco anos de idade, o infante Ruud ia para o VV Nooit Gedacht. Em 1990, já adolescente, foi para o RKSV Margriet. E lá ficou apenas um ano: bastou para o Den Bosch perceber seu talento. Após dois anos encerrando sua formação futebolística no clube da cidade de 's-Hertogenbosch, o novato já foi incluído no grupo relacionado para a temporada 1993/94. E antes mesmo de Kluivert estrear, Van Nistelrooy foi a campo: em 3 de maio de 1994, fez seu primeiro jogo na equipe principal do Den Bosch. Porém, demorou mais alguns anos para explodir em campo: jogando como meio-campo no clube, Van Nistelrooy fez poucos gols nos primeiros anos de carreira.

Ruud aparece, Kluivert permanece - após leve queda

Enquanto Van Nistelrooy ainda procurava a melhor posição - Anthony Lurling era o principal finalizador do Den Bosch -, Kluivert já era estrela. Para o bem: foi destaque na repescagem das eliminatórias da Euro 1996, marcando os dois gols na vitória contra a Irlanda, que pôs a Holanda no torneio continental. E para o mal. Dentro de campo, Kluivert até foi à Euro, até marcou um gol salvador (ao fazer o gol de honra no 4 a 1 para a Inglaterra, ajudou a Laranja a ir às quartas de final, por maior saldo de gols do que a Escócia), até jogou as quatro partidas holandesas na Inglaterra - mas em três delas, saiu do banco, preterido por Gaston Taument e Jordi Cruyff. 

Em Amsterdã, Kluivert brilhava no Ajax (de novo campeão holandês, de novo goleador do clube, com 15 gols em 28 jogos), mas tinha problemas: ainda em setembro de 1995, se envolveu num acidente grave de carro, com um morto e um ferido. Como motorista, até escapou da cadeia, mas teve de prestar serviços comunitários. Viria coisa pior: em 1996, Kluivert também foi acusado de estupro. Em suma: parecia repetir a história do "bad boy talentoso". Os dois problemas jurídicos pioraram sua imagem perante a torcida Ajacied, que o vaiava. Uma lesão no joelho, na reta final da temporada 1996/97, o tirou dos campos. O ambiente negativo o fez recusar a oferta do clube por renovação. E já com a Lei Bosman vigente, o atacante preferiu rumar para o Milan, no meio de 1997, juntando-se aos colegas de geração e ascendência surinamesa Edgar Davids e Winston Bogarde, que lá já estavam.  

No clube rubro-negro de Milão, Kluivert até começou bem: também marcou em sua primeira partida, no troféu amistoso Luigi Berlusconi, contra a Juventus. Só que a péssima temporada 1997/98 feita pelos milanistas (10º lugar no Campeonato Italiano) respingou nele. Seu desempenho nem foi tão ruim - no Campeonato Italiano, fez 6 gols, só abaixo de George Weah no clube. Mas só a Copa de 1998 começou a tirar as últimas dúvidas que havia a seu respeito O começo foi preocupante: logo na estreia da Holanda no torneio, contra a Bélgica, Kluivert brigou com o lateral Lorenzo Staelens, deu-lhe com o cotovelo, e foi expulso. Três jogos de suspensão depois, o atacante voltou nas quartas de final, contra a Argentina. Compensou a insensatez e a ausência da melhor maneira possível: abriu o placar na empolgante classificação holandesa para as semifinais da Copa. Nela, contra o Brasil, fez um gol... e perdeu outros tantos, na emocionante partida. Tudo bem: mesmo com a recaída no início do Mundial, mesmo com a eliminação dramática, a qualidade das atuações reabilitara Kluivert aos olhos da Holanda.

Só no Heerenveen Van Nistelrooy foi colocado na posição onde rendia mais: o ataque, para fazer gols (Pics United)

Enquanto isso, àquela altura, de um meio-campista incerto, Van Nistelrooy já se transformara num atacante respeitável nos Países Baixos. Em sua última temporada no Den Bosch, já jogando mais perto da área, Ruud já colocou mais a esférica na casinha: 12 gols em 31 jogos. Foi o suficiente para chamar a atenção do Heerenveen, clube mais estruturado e estável do que o Den Bosch: em 1997, ele desembarcava no clube da Frísia. E no Fean, apenas uma temporada: 1997/98. O que mostrou nela também foi o bastante. Nem tanto pelos 13 gols em 31 jogos, mas principalmente pelo seu esforço talentoso na área. Os gols que Kluivert parecia fazer naturalmente, para Ruud vinham carregados de uma enorme determinação, como se sua vida dependesse do desempenho na grande área. Então era um grosso que fazia gols? Longe disso: além do esforço, Ruud mostrava enorme poder de finalização. Com os dois pés, com a cabeça, aproveitando todas as chances possíveis.

Por isso, já na metade de 1998, Ruud era considerado um candidato a convocações para a seleção holandesa. Também por isso, o PSV apostou nele: por 12 milhões de florins (5,4 milhões de euros), a transferência interna mais cara da história do futebol do país até ali, Van Nistelrooy chegou a Eindhoven. E chegou para marcar época. A estreia previsível pela Laranja veio num amistoso contra a Alemanha, em 18 de novembro de 1998. E naquela temporada 1998/99, foi o artilheiro do Campeonato Holandês, com 31 gols em 34 gols, segundo melhor desempenho de um jogador dos Eindhovenaren numa só temporada da Eredivisie - rendendo a ele, claro, o prêmio de "Jogador Holandês do Ano". Em 1999/2000, a consagração: PSV campeão holandês, e Van Nistelrooy como o principal destaque daquele título, com 29 gols em 23 jogos. Claro, com duas artilharias seguidas na Eredivisie, era óbvio também conseguir pela segunda vez o título de "Jogador Holandês do Ano". Pela seleção, já era um "reserva frequente" em 1999. Incluindo amistosos contra o Brasil: no 2 a 2 em Salvador, chegou até a perder um gol de forma bisonha.

O drama de um, o auge de outro

E Van Nistelrooy só não fez mais gols naquela temporada por causa do drama que seu joelho lhe causou, em 2000. Mais precisamente, a partir de 7 de março daquele ano: num amistoso contra o Silkeborg, da Dinamarca, o atacante sofreu uma lesão no local, ao tentar uma bicicleta entre dois zagueiros. Houve suspeita de rompimento de ligamentos, mas o médico do PSV (Cees-Rein van den Hoogenband, pai do nadador Pieter) tratou de Ruud por um mês, e julgou que ele estava apto para voltar. E em 16 de abril, ele voltou aos treinos pelos Boeren, que se sagraram campeões holandeses dias depois.

Àquela altura, não só Ruud era nome certo para a convocação da Holanda que disputaria a Euro 2000 em casa (assim como o titular Patrick Kluivert), como também já atraía atenções de certos gigantes. O mais interessado era o Manchester United - reza a lenda, por conselho de Darren Ferguson ao pai Alex. A tal ponto que, em 22 de abril de 2000, se falou que o United já tinha oferecido 29,5 milhões de euros ao PSV para levar o atacante, num contrato de cinco anos. Prontamente o clube de Eindhoven desmentiu, assim como Van Nistelrooy, que seguia treinando. Seis dias depois, a virtual transferência para os Red Devils, a virtual convocação para a Euro 2000, o destaque no PSV: todas essas perspectivas acabavam. Numa jogada aérea durante um treino, Van Nistelrooy caiu de mau jeito e torceu o joelho direito. Ligamento cruzado anterior rompido, fim de temporada, oito meses fora.

Enquanto Van Nistelrooy era operado e começava a reabilitação, Kluivert brilhava. Na verdade, seu auge já começara em 1998: logo após a Copa, com o Milan em reformulação após a chegada do técnico Alberto Zaccheroni, muitos clubes estavam interessados no atacante. Mas coube a Louis van Gaal, o técnico que lhe dera a primeira chance no Ajax, dar a cartada final: em agosto de 1998, o treinador do Barcelona viajou da Catalunha a Milão, para convencer pessoalmente Kluivert a jogar no Barcelona. Conseguiu: por 15 milhões de euros, o atacante tomou o caminho de Les Corts.

E ali, se não foi artilheiro do Campeonato Espanhol ou da Liga dos Campeões, Kluivert viveu a melhor fase da carreira. Foi um dos expoentes da fase "BarçAjax", quando o clube tinha vários compatriotas, no banco (Van Gaal) e no campo. E merecia: se Rivaldo era o grande nome do time, se Luis Enrique ajudava bastante nas jogadas, Kluivert também marcava gols em quantidade considerável: 15 em 1998/99, mais 15 em 1999/2000.

Na Euro 2000, Kluivert viveu seu grande momento pela seleção holandesa (Getty Images)

Depois, viria a Euro 2000. E formando uma dupla notável com Dennis Bergkamp no ataque da Holanda que buscava o título holandês em casa, Kluivert viveu os principais dias de sua carreira. Na fase de grupos, dois gols, contra Dinamarca e França. E nas quartas de final daquela Euro, contra a Iugoslávia, Kluivert simbolizou uma das grandes atuações daquela geração da Laranja: 6 a 1 em De Kuip, três gols dele, tornando-o artilheiro daquela Euro, junto ao iugoslavo Savo Milosevic. Só a última memória daquela Euro foi ruim: na eliminação para a Itália, na semifinal, Kluivert perdeu um pênalti no tempo normal, mandando a cobrança na trave, no segundo tempo.

Pelo menos, no Barcelona, Kluivert seguiu como títular indiscutível, mesmo com as turbulências fortes que o clube vivia no cenário interno: 18 gols na temporada 2000/01 do Campeonato Espanhol, 18 em La Liga 2001/02, mais 16 em 2002/03 (no ano solar de 2002, o holandês foi quem mais marcou gols na Espanha - e em 2001/02, só perdeu o "Troféu Pichichi" de artilheiro de La Liga para Diego Tristán).

Na seleção, as turbulências também existiam. Pelo menos, Kluivert já tinha alguém para dividir o protagonismo no ataque.

O Manchester United esperou Van Nistelrooy se recuperar de sua lesão no joelho. Teve a compensação: gols e mais gols (Getty Images)

Kluivert se apaga, Van Nistelrooy se acende cada vez mais

Operado nos Estados Unidos, Van Nistelrooy ficou em recuperação até janeiro de 2001, quando voltou aos treinos no PSV. Paralelamente, mesmo com o fracasso da primeira negociação, o Manchester United o mantinha em seu radar de contratações - em grande parte, por esforço pessoal de Alex Ferguson. A ponto de haver indisfarçável raiva de Harry van Raaij, presidente do PSV, com o interesse (e, talvez, o aliciamento) do clube vermelho de Manchester no atacante.

Enfim, sua carreira voltou a andar. Em 3 de abril de 2001, sob aplausos de todo o Philips Stadion, Van Nistelrooy voltou a jogar para valer, contra o Roda JC, pelo Campeonato Holandês. Mais 22 dias, e, convocado de novo para a seleção da Holanda, Ruud entrou em campo para os últimos 19 minutos contra o Chipre, pelas Eliminatórias da Copa de 2002 - e já deixou o dele nas redes. E, de certa forma, a despedida do PSV foi honrosa para ele: 10 jogos na reta final da Eredivisie 2000/01, dois gols, e mais um título holandês. 

E finalmente, o Manchester United conseguiu quem queria, depois da via-crúcis: em 28 de abril, por 30,4 milhões de euros, era anunciada a contratação de Van Nistelrooy pelo clube inglês, por um contrato de cinco anos. Chegava a Old Trafford o nome que se tornaria sinônimo de gols para os torcedores Mancunians. Para eles e para sempre, Van Nistelrooy se tornaria "Van the Man". E sua primeira temporada já daria razões para amor eterno: na campanha que levou o clube às semifinais da Liga dos Campeões, 10 gols em 14 jogos, tornando-o artilheiro daquela Champions 2001/02. Os primeiros prêmios individuais vieram: Ruud foi eleito o jogador do ano tanto pelos outros atletas da Premier League quanto pelos torcedores do United.

Mais ainda viria em 2002/03: mais do que David Beckham, Paul Scholes ou Ryan Giggs, Van Nistelrooy simbolizou o Manchester United campeão inglês daquela temporada. Até por ter sido artilheiro da Premier League, com 25 gols. Mais do que isso: por ser o goleador máximo da Liga dos Campeões pela segunda vez seguida, com 14 gols em 11 jogos. Até mesmo artilheiro da Copa da Inglaterra Van Nistelrooy foi. De novo, mais reconhecimentos: pela segunda vez seguida, foi eleito pelos adeptos do Manchester United o jogador da temporada pelo clube, além de ser considerado o melhor de 2002/03 no Campeonato Inglês.


Na seleção, já em 2001 Ruud foi se tornando paulatinamente titular, ao lado de... Patrick Kluivert. Até por opção tática de Louis van Gaal, o técnico da vez, que escalava Kluivert como "ponta-de-lança", vindo do meio-campo com a bola, enquanto Van Nistelrooy ficava na área (onde foi bem: sete jogos, sete gols). Mas com o fracasso da Holanda nas Eliminatórias da Copa de 2002, a formação foi abandonada. Pior para Ruud: após o vexame de ficar fora do Mundial, Van Gaal deixou a seleção, Dick Advocaat chegou para a segunda passagem pelo comando da Laranja, e Kluivert voltou a ser o homem preferencial no ataque - voltando a ser titular, enquanto o contemporâneo ia e vinha do banco.

Mas 2003 começou a mudar as coisas. Consagrado no Manchester United, Ruud voltou a ser titular da Holanda, ao lado de Kluivert. Paralelamente, no Barcelona, Kluivert sofreu séria lesão no joelho, ficando alguns meses fora dos campos em 2003 - justamente quando Ronaldinho chegou ao Camp Nou, junto a Frank Rijkaard, que treinara Kluivert na Euro 2000, seu melhor momento pela seleção. Quando Kluivert voltou, seu espaço no Barcelona havia diminuído. E isso influenciou na Oranje.

Talvez, um jogo tenha simbolizado essa mudança de cetro no posto de "homem-gol holandês": no jogo de volta da repescagem das eliminatórias da Euro 2004, a Holanda precisava vencer a Escócia, após levar 1 a 0 na ida. Pois bem: Van Nistelrooy começou como titular em Amsterdã. Fez três gols, a Holanda goleou (6 a 0) e garantiu a vaga na Euro. Kluivert? Só entrou para os 12 minutos finais. A partir desse ponto, o principal "camisa 9" laranja passava a ser Ruud van Nistelrooy.

O fim discreto de Kluivert...

Na preparação para a Euro 2004, já estava claro: Van Nistelrooy tomara de Kluivert a titularidade no ataque da Holanda. Nem mesmo uma temporada menos inspirada pelo Manchester United (e ainda assim, com mais um título e mais uma marca de goleador na carreira, pela Copa da Inglaterra) fez com que "Van the Man" perdesse o posto. Até porque Kluivert já não jogava tanto: pelo Barcelona, foram apenas oito gols em 21 jogos pelo Campeonato Espanhol, na temporada 2003/04. E com um salário alto demais para a reestruturação financeira barcelonista, ele estava prestes a deixar o clube.


A Euro deixou isso claro. Kluivert só jogou quatro amistosos pré-Euro em 2004. Com a fase de Van Nistelrooy e a aparição fulgurante de Arjen Robben, acabou indo para o banco no torneio continental. Foi convocado, mas não saiu da reserva em nenhum momento da Euro. Era seu ato final na seleção holandesa pela qual fizera tanta história: com 40 gols em 79 jogos, superara Faas Wilkes, Johan Cruyff, Abe Lenstra, Dennis Bergkamp, todos - após dez anos, Kluivert deixava a Laranja como seu maior goleador em todos os tempos, até então (hoje, é o terceiro maior goleador).

E Van Nistelrooy, por sua vez, justificou a confiança. Chegou à Euro 2004 como titular absoluto do ataque. Fez gols importantes, como no empate do clássico de estreia contra a Alemanha (1 a 1). Estava a postos em momentos decisivos - na decisão por pênaltis contra a Suécia, nas quartas de final, Ruud converteu a primeira cobrança, na série que levou a Laranja às semifinais. Numa campanha inconstante e questionada, foi uma das únicas unanimidades positivas da Holanda. A ponto de ser incluído na seleção da Euro pela própria UEFA.


Para Kluivert, o fim começara. Rumando para o Newcastle no meio de 2004, logo após a Euro, ele chegou como titular absoluto para o técnico Bobby Robson. Mas ele logo foi demitido, Graeme Souness o substituiu e preferiu deixar Kluivert na reserva. De fato, sua forma piorava: pelo Campeonato Inglês 2004/05, foram só oito gols em 25 jogos (em muitos deles, entrando só no últimos minutos). Considerado um fracasso em St. James' Park, o atacante voltou à Espanha, para o Valencia. Mas na temporada 2005/06, vitimado por lesões cada vez mais frequentes no joelho, Kluivert viu David Villa e Mista tomarem o espaço no ataque. Outro fracasso: só dez jogos pelos Ches no Campeonato Espanhol, só um gol, apenas entradas esporádicas no final das partidas.

Mesmo com a carreira em queda, Kluivert seguiu tendo chances. Antes da temporada 2006/07, chegou a negociar com o Hamburgo, mas logo surpreendeu: nos últimos dias da janela de transferências, aceitou a proposta do PSV, para substituir Jan Vennegoor of Hesselink, que se fora para o Celtic. Em Eindhoven, Kluivert estreou num jogo contra o Feyenoord... mas uma semana após ele, se lesionou no joelho, novamente. Mais alguns meses em recuperação. Quando voltou, em dezembro de 2006, Arouna Koné já se estabilizara como atacante nos Eindhovenaren.

Mas Kluivert teria espaço no PSV: jogando como "ponta-de-lança" novamente, teve espaço na reta final da campanha do tricampeonato holandês dos Boeren. Em 16 jogos, fez três gols naquela Eredivisie 2006/07 - um deles, até, contra o Ajax em que surgira (gol de honra, numa marcante goleada Ajacied: 5 a 1). Na campanha do PSV na Liga dos Campeões, até marcou três gols. Mas foi insuficiente para mantê-lo em Eindhoven ao fim daquela temporada, quando seu contrato acabou. Mantendo a forma no Ajax, Kluivert até se interessou por uma volta, mas o clube não fez proposta.

As lesões frequentes encurtaram a carreira de Kluivert: já aos 32 anos, o Lille era o capítulo final (Getty Images)

Quem fez foi o Lille: em outro contrato por uma temporada, já com 31 anos, Kluivert chegou sabendo que seu espaço no clube francês seria menor, até pela preferência do técnico Claude Puel em trabalhar com atacantes mais rápidos. Além do mais, a forma física já piorava a olhos vistos, até pelas lesões frequentes. E Kluivert foi um "reserva de luxo" no Lille. Teve sua utilidade, sim - Claude Puel o elogiou por sua postura, como um "professor" para os jogadores mais jovens. Utilidade que, de certa forma, antecipou o fim: em 2008, aos 32 anos, Kluivert encerrou a carreira discretamente. Sem anúncios ou festas. Apenas iniciou imediatamente um curso de treinador na federação holandesa.

... e a continuação turbulenta de Van Nistelrooy. Até parar

Van Nistelrooy já não era nenhuma criança na temporada 2004/05, com seus 28-para-29 anos. Na seleção, Marco van Basten chegara como técnico com a função de rejuvenescer a Laranja - e o fez, aproveitando vários surgimentos promissores (Arjen Robben e Wesley Sneijder já vinham da Euro, e Van Basten deu a primeira convocação a Dirk Kuyt e Robin van Persie). Ainda assim, não havia como prescindir de "Van the Man".

Até porque, em 2004/05, ele voltou a ser sinônimo de gols no Manchester United. Basta dizer que, pela terceira vez, Van Nistelrooy foi artilheiro da Liga dos Campeões (8 gols em sete jogos), já se consagrando como um dos maiores goleadores da história do principal torneio da Europa. Em 2005/06, seu começo também foi promissor: pelo Campeonato Inglês, marcou gols nos quatro primeiros jogos da competição. Todavia, o United mergulhara em turbulências: fez campanha péssima na Liga dos Campeões - eliminado na fase de grupos -, e só ganhou a Copa da Liga Inglesa. 

Pior: Van Nistelrooy já começara a mostrar algumas ações que pioravam sua imagem a Alex Ferguson, sempre tão cioso da condução das coisas nos Diabos Vermelhos. O fim da temporada 2005/06 chegou, e com ele as gotas d'água. Reserva na final da Copa da Liga Inglesa, em fevereiro de 2006, quando viu que não entraria em campo, o atacante deixou o banco e ofendeu Sir Alex. Em maio do mesmo ano, num treino, brigou com Cristiano Ronaldo - a ponto de fazer o português chorar ao dizer para que ele "fosse chorar ao papai" (a referência era ao português Carlos Queiroz, auxiliar de Alex Ferguson, mas Cristiano se lembrou do pai falecido havia alguns meses). Foi o suficiente para que Sir Alex colocasse Van Nistelrooy na lista de transferências do Manchester United.

E se na seleção holandesa as coisas andavam mais calmas para Van Nistelrooy, também ficariam difíceis em 2006. O jogador chegou à Copa como titular absoluto, mas justamente no torneio a nova geração explodiu: Robben foi o destaque na estreia da Laranja contra Sérvia e Montenegro, enquanto Van Persie roubou a cena contra a Costa do Marfim. Nem mesmo o gol marcado contra os marfinenses tirou de Van Nistelrooy o incômodo por perder espaço. Incômodo que ficou maior, bem maior, quando Van Basten o deixou no banco pelos 90 minutos das oitavas de final, na eliminação daquela Copa, para Portugal. Segundo o jogador, sem nunca justificar a ele o porquê da atitude.

Pelo menos naquele momento, foi outra gota d'água: semanas depois da queda holandesa, Van Nistelrooy anunciou que parava ali de jogar pela seleção. Em clubes, sua história no Manchester United também estava terminada: cinco anos, 219 jogos e 150 gols depois, ele partiu para o Real Madrid, que viveria durante aquela temporada 2006/07 uma reformulação meio atabalhoada - que só tomou rumo após a chegada do técnico Fabio Capello.

Entre tantas mudanças que encerravam a era dos "Galácticos", Capello fez de Van Nistelrooy uma de suas únicas certezas. Titular absoluto do ataque, o holandês viveu uma das temporadas que melhor exemplificavam seu estilo de jogo, valendo-se da velha garra e da eficácia impressionantes para ser o artilheiro do Campeonato Espanhol em 2006/07 (25 gols) e um dos símbolos da redentora conquista madridista em La Liga, ganha nas última rodadas. De quebra, ainda naquela temporada, foi vice-artilheiro da Liga dos Campeões, com mais seis gols. E ainda teve papel importante, embora não fundamental, no bicampeonato espanhol, em 2007/08: 24 jogos, 16 gols. Se tinha sido "Van the Man" no Manchester United, Van Nistelrooy virara "Van Gol" para a torcida madridista.

Pacificado nos clubes, Van Nistelrooy também se pacificou na seleção. Em meados de 2007, refez a paz com Van Basten (com Edwin van der Sar, então capitão da Oranje e amigo pessoal de Ruud, como mediador), e voltou à Laranja já fazendo dois gols decisivos, contra Bulgária e Albânia - este, no último lance da partida -, nas Eliminatórias da Euro 2008. De novo, mesmo com a geração "Robben-Van Persie-Sneijder" já estabelecida, Van Nistelrooy foi titular absoluto naquela Euro. Por mais que ele já fosse veterano, aos 31 anos, marcou gols importantes. Como o polêmico gol que abriu a contagem dos 3 a 0 na estreia contra a Itália: fora de campo, à frente de todos os jogadores, Ruud voltou rápido, a tempo de desviar a bola e mandá-la às redes, sem que fosse apitado o impedimento. Ou, então, como o gol aos 86', que empatou o jogo contra a Rússia, nas quartas de final, devolvendo à Laranja um pouco das esperanças de classificação que se acabariam na prorrogação, quando os russos fizeram 3 a 1.

Euro 2008: um último momento honroso de Van Nistelrooy pela Laranja (Getty Images)

Logo depois da Euro 2008, Van Nistelrooy anunciou novamente o fim da carreira na seleção - daquela vez, não por briga, mas por preferência em se dedicar aos clubes. Porém, sua dedicação ao Real Madrid foi forçosamente menor em 2008/09: uma lesão no menisco do joelho direito encurtou sua participação naquela temporada. O tempo passou, Cristiano Ronaldo e Karim Benzema chegaram ao Real... e Van Nistelrooy entendeu que seu tempo no Santiago Bernabéu estava acabado. Em comum acordo com o clube, pediu para ser transferido ainda durante a temporada 2009/10. 

Conseguiu: em janeiro de 2010, chegou ao Hamburgo. Primeiramente, emprestado - e manteve média de gols razoável, com cinco em 11 partidas pelos hanseáticos no Campeonato Alemão. A partir de 2010/11, já contratado em definitivo pelo Hamburgo, Van Nistelrooy jogou mais (25 partidas pela Bundesliga), mas marcou menos gols (sete). Porém, ainda houve disposição para uma volta dele à seleção holandesa: após a Copa de 2010,  Ruud retornou à Laranja, já ficando mais no banco de reservas. Mas sem esquecer o caminho das redes: pelas Eliminatórias da Euro 2012, marcou um gol naquele ano, contra San Marino. E em março de 2011, entrou contra a Hungria, na última de suas 70 partidas pela seleção, para fazer o último de seus 35 gols por ela, que o tem como sétimo maior goleador.

Van Nistelrooy fez gols até mesmo no Málaga, ponto final da carreira (Getty Images)


O fim também se aproximava. E veio de maneira honrosa: em 2011, após o fim do contrato com o Hamburgo, Van Nistelrooy chegou ao Málaga, que o contratara a pedido do técnico chileno Manuel Pellegrini, que o treinara nos tempos de Real Madrid. Van Nistelrooy ajudou jogando muito (28 partidas pelo Campeonato Espanhol 2011/12), mas marcando pouco (4 gols), já na reserva do venezuelano Salomón Rondón. E em maio de 2012, ele também anunciou o fim da carreira.

Mais semelhanças

E os caminhos que Van Nistelrooy e Kluivert seguiram após encerrarem as carreiras em campo apresentaram mais semelhanças do que a posição (e a data de aniversário). Após cursos de treinador, ambos ganharam o "estágio" na comissão técnica da seleção holandesa masculina que tão bem defenderam. Kluivert foi auxiliar de Louis van Gaal entre 2012 e 2014, incluindo a Copa do Mundo. E Ruud não só foi braço-direito da comissão entre 2015 e 2016 (trabalhando tanto com Guus Hiddink quanto com Danny Blind), como a ela voltou no ano passado - sim, Ruud é auxiliar de Ronald Koeman, além de comandar a equipe sub-19 do PSV desde 2018.

Kluivert já deu mais alguns passos: além de ter comandado a equipe de Curaçao entre 2015 e 2016, também auxiliou um colega de geração, Clarence Seedorf, quando este treinou Camarões. Só então, tomou um rumo diferente do contemporâneo, indo para fora do campo: após passar pela diretoria de futebol do Paris Saint-Germain, Kluivert é hoje diretor das categorias de base do Ajax. De quebra, ainda vê descendentes levando o nome da família à frente. O mais velho, Justin, já trilha seu caminho na Roma, após começar no Ajax, ao passo que o ainda criança Shane já pensa na carreira.

Mas o fato é que a grande semelhança que une Kluivert a Van Nistelrooy é mesmo a data de aniversário exatamente igual. E a mais importante semelhança que os une é que foram, em dupla ou separados, sinônimos de gol na seleção holandesa enquanto jogaram por ela.

Patrick Stephan Kluivert
Data de nascimento:  1º de julho de 1976, em Amsterdã
Clubes: Ajax (1994 a 1997), Milan (1997 e 1998), Barcelona (1998 a 2004), Newcastle-ING (2004 e 2005), Valencia-ESP (2005 e 2006), PSV (2006 e 2007) e Lille-FRA (2007 e 2008)
Seleção: 79 jogos e 40 gols, entre 1994 e 2004

Rutgerus Johannes Martinius "Ruud" van Nistelrooy
Data de nascimento: 1º de julho de 1976, em Geffen
Clubes: Den Bosch (1993 a 1997), Heerenveen (1997 e 1998), PSV (1998 a 2001), Manchester United-ING (2001 a 2006), Real Madrid-ESP (2006 a 2010), Hamburgo-ALE (2010 e 2011) e Málaga-ESP (2011 e 2012)
Seleção: 70 jogos e 35 gols, entre 1998 e 2011

2 comentários:

  1. Bom dia, Felipe!!! Ótimo texto - como sempre. Qual dos dois você preferia? Valeu!! Gosto muito do seu trabalho. Um abraço!!

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  2. Texto maravilhoso. Em outros lugares (desde adolescente) lia que van Nistelrooy nascera em Oss, estavam errados então. Que perfil completo com ótimos detalhes sobre os dois.

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