Velocidade, gols, habilidade: Johan Neeskens é um dos símbolos mais fortes da Holanda de 1974 - e um dos melhores jogadores que o país já teve (Créditos não encontrados) |
A seleção da Holanda na Copa de 1974 tem muitos ícones. Muitos nomes que a simbolizam: de Willem van Hanegem a Johnny Rep, de Arie Haan a Ruud Krol, passando pelo maior de todos eles, Johan Cruyff. Mas talvez haja um único símbolo do que ela era taticamente. Um jogador que tinha velocidade invejável em campo - e com ela, mais a sua técnica, conseguia ajudar em todos os setores do campo, ajudando a defesa, acelerando a jogada no meio-campo para chegar bem ao ataque e até concluir. Este meio-campista de origem, que faz 70 anos de idade nesta quarta-feira, pôde ser considerado um "jogador total", durante toda a sua carreira. E é ela que será descrita aqui: a carreira de Johan Neeskens.
No começo: o jovem que faltava
Neeskens chamou a atenção por suas potencialidades esportivas antes mesmo de começar no futebol: ainda na infância e na adolescência, enquanto estudava na Dreefschool (escola de educação básica em sua cidade natal, Heemstede), o jovem despontava sempre que havia a semana de olimpíadas internas, tal era a sua velocidade e a sua capacidade em várias modalidades. Mas o futebol se destacou, também cedo: pouco depois disso, ele já começou nos campos, pelo RCH (Racing Club Heemstede). O que não quer dizer que era só com a bola grande que Neeskens lidava: ainda na reta final da adolescência, ele se alternava entre o futebol e o beisebol dentro do RCH.
Isso continuou mesmo com o amador RCH disputando a Tweede Divisie, equivalente à terceira divisão nos Países Baixos. Continuou até mesmo quando "Nees" começou a frequentar as seleções neerlandesas de base, na segunda metade da década de 1960. Só a partir de 1968, quando sua carreira no time principal do RCH começou para valer, é que ele foi forçado a escolher entre futebol e beisebol. Optou pelo primeiro. Não haveria razão para arrependimentos: dois anos depois, após observações seguidas de Rinus Michels, o jovem meio-campista tomou o caminho do Ajax.
Neeskens foi uma chegada fundamental para o Ajax que impressionou o mundo no início da década de 1970 (Créditos não encontrados) |
Compreensível: a vitalidade de Neeskens para correr por todas as partes do gramado, aliada à habilidade nas finalizações, o tornava nome talhado para fazer parte do que Michels pensava para o "Futebol Total" que vigoraria em sua equipe. Enquanto nomes mais velhos já eram parte certa da base do Ajax (o líbero Velibor Vasovic, os atacantes Sjaak Swart e Piet Keizer e, acima de todos, Johan Cruyff), Neeskens chegaria para se juntar aos jovens que virariam titulares imediatamente, como Ruud Krol e Johnny Rep. Era um dos nomes que faltavam para Michels fazer do Ajax o que desejava.
Já deu certo na primeira temporada: o novato chegou ainda a tempo de fazer parte do grupo campeão holandês em 1969/70. Deu mais certo ainda a partir de 1970/71. Não só por começar a ser parte visível e brilhante do "Gloria Ajax" - campeão da Copa da Holanda e, principalmente, campeão europeu pela primeira vez -, mas por começar ali seu caminho na seleção holandesa: Neeskens estreou por ela em 11 de novembro de 1970, numa derrota para a Alemanha Oriental, nas eliminatórias da Euro 1972. Tudo isso, ainda numa fase de experimentações. Tanto que passou boa parte daquela temporada ainda como lateral direito.
Na final da Copa de 1974, a Holanda caiu - mas Neeskens deixou a única boa lembrança laranja daquela partida. Mais uma, numa ótima Copa do meio-campista (Staff/AFP via Getty Images) |
"Johan II", um coadjuvante que também era destaque
Rinus Michels decidiu mudar isso a partir da temporada seguinte, 1971/72: notando a velocidade de Neeskens, colocou-o cada vez mais no meio-campo. E foi assim que, aos 20 anos de idade, ele já foi figura de destaque na Tríplice Coroa do Ajax: titular no bicampeonato europeu, na conquista do Campeonato Holandês e da Copa da Holanda, nome certo na seleção holandesa que iniciava a campanha das eliminatórias para a Copa de 1974. O meio-campo já mostrava até um lado inesperadamente goleador: fez, por exemplo, três gols nos 9 a 0 contra a Noruega, pela campanha de qualificação para o Mundial. A situação seguiu a mesma em 1973: "Nees" foi inquestionável tanto na campanha do tricampeonato europeu do Ajax, quanto na volta da Holanda a uma Copa do Mundo.
E no Mundial realizado na Alemanha, Neeskens brilhou. Pode ser considerado, sem injustiça, um dos três protagonistas naquela seleção que impressionou quem acompanhava futebol, em sete jogos. Foi, talvez, o símbolo do que era o Futebol Total: era comum vê-lo voltando do meio-campo (sua base) para ajudar na defesa, sendo incansável nos desarmes, depois partindo veloz e tabelando durante a jogada, para chegar à frente e finalizar. Muitas vezes, completou para as redes: foram dois gols nos 4 a 1 contra a Bulgária, na fase de grupos. Mais um na Alemanha Oriental, fazendo 2 a 0 na segunda fase daquela Copa. E é bem válida a opinião de que Neeskens foi o melhor em campo na vitória sobre o Brasil: fez um gol, acelerou jogadas, participou de tudo que importou naqueles 2 a 0 que levaram a Laranja à sua primeira final de Copa. Por falar nela, se depois veio a virada que fez da Alemanha campeã mundial, pelo menos Neeskens deixou uma boa memória, convertendo o primeiro gol naquela decisão, em uma de suas especialidades: cobranças de pênalti.
Se Johan Cruyff já estava por Barcelona naquela época, bem como o técnico Rinus Michels, as atuações de Neeskens na Copa tornaram previsível que fosse ele o terceiro holandês a chegar ao clube catalão. E aconteceu: ainda em 1974, o meio-campista deixou o Ajax, rumando para Camp Nou. Rapidamente fez no clube o que já fazia na seleção: o "trabalho sujo" de ser incansável na marcação e na armação das jogadas, para que Cruyff pudesse brilhar. Trabalho reconhecido a tal ponto que a própria torcida do Barcelona apelidou carinhosamente Neeskens: se o camisa 14 era "El Salvador", o homem que recuperava a autoestima barcelonista, ele foi o dono da camisa 13, e se tornou "Johan II" ("Johan Segundo"), vindo logo atrás na fila sucessória da admiração. Naqueles anos, Neeskens viveu seu apogeu. No Barcelona, foi eleito o "Jogador do Ano" no futebol espanhol pela revista Don Balón, em 1976 - e até fez uma partida pela seleção da Catalunha, no mesmo ano. Conseguiu pelo menos uma Copa do Rei (1977/78) - que levou o Barcelona à Recopa Europeia, na temporada seguinte, também conquistada pelo clube, com Neeskens como um dos protagonistas, já sem Cruyff a seu lado.
Cruyff (à direita) podia ser o líder de tudo e de todos no Barcelona, mas Neeskens era coadjuvante tão confiável do compatriota que foi chamado "Johan II" (Créditos não encontrados) |
Na seleção, em que pesassem alguns desentendimentos (esteve no racha que encurtou o caminho do goleiro Jan van Beveren e do atacante Willy van der Kuylen, destaques do PSV, na Laranja), Neeskens era absoluto no time. Contornava os problemas, era menos dado a polêmicas do que Cruyff, esteve presente na Euro 1976 - mesmo sucumbindo ao nervosismo: foi expulso na semifinal contra a Tchecoslováquia. Na Copa de 1978, mesmo perdendo espaço no time após a instável fase de grupos que a Holanda fez, o meio-campo foi um dos líderes internos na reação que catapultou a Laranja à final. Titular novamente nos dois jogos finais da campanha, ele se notabilizou de novo naquela Copa. Pelo domínio no meio-campo e pela raça: nem mesmo perder dois dentes durante a final contra a Argentina, após tomar uma cotovelada de Daniel Passarella, o tirou de campo.
Queda no futebol e na vida
Mas o ano de 1979 começou a trazer sinais de que o tempo passava, mesmo que Neeskens tivesse apenas 28 anos de idade. Na seleção, o espaço foi sendo perdido: apenas dois jogos por ela, perdendo lugar nas convocações de Jan Zwartkruis, ficando fora da Euro 1980. Em grande parte, queda decorrente da opção feita em clubes. No mesmo ano, Neeskens fez o que tantos colegas de geração estavam fazendo: tomou o caminho da NASL, a liga de futebol dos Estados Unidos. Mais precisamente, Neeskens foi para o clube mais prestigioso e visível que poderia haver no campeonato norte-americano: o New York Cosmos. Lá, a pouca exigência em termos esportivos acabou permitindo que problemas pessoais de Neeskens ficassem no âmbito privado. Nos primeiros anos nos Estados Unidos, ele exagerou na bebida, perdendo justamente o que fora sua grande qualidade nos tempos áureos: a disposição física.
No Cosmos, Neeskens conheceu a decadência em campo. Quase fora dele também, mas uma convocação esparsa para a Holanda recolocou a vida no prumo (Créditos não encontrados) |
Só uma convocação (relativamente desesperada) tirou o meio-campo de uma letargia perigosa. Com a Holanda correndo sérios riscos de ficar fora da Copa de 1982, o técnico Kees Rijvers o convocou para os dois últimos jogos das eliminatórias, contra Bélgica e França, em outubro e novembro de 1981. Neeskens foi liberado pelo Cosmos, e passou algumas semanas só recuperando a forma antes de se integrar à seleção. Foi titular nas duas partidas, mas só a experiência que tinha não bastou: a Laranja perdeu o jogo derradeiro para a França, perdeu o lugar na Copa... e o meio-campo teve naquelas duas partidas seu capítulo final na Oranje, após 49 jogos e 17 gols.
A decadência da carreira do meio-campo seguiu a decadência do New York Cosmos, de certa forma: a NASL foi se enfraquecendo aos poucos, e o holandês foi o único veterano contratado em tempos áureos a ficar no clube por mais tempo - mais precisamente, até 1984, quando o Cosmos já rumava para a extinção. Depois, houve até interesse sério do Botafogo na contratação de Neeskens, no início de 1985, mas ele preferiu voltar ao país natal. Mas não foi para o Ajax: o meio-campo foi um reforço ambicioso do Groningen, chegando em meio à temporada 1984/85. Em que pese uma boa lembrança - estar na vitória por 3 a 1 sobre o Ajax, na 27ª rodada daquele Campeonato Holandês -, Neeskens foi pouco presente na campanha que levou o Groningen ao quinto lugar: só sete jogos, nenhum gol marcado.
O Groningen foi o último clube em que Neeskens jogou nos Países Baixos, em 1985 - mas ele encerrou a carreira na Suíça (Arquivo do jornal Dagblad van het Noorden) |
O verdadeiro destino final do jogador foi a Suíça. Em que pese uma volta aos Estados Unidos (entre 1985 e 1987, passou por três clubes no país, que já tinha voltado a ter um campeonato amador), Neeskens chegou às terras helvéticas para já se alternar como jogador-treinador: atuou e comandou o FC Baar, entre 1987 e 1990, e parou de vez no FC Zug, em 1991. Pelo menos, nos campos: porque, como treinador, o neerlandês comandou o amador Zug entre 1991 e 1993.
O respeito voltou no banco de reservas
Iniciando a carreira de treinador em outras equipes amadoras da Suíça (o Stafa, entre 1993 e 1995, e o Singen, entre 1995 e 1996), Neeskens parecia destinado a seguir longe dos holofotes. Porém, por mais discreto que seu fim como jogador tivesse sido, as memórias do que fizera na década de 1970 eram inesquecíveis nos Países Baixos, impondo respeito no futebol do país. Guus Hiddink sabia disso. E trouxe o ex-jogador de volta à seleção: tão logo assumiu a Laranja pela primeira vez, em 1995, Hiddink fez de Neeskens o seu auxiliar técnico. Menos pelo que poderia fazer como treinador, mais como alguém que se imporia aos jogadores pelo respeito, não pela força.
Deu tão certo que Neeskens ficou como braço-direito de Hiddink até a Copa de 1998 - aliás, foi considerado um nome importante na pacificação de um grupo que esteve em turbulência na Euro 1996. Ocorreu mais: Neeskens ficou na Laranja depois da Copa, também auxiliando Frank Rijkaard, sucessor de Hiddink. Só depois da Euro 2000, quando Rijkaard deixou a seleção, é que Neeskens também decidiu começar uma carreira como técnico. Não fez feio: foram quatro anos no NEC, entre 2000 e 2004, levando o clube de Nijmegen na melhor campanha de sua história no Campeonato Holandês (5º lugar, em 2002/03), e na consequente campanha na Copa da UEFA, em 2003/04. Feitos que só ilustravam mais ainda as memórias ainda vivas do que fizera em campo: tanto que Neeskens foi nome certo na polêmica lista FIFA 100, organizada por Pelé para o centenário da FIFA, em 2004, com os 100 mais representativos jogadores da história do futebol.
Guus Hiddink apostou em Neeskens como seu auxiliar técnico na seleção holandesa - e o respeito que "Nees" impunha pelo que fez em campo ajudou muito seu trabalho (Pro Shots) |
Quando Neeskens saiu do NEC, em 2005, foi para voltar às seleções. De novo, por obra e graça de Guus Hiddink: "Nees" esteve ao lado dele no banco de reservas da seleção da Austrália, nas eliminatórias e na Copa de 2006. Logo depois, mais um trabalho auxiliando Frank Rijkaard: retornou ao Barcelona que tão bem conhecia, para ajudar Rijkaard até 2008. Mesmo com a demissão do clube catalão, logo ganhou emprego de novo: entre 2008 e 2009, Neeskens treinou a "Holanda B", tentativa de seleção de aspirantes, criada pela federação, que teve vida curta.
Depois disso, aí, sim, era hora de discrição. Neeskens teve mais uma passagem auxiliando Frank Rijkaard - no Galatasaray, entre 2009 e 2010. Tentou outro voo solo no Mamelodi Sundowns sul-africano, chegando em 2011, mas após ameaças da torcida do Mamelodi, preferiu deixar o clube, em dezembro de 2012. Desde então, ele voltou à Suíça, onde vive até hoje com discrição. Mas discrição não quer dizer isolamento: Neeskens foi celebrado ao lançar uma biografia fotográfica, em 2017. Desde então, tem um perfil no Instagram, de vez em quando ativado com lembranças de feitos em sua carreira. No ano passado, foi celebrado pela federação holandesa, sendo entrevistado e entronizado no "Hall da Fama". E de vez em quando, aparece em eventos futebolísticos - mesmo uma mágoa com o Ajax (teve a entrada barrada no estádio do clube, nos anos 1990, quando auxiliar da seleção) foi resolvida após uma conversa com o ex-goleiro Edwin van der Sar, hoje diretor geral Ajacied.
Lembranças que sobram, para aquele que pode ser considerado um dos grandes símbolos do momento em que o futebol da Holanda (Países Baixos) avisou a sua chegada para ficar. Neeskens ficou. E ficará.
Neeskens vive na Suíça. Mas sua voz e sua opinião sobre futebol sempre serão ouvidas na Holanda (Pim Ras) |
Johannes Jacobus "Johan" Neeskens
Data de nascimento: 15 de setembro de 1951, em Heemstede
Clubes: RCH (1968 a 1970), Ajax (1970 a 1974), Barcelona-ESP (1974 a 1979), New York Cosmos-EUA (1979 a 1984), Groningen (1984 e 1985), South Florida Sun-EUA (1985), Kansas City Comets-EUA (1985 e 1986), FC Löwenbrau-EUA (1986 e 1987), FC Baar-SUI (1987 a 1990) e FC Zug-SUI (1990 e 1991)
Seleção: 49 jogos e 17 gols, entre 1970 e 1981
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