quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Grandes laranjas: Rep

Cabelos esvoaçantes, força física, gols, carisma: Johnny Rep foi uma das personalidades mais marcantes na Holanda de 1974 (e de 1978 também) (Getty Images)

Depois da eclosão internacional, com a geração dos anos 1970, vários atacantes da Holanda puderam ser chamados de "homem-gol" ao longo das últimas décadas. De Marco van Basten a Robin van Persie, passando por Dennis Bergkamp, Patrick Kluivert, Ruud van Nistelrooy, Klaas-Jan Huntelaar, até mesmo por Roy Makaay e Pierre van Hooijdonk, que não tiveram tanto espaço na seleção: goleadores são frequentes na história da seleção masculina dos Países Baixos. Muitos deles, com destaque em Copas do Mundo. Porém, a verdade é que nenhum dos citados acima fez tantos gols pela Laranja em Mundiais quanto o aniversariante do dia: Johnny Rep, 70 anos, o "bad boy" da geração vice-campeã mundial em 1974 e 1978.

Mais um jovem talentoso

O começo da carreira de Rep foi como tantos outros jogadores de sua geração - e das posteriores. Os primeiros passos no futebol foram dados num clube das redondezas - no caso, o ZFC, de sua cidade natal, onde ele começou em 1960, ainda na infância. E lá Rep começou a se habituar a jogar no ataque: tanto no meio da área quanto, principalmente, na ponta-direita, que virou sua posição preferencial. Bastou para Rep já ter sua primeira experiência para valer aos 16 anos, jogando no time principal do amador ZFC, que estava então na Tweede Divisie (a terceira divisão dos Países Baixos). 

Bastou mais ainda para que logo o jovem chamasse a atenção do Ajax, em 1969, antes mesmo de começar a fase adulta da carreira. O atacante rumou para os times de base Ajacieden naquele ano, esperou... e estreou na equipe de cima num ambiente desejável para todo jovem: um time dominante, em ótima fase, cheio de grandes jogadores. Era este o Ajax em 1971: recém-consagrado campeão europeu pela primeira vez, com nomes como Ruud Krol, Johan Neeskens, Johan Cruyff, Sjaak Swart... e, em 29 de agosto de 1971, no 1 a 1 contra o Sparta Rotterdam (terceira rodada do Campeonato Holandês 1971/72), aquele passava a ser o time de Johnny Rep, também.

O ponta dos gols importantes brilha em 1974

Ao lado de Johan Neeskens, Rep simbolizava a juventude promissora na época do que se convencionou chamar "Gloria Ajax". Aliás, a sua primeira temporada completa como titular do time de Amsterdã seria, talvez, a mais fulgurante daquela fase: em 1971/72, Tríplice Coroa completa - bicampeão europeu, campeão da Eredivisie e da Copa da Holanda. De quebra, ainda levando a Supercopa da Holanda, e, numa rara ocasião em que os Ajacieden aceitaram disputar o Mundial Interclubes, também o título intercontinental, contra o Independiente-ARG.

Rep segura a taça da Copa dos Campeões: no terceiro título seguido do Ajax, ele marcou o único gol da final, se confirmando como o "galo de ouro" dos gols decisivos (Nationaal Archief/ANP)

Mesmo jogando como ponta-esquerda, num time que circulava tanto pelo campo, Rep costumava ter espaço livre para aparecer no meio da área e finalizar. Foi assim, inclusive, que criou uma fama alvissareira e ganhou um apelido: "Het Goudhaantje", o "galo de ouro", aquele que sempre aparecia para fazer gols decisivos em partidas importantes. Provas? Bem, Rep foi autor de dois gols nos 3 a 0 do Ajax sobre o Independiente, na final do Mundial Interclubes. Mais decisivo ainda: na final da Copa dos Campeões de 1972/73, lá estava ele para cabecear e fazer o único gol contra a Juventus-ITA, rendendo o tricampeonato europeu aos Amsterdammers.

A velocidade e o senso goleador já bastaram para Rep ter as primeiras chances na seleção masculina da Holanda. Como que comprovando a capacidade para fazer gols, mesmo sem ter nisso sua principal utilidade no time, ele estreou na Laranja balançando as redes em seu primeiro jogo - vitória por 3 a 2 sobre a Espanha, num amistoso em 2 de maio de 1973. E o que mostrava no Ajax também foi suficiente para o "Anjo Loiro" (outro apelido de Rep) não só ser convocado para a Copa de 1974, mas chegar a ela como titular.

Se a Holanda impressionou na Copa de 1974, Rep foi um dos principais responsáveis por isso: ninguém marcou mais gols do que ele naquela equipe - 4 (Masahide Tomikoshi)


Titularidade comprovada logo na histórica estreia da Laranja naquela campanha, os 2 a 0 sobre o Uruguai: numa atuação ofensiva como poucos estavam acostumados no mundo do futebol, Rep mostrou presença de área (previsível, para um atacante alto e magro). Mostrou coragem - era daqueles atacantes que até preferia a disputa com os zagueiros. E o mais importante de tudo: mostrou gols - foram dele as duas bolas na rede dos uruguaios. Rep marcou mais dois gols naquela campanha: um nos 4 a 1 contra a Bulgária, na fase de grupos, outro nos 4 a 0 diante da Argentina, na segunda fase daquela Copa. Jogando todos os 90 minutos de todas as sete partidas holandesas naquela histórica participação, o atacante saiu daquela Copa como um dos principais atacantes do país. Isso, sem ser o "centroavante" de preferência, vindo da ponta-esquerda para o meio, aproveitando os espaços que Johan Cruyff e Rob Rensenbrink, os outros atacantes, abriam...

Queda na Espanha, doce vida na França - e a coragem na Copa de 1978

Mas o tempo passava, a época do "Gloria Ajax" se acabava, Johan Cruyff já tinha aberto a "porta de saída" em 1973, Johan Neeskens seguiu por ela logo após a Copa de 1974... e Rep também quis uma oportunidade em outro país. Ela surgiu em 1975. Também na Espanha. Mas não seria no Barcelona, onde Cruyff era a figura central e centralizadora, secundada por Neeskens: o Valencia foi o destino do atacante. Que até teve bons números (55 jogos, 22 gols), formou um trio de ataque que fez alguma fama na torcida dos Ches (Rep era um dos "Três Mosqueteiros", com Mario Kempes e o paraguaio Carlos Díaz)... mas, nas palavras do holandês, foi a pior fase de sua carreira. Tanto que, em 1975, ele sequer fez partidas pela seleção. E em 1976, apareceu pouco pela Laranja: só três partidas - numa delas, é verdade, um gol, contra a Bélgica, nas quartas de final da Euro (cuja fase final Rep jogou pouco: só a semifinal, contra a Tchecoslováquia, na qual foi substituído aos 67').

O problema foi solucionado em 1977. Contratado pelo Bastia, Rep reabriu um filão para jogadores holandeses, sendo o primeiro de sua geração a ir se experimentar na França. De certa forma, a escolha não poderia ter sido melhor. Desde os tempos de Ajax, Rep se notabilizava como o "bad boy" da geração "Laranja Mecânica" - aliás, desde criança, como a mãe comentou numa entrevista de época ("Quando ele era jovem, já era muito diferente dos outros. Todo mundo voltava da escola andando na calçada. Johnny, não: ele voltava pulando pelos telhados. Ele sempre estava brincando fora de casa, indo se aventurar, com amigos ou sozinho"). Já como jogador, nem mesmo se casar aos 21 anos fez com que Rep escapasse de histórias, verdadeiras ou não, sobre seu gosto pela vida noturna.

Rep já gostava da boa vida desde os tempos de Ajax. Chegando à França para jogar no Bastia, se divertiu fora de campo (aqui, com a cantora Jeanne Manson) sem se esquecer de atuar bem dentro 

E a França foi território perfeito para Rep recuperar as suas duas facetas. Fora de campo, costumeiramente aparecia ao lado de mulheres - até mesmo em capas de revista, como a Onze Mondial - e aproveitava a vida em boates da Córsega, a ilha onde fica Bastia. Em campo, com seus gols, Rep levou o Bastia a uma das grandes temporadas de sua história em 1977/78. Nem tanto pelo desempenho no Campeonato Francês, mas principalmente pela chegada à final da Copa da UEFA, na qual o clube azul caiu justamente para um clube holandês, o PSV. Pelo menos, a temporada já serviu para Rep se restabelecer como bom atacante. Eleito melhor estrangeiro jogando na França em 1977/78, ele já retomara um lugar na seleção, fazendo dois gols nos três jogos em que participou, nas eliminatórias da Copa de 1978. 

Rep brilhou menos na Copa de 1978, mas alguns gols seus ajudaram a Holanda em mais um vice-campeonato (AFP)

Quando chegou o Mundial propriamente dito, Rep já era novamente titular da Holanda. Jogando mais centralizado, foi nome fundamental num momento turbulento da campanha laranja na Argentina: na fase de grupos, fez um gol salvador na derrota por 3 a 2 para a Escócia - mesmo perdendo, a Laranja foi à segunda fase, pelo melhor saldo de gols. Na estreia pela segunda fase, Rep já fez dois nos 5 a 1 neerlandeses sobre a Áustria, vitória que catapultou a equipe para rumar a mais uma final de Copa. Nela, Rep só jogou 58 minutos, mas teve pelo menos uma boa chance de balançar as redes, no primeiro tempo. No todo, mostrou a coragem de sempre. Tanto dentro de campo, sem fugir de divididas com zagueiros, como fora, ao falar abertamente depois da final da Copa: "Não sentimos falta de Cruyff. E o senhor Rensenbrink se comportou como uma galinha medrosa. Nenhum time é campeão do mundo com covardes". Tinha moral para tanto: com os três gols marcados em 1978, Rep se tornava o holandês com mais gols em Copas do Mundo - lembrando que a marca ainda é dele.

Em clubes, Rep seguiu muito bem. Teve até mais um colega holandês no Bastia: o zagueiro Wim Rijsbergen chegou para a temporada 1978/79. Todavia, com boa parte dos jogadores vice-campeões da Copa da UEFA deixando o clube da Córsega pouco a pouco, Rep também continuou seu caminho. No melhor clube da França naquele período: o Saint-Étiënne, ao qual chegou em 1979. Nos Verdes, Rep virou titular absoluto do ataque. Tendo mais atrás a dupla Michel Platini e Jean-François Larios para criar jogadas, o atacante viveu uma grande fase na carreira, coroada com o título francês em 1980/81. Fora de campo, Rep curtia a vida até a ponto de ousar na música: gravou um compacto simples, com a canção "Hey Johnny".
Se Platini (à esquerda) era o ídolo, Rep ainda era o goleador: ambos foram a dupla que simbolizou o título francês do Saint-Étienne em 1980/81 (Onze Mondial)

O bom momento vivido no Saint-Étiënne contrabalançou a decadência lenta na seleção holandesa. Já a partir de 1979, Rep perdeu espaço na Laranja. Ainda foi à Euro 1980, marcou mais um gol nela (na derrota por 3 a 2 para a Alemanha), mas a queda na fase de grupos sinalizava que a geração dos anos 1970 perdia o brilho. Em meio a problemas pessoais, incluindo exagero em álcool, Rep simbolizava muito dessa queda, mesmo ainda abaixo dos 30 anos de idade. E a derrota para a França, na última rodada das eliminatórias da Copa de 1982, tirando os neerlandeses do Mundial, foi também a última das 42 partidas de Rep pela seleção. Até poucos gols marcados (12). Mas muitos deles, decisivos.

Na volta à Holanda, mais piadas

Rep ficou no Saint-Étiënne até 1983. Com a idade chegando, fez o que boa parte dos colegas de geração fazia: voltou à Holanda, para passagens mais discretas. Mas até nelas, ele deu um jeito de se sobressair. Primeiro, no Zwolle: o atacante defendeu os "Dedos Azuis" na temporada 1983/84, junto a outro contemporâneo que estava encerrando a carreira, o goleiro Piet Schrijvers - e fazendo alguns gols: cinco, nos 32 jogos em que atuou. Depois, no Feyenoord: mesmo com toda a história no Ajax, Rep chegou ao Stadionclub em 1984. Fez parte de um grupo que terminou a Eredivisie por duas temporadas seguidas na terceira posição. 

Rep (ajoelhado) ainda teve uma passagem no Feyenoord, na reta final da carreira (Pro Shots)

Rep ainda fez brincadeiras, quando pôde. Uma delas, lembrou com bom humor ao jornalista David Winner, no livro Brilliant Orange: num jogo pelo Feyenoord, um dos bandeirinhas era John Blankenstein (1949-2006), homossexual assumido e militante. Titular no ataque, Rep teve vários impedimentos apontados. Num deles, gritou do meio do campo para Blankenstein: "Olhe aqui, Jan: se você marcar mais um impedimento meu, eu não vou pagar aquele boquete que eu te prometi no fim do jogo". O próprio Blankenstein explodiu numa gargalhada.

Enfim, em 1986, deixando o Feyenoord, Rep fez apenas mais cinco partidas no Haarlem, até encerrar a carreira, no começo de 1987. Se teve aparições em campo aqui e ali depois (era atacante na seleção master da Holanda que veio ao Brasil em 1990, sendo vice-campeã da Copa do Craque, também intitulada "Copa Zico"), Rep não chegou a seguir uma carreira de treinador, comandando apenas equipes amadoras. Mas seguiu circundando o meio do futebol - frequenta a Johan Cruyff Arena sempre que pode, por exemplo. Tem sua fama mantida nos livros (foi tema de duas biografias). E ainda mantém o ar jovial que o faz desdenhar do fato de se tornar septuagenário, conforme brincou ao ser entrevistado pelo jornal Algemeen Dagblad: "Bah, idade é só um número..."



John Nicolaas "Johnny" Rep
Data de nascimento: 25 de novembro de 1951, em Zaandam
Clubes: Ajax (1971 a 1975), Valencia-ESP (1975 a 1977), Bastia-FRA (1977 a 1979), Saint Étienne-FRA (1979 a 1983), Zwolle (1983 e 1984), Feyenoord (1984 a 1986) e Haarlem (1986 e 1987)
Seleção: 42 jogos e 12 gols, entre 1973 e 1981

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