terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Três jogos por um time

O técnico Mark Parsons está sob pressão no comando da seleção feminina da Holanda. E o Torneio da França servirá para muitas experiências - que levem a um time mais sólido (ANP)

Há pouco menos de dois anos - mais precisamente, em 4 de março de 2020 -, as seleções femininas de Brasil e Holanda se enfrentaram no Torneio da França. E a participação das Leoas Laranjas naquela competição amistosa indicou um problema: nos três empates (0 a 0 contra Brasil e Canadá, 3 a 3 contra França), viu-se um time manjado até nas fragilidades defensivas, que mostrava certa exaustão. Em suma: uma seleção que precisava mudar. Veio a pandemia, os quase dois anos se passaram, uma participação razoável no torneio olímpico, houve uma mudança de técnicos... mas a Holanda volta a um Torneio da França, e volta a estrear contra o Brasil, sabendo que continua necessitando de algumas alterações. Até porque há partidas decisivas das eliminatórias da Copa e, principalmente, uma Euro a ser disputada. E as mudanças serão praticadas justamente nos três jogos que esperam as holandesas na cidade de Caen - Brasil, nesta quarta, às 15h de Brasília; Finlândia, no próximo sábado, às 14h; e a anfitriã França, na próxima terça-feira, às 17h10.

Aqui e ali, nas convocações do ano passado, o técnico Mark Parsons já sinalizava que faria tais experiências. Deflagrou-as de modo mais ousado no amistoso contra o Japão, último jogo de 2021. E confirmou isso nestas primeiras partidas de 2022. Não só pela convocação de 27 jogadoras, mas também pelas palavras ditas no centro de treinamentos da federação, na cidade de Zeist, durante a apresentação na segunda-feira passada: "Durante este torneio, queremos construir um time, e fazer desenvolvimentos que nos ajudem em abril, nos jogos das eliminatórias da Copa, e em julho, com a Euro".

Para tanto - e para tentar consertos em setores que ainda assustam nas Leoas Laranjas, como a defesa -, Parsons pôs em prática um inegável mérito: abriu espaço às jogadoras que estão se destacando no Campeonato Holandês. No gol, Daphne van Domselaar, do Twente  que busca o bicampeonato da Vrouwen Eredivisie, e Barbara Lorsheyd, do ADO Den Haag; na lateral direita, Samantha van Diemen, se destacando no Feyenoord que surpreende bem; na zaga, Kerstin Casparij, firme no Twente; no meio-campo, Marisa Olislagers, Caitlin Dijkstra e Jill Baijings, ambas tentando mostrar talento num setor que terá lacunas; e no ataque, Romée Leuchter, talvez o grande nome do líder Ajax na atual temporada, e a estreante Esmee Brugts, do PSV, há muito tempo vista como promessa do futebol feminino holandês.

Como se não bastasse, além das mudanças já originais na convocação, o protocolo para viagens à França em tempos de COVID-19 ainda forçou quatro cortes. Três deles, de titulares absolutas dos Países Baixos: a lateral direita Lynn Wilms (que voltava às convocadas, após se recuperar de lesão lombar durante o resto de 2021, pós-Jogos Olímpicos), a lateral esquerda Dominique Janssen e a meio-campista Jill Roord - a atacante Renate Jansen também foi cortada. Pois bem: mais espaço para novatas. A jovem Janou Levels, lateral canhota do PSV; a meio-campista Kayleigh van Dooren, do Twente; e outras duas boas jogadoras do Ajax, a zagueira Chasity Grant e a atacante Lisa Doorn. Isso, sem contar ausências lamentadas e criticadas que também se destacam no Campeonato Holandês das mulheres: a goleira Jacintha Weimar, do Feyenoord, e principalmente, a atacante Fenna Kalma, goleadora da liga pelo Twente - 23 gols em 15 jogos!

Van Diemen tem causado boa impressão na lateral direita do Feyenoord. Certamente receberá chances ao longo do Torneio da França - até para ajudar a fechar os espaços da defesa (feyenoord.nl)

Parsons já prometeu vários testes ao longo do Torneio da França: "Nenhuma jogadora fará 90 minutos nos três jogos". O que pode significar tanto chances para todas as novatas citadas quanto chances para algumas mais conhecidas. Sem Roord nem Daniëlle van de Donk (esta, ainda em recuperação de cirurgia que a fará correr contra o tempo para estar na Euro), Victoria Pelova tem a grande chance de ter alguma titularidade no meio-campo. Mesmo setor onde estará Jackie Groenen, recuperada de problemas físicos - mas sem muito tempo de jogo no Manchester United. E no gol, com a capitã titular Sari van Veenendaal sob pressão pela má fase que vive (ainda mais em chutes de fora da área, no PSV e na seleção), pode haver até a volta da veterana Loes Geurts, 36 anos, que continua presente nas convocações.

Tantas experiências têm lá sua razão de ser. Uma desconfiança já seria natural contra o trabalho de Mark Parsons, ainda mais tendo como termo de comparação os marcantes quatro anos de Sarina Wiegman à frente da seleção feminina. O que se vê nas eliminatórias da Copa só aumenta a desconfiança: um time que, embora líder de seu grupo e muito perto da vaga direta no Mundial de 2023, chega a isso sem um jogo fluido em campo, como fazem outras boas seleções europeias.

Parsons sabe disso. Sabe que, apesar disso tudo, tem pilares de experiência (as citadas Van Veenendaal e Geurts, Stefanie van der Gragt, Sherida Spitse) e talento (Lieke Martens, goleadora do futebol feminino na Europa, e Vivianne Miedema, uma atacante cada vez mais completa, cada vez melhor). E o treinador anglo-americano tem metas bem claras: "Para mim, a cultura de futebol, o estilo de jogo e a liderança dentro do grupo são três pilares importantes. Queremos consegui-los e fortalecê-los rumo à Euro. Resumidamente, queremos mostrar na Inglaterra [sede da Euro] uma energia especial (...) Precisamos fazer escolhas sobre quais jogadoras convocaremos. E também queremos ver outras jogadoras, contra adversários de alto nível. Em duas das três partidas [no Torneio da França], construiremos o time que jogará em abril [eliminatórias da Copa] e na Euro, e num jogo, experimentaremos mais".

A seleção feminina da Holanda precisa disso mesmo: mudanças. Como precisava havia dois anos. E destes três jogos, será formado um time que precisará trazer resultados rapidamente, para sacudir as desconfianças que existem sobre ele.

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