Na tranquilidade da portuguesa Lagos, a Holanda entra na reta final rumo à Euro 2020 (Pro Shots) |
Como em qualquer outra competição, a seleção masculina da Holanda (Países Baixos) terá alguns amistosos de preparação antes de um grande torneio - no caso, a Euro 2020(+1). Como na Copa de 2014, os convocados da Laranja estão fazendo uma semana de treinos num resort, no balneário de Lagos, em Portugal. E como na Copa de 2014, está cada vez mais na cara: a seleção holandesa irá para a Euro jogando com cinco homens na zaga, para tentar ocultar eventuais fragilidades defensivas. A Oranje mostrará isso primeiro no amistoso desta quarta, contra a Escócia, em outra cidade portuguesa, Faro. E deverá repetir a dose na despedida de sua torcida - sim, alguns adeptos deverão ter acesso ao estádio - rumo à Euro, em Enschede (cidade do Twente), contra a Geórgia, no próximo domingo.
O técnico Frank de Boer foi bastante claro nas justificativas para a mudança tática (e para a consequente escalação de Marten de Roon), durante a entrevista coletiva desta terça: "Marten já conhece o esquema de cor e salteado, é assim que ele joga na Atalanta, toda semana. Além do mais, De Vrij também atua num esquema com três zagueiros na Internazionale. E [Daley] Blind tem a lembrança da Copa de 2014". Mais importante, no entanto, foi quando De Boer deixou os nomes de lado e falou mais nas razões do time como um todo: "Com uma só alteração, o jeito do time jogar já muda. Desse jeito, ganha-se um pouco mais de segurança. Isso é bom. E podemos continuar sendo ofensivos. Com três atacantes também somos ofensivos, mas o esquema é estático demais". De fato - e foi justamente a lentidão da Holanda que a complicou, por exemplo, contra a Turquia, nas eliminatórias da Copa de 2022.
Além do mais, Frank de Boer andou se inspirando em experiências prévias. Por exemplo, as lembranças de Bert van Marwijk, a quem o atual treinador auxiliou no vice-campeonato da Laranja na Copa de 2010. Pragmático, Van Marwijk disse certa vez: "Antes tudo era baseado em técnica e criatividade. Era lindo de ver - no boxe, com Muhammad Ali, no tênis, com John McEnroe e Bjorn Borg. Mas esse tipo de tênis e de boxe você não vê mais. O esporte evolui". Sem contar a simples lembrança do que a Holanda viveu antes da Copa de 2014. Também numa preparação em Portugal, o então técnico Louis van Gaal decidiu: sem o lesionado Kevin Strootman, teria de proteger mais a defesa. Era isso, ou correr risco de ser eliminado na fase de grupos, diante de uma Espanha que vinha de título mundial e de um Chile ascendente. A Holanda apostou nisso, teve um Arjen Robben em estado de graça... e deu no que deu: num elogiável terceiro lugar. Por tudo isso, compreendeu-se bem a provável mudança tática neerlandesa na Euro.
Nem mesmo a desconfiança faz Frank de Boer perder o sossego: o técnico da Holanda já começa a achar alternativas para a Euro (ANP) |
Outra coisa que tem facilitado os trabalhos de preparação em Lagos é o bom ambiente entre os jogadores. Não que fosse novidade, mas por enquanto, seguem os sorrisos. Capitão da seleção com a ausência de Virgil van Dijk, Georginio Wijnaldum se lembrou dos tempos duríssimos vividos entre 2014 e 2018, com a ausência das grandes competições: "É um time de amigos, de novo. Formamos uma unidade. Claro que isso sozinho não ganha jogo, mas é muito importante". Até mesmo Frank de Boer, mesmo sob pesada desconfiança, tem achado momentos de relaxamento: aproveita assistindo à série The Playbook, do Netflix. E até nisso acha maneiras de aprender sobre comando de equipes no esporte: "Lá se vê como o técnico em questão [Doc Rivers, atual comandante do Philadelphia 76ers na NBA] constrói um time. Ali se vê: só juntar as estrelas não significa nada".
O que não quer dizer que a Holanda tem passado ilesa por essa reta final de preparação para a Euro. Algumas machucaduras foram inevitáveis. Já começaram na quarta-feira passada, durante o anúncio dos 26 convocados. E Frank de Boer foi novamente o alvo principal. Primeiro, por suposta omissão no anúncio dos oito cortados na pré-convocação: Anwar El Ghazi teria sabido de sua ausência durante uma gravação de programa televisivo, e Jerry St. Juste sequer teria sido comunicado. Depois se soube que a comunicação de Frank aos dois ocorrera previamente. O erro inegável de De Boer foi numa frase na entrevista coletiva. Ao comentar a convocação de Donny van de Beek, reserva no Manchester United, ele se defendeu: "Também não é que ele tenha jogado tão pouco. Atuou por cerca de 4000 minutos na temporada". Estaria tudo bem, não fosse o fato de que o treinador confundiu os dados de Van de Beek (que só jogou 1456 minutos pelo Manchester United) com os de Davy Klaassen (este, sim, com 4000 minutos em campo pelo Ajax). Aí, as desculpas foram inevitáveis: "A entrevista de quarta não foi das minhas melhores".
Já outros problemas independeram do técnico. Por exemplo, a polêmica da vacina contra a COVID-19. Oferecida à delegação na quarta-feira passada, a maioria dos membros passou por ela - Daley Blind e o próprio Frank de Boer se vacinaram, por exemplo. Porém, soube-se depois que seis jogadores se recusaram a ser vacinados. Entre eles, Memphis Depay, Wout Weghorst e Matthijs de Ligt. Já alvo de críticas por seu comportamento em relação à pandemia (chegou a postar coisas no Instagram duvidando dela, no ano passado), Weghorst preferiu desconversar sobre o tema, ao ser perguntado se era o "antipandemia": "Pô, já começaram bem...".
A vacina contra a COVID-19 se tornou alvo de rara polêmica na Laranja - com De Ligt como bola da vez (Getty Images) |
Mas De Ligt foi o grande criticado da vez: confirmou que não tomara nem pretendia tomar a vacina. "Não é obrigatório. Penso que cada um deve ser o senhor do seu próprio corpo. Eu me contentarei em manter isolamento máximo de qualquer um que não esteja envolvido com a delegação". Foi criticado até pelo virologista Ab Osterhaus, chefe do RIVM (o instituto de saúde pública dos Países Baixos), que alertou para o exemplo que o zagueiro deveria ser. Prontamente se corrigiu, em seu perfil no Instagram: "Não entendi direito a pergunta, na hora. É lógico que sou a favor da vacina". E Frank de Boer preferiu pôr panos quentes ("Eu não senti nada, mas alguns jogadores ficaram abatidos e febris, no dia seguinte"), sem deixar de tirar o corpo fora ("Cada um sabe de si - eu me vacinei").
Problema sanitário superado em Portugal, veio o problema sanitário ocorrido na Espanha: o teste positivo de Jasper Cillessen para o coronavírus. O goleiro titular da seleção já começara a cumprir o isolamento, mas Frank de Boer preferiu não correr riscos ("Não sabemos quanto tempo vai levar para ele ficar 100% de novo. Estamos com a Euro batendo à porta, e eu quero segurança"). E Cillessen, dos raros remanescentes da Holanda num grande torneio, teve mais um capítulo de azar lamentável em sua carreira, sendo cortado. Já integrado à delegação em Portugal, como sobreaviso, Marco Bizot foi efetivado como o terceiro goleiro holandês na Euro. E Frank de Boer sinalizou: tanto Tim Krul quanto Maarten Stekelenburg terão suas chances nos amistosos contra Escócia e Geórgia. Até porque, como ele próprio afirmou, o titular do gol holandês ficou indefinido.
São os únicos pontos de interrogação, numa Holanda que se prepara com tranquilidade até aqui para a Euro 2020(+1). E que, para aumentar suas chances dentro da competição, mira-se no exemplo que já deu certo em 2014. É um ensaio geral agora, para uma antiga peça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário