sábado, 28 de abril de 2018

A última chance

O AZ teve a chance de brilhar, na final da Copa da Holanda. Perdeu, e Weghorst lamentou bastante. Agora, pode se refazer contra o Ajax (Sander Chamid/VI Images)
O principal atrativo que o Campeonato Holandês ainda poderia ter já acabou: afinal de contas, a salva de prata já foi para a sala de troféus do PSV há quase duas semanas. No entanto, entre aquelas disputas periféricas que definem uma liga europeia, ainda há algo em que se prestar atenção na penúltima rodada, com todos os nove jogos neste domingo. Afinal de contas, a disputa pelo vice-campeonato (e junto dele, uma vaga na segunda fase preliminar da Liga dos Campeões) está aberta. E tanto o Ajax, atual segundo colocado (73 pontos), quanto o AZ, na terceira posição (68 pontos), entrarão no gramado sob pressão para fazerem o jogo direto. E neste momento, a pressão é até mais pesada sobre o time que menos sofreria com ela, em tese: o AZ. 

Jogando como visitante, com a terceira posição garantida na pior das hipóteses, tendo um estilo ofensivo, vista quase unanimemente como a mais agradável de ser assistida na Eredivisie, a equipe de Alkmaar teria tudo para conseguir surpreender o Ajax e encurtar sua desvantagem para dois pontos, esperando a sorte ajudar na última rodada. A atuação na 32ª rodada foi exemplar dessas qualidades dos Alkmaarders: contra o Vitesse, o 2 a 0 foi aberto com tanta facilidade que gerou até falta de concentração – aproveitada pelo adversário, que empatou ainda no primeiro tempo. Sem problemas: o AZ chegou ao 4 a 2, depois ainda diminuído para 4 a 3. E na partida, brilhou Alireza Jahanbakhsh: com três gols, o iraniano chegou a 18, alcançando a artilharia da Eredivisie.

Com a fase esplendorosa de Alireza, outro sinônimo momentâneo de gols em Wout Weghorst (foram 16 no campeonato), mais o promissor começo de carreira de Guus Til e Teun Koopmeiners no meio-campo, as seguras atuações de Marco Bizot no gol e a ajuda de alguns coadjuvantes - Jonas Svensson e Thomas Ouwejan nas laterais, Joris van Overeem no meio-campo, Oussama Idrissi no ataque -, razões para otimismo não faltavam do lado de Alkmaar. Até porque vinha, no domingo passado, a final da Copa da Holanda, contra o Feyenoord. Oportunidade inigualável para antecipar o generoso prêmio de consolação, apagar a memória da copa perdida para o Vitesse em 2016/17 e até consertar o pior defeito da equipe na temporada: a falta de coragem contra o trio de grandes holandeses (haviam sido cinco partidas e cinco derrotas na liga – e nos 14 jogos anteriores contra Ajax, PSV e Feyenoord, 13 derrotas).

Só que nada deu certo para o AZ na decisão, em De Kuip. Entrando com três zagueiros (o começo foi no 5-3-2), o time buscava proteger sua defesa potencializando os seus dois grandes destaques neste 2017/18, com Alireza e Weghorst no ataque. O começo até foi equilibrado, mas depois a equipe foi irreconhecível: viu o Feyenoord se assenhorar do jogo em casa, fazendo 3 a 0 quase sem resistência para ganhar a Copa da Holanda. Alireza e Weghorst foram totalmente anulados, o Stadionclub dominou as ações (graças às boas atuações de Karim El Ahmadi, Steven Berghuis e Robin van Persie), e poucas coisas simbolizaram mais o tamanho da decepção do AZ do que a imagem de Weghorst, desalentado, assistindo à festa do Feyenoord no pódio, para receber o troféu.

E o atacante reconheceu o quanto seu time ficou devendo, numa ocasião em que estava proibido de fazer isso: “Não fizemos o que sabemos fazer tão bem, mostramos pouquíssimo. Vale para todos: não fomos bons o bastante”. Crítica ainda mais precisa veio do técnico John van den Brom: “Perder nunca é legal, ainda mais numa final. Mas como treinador, me importa ainda mais a maneira como perdemos. Poderíamos ter ido muito melhor, e havíamos mostrado isso nos jogos das semanas anteriores. Espera-se ver isso numa decisão, mas muitos jogadores atuaram abaixo de suas médias”.  Pior: após lesão sofrida em treino nesta sexta, Weghorst está fora do jogo.

De todo modo, dias depois, o ânimo de Van den Brom já estava restabelecido, pelo que falou nesta quinta: “Acho que um jogador precisa aparecer de verdade em partidas como a de domingo passado. E não estamos fazendo muito isso. Agora, temos outro bom desafio pela frente: fora de casa, contra o Ajax. Se quisermos o vice-campeonato, temos de vencer”. Até porque, apesar dos penosos pesares, o AZ ainda não tem a situação tão problemática quanto a do Ajax.

A pressão sobre Ziyech se avoluma cada vez mais neste turbulento fim de temporada do Ajax (ANP/Pro Shots)
E os problemas se mostraram aos Ajacieden horas após a partida decisiva da Eredivisie, com jogo e título inquestionavelmente perdidos para o PSV. Bastou o ônibus que levava os jogadores chegar à (então) Amsterdam Arena para acontecer uma cena digna do que se vê vez por outra no Brasil: um grupo de torcedores impedir a passagem do transporte, exigindo que os jogadores descessem para uma conversa nada amistosa. Tanto que o ainda jovem Matthijs de Ligt assumiu: “Num certo momento, foi assustador”. Coube a um grupo de atletas – incluindo Justin Kluivert, Hakim Ziyech e o capitão Joël Veltman – descer para ouvir o que os torcedores tinham a dizer. Falou-se até num leve empurrão de um dos adeptos a Ziyech, mas a conversa foi mais tensa do que propriamente violenta. 

Já em sua casa, o diretor geral Edwin van der Sar tomou às pressas o caminho de Amsterdã para estar na conversa improvisada – até porque um dos pedidos dos torcedores era pela sua saída do cargo. Outra reclamação foi pelo comportamento de Ziyech em campo: se, tecnicamente, o marroquino é um dos melhores e mais capazes jogadores do Ajax nesta temporada, não faltam críticas a seus supostos pouco caso e arrogância quando é criticado (ao comemorar um gol de falta contra o NAC Breda, Ziyech nem comemorou: fez o sinal de “fala muito”, semelhante ao de Tite na semifinal do Campeonato Paulista de 2011).

Para piorar, ainda após o jogo contra o PSV, o goleiro André Onana não fez segredo algum à versão holandesa do site Goal.com: “Posso até ficar e tentar o título [holandês] no ano que vem, mas se surgir algo melhor para mim, quero sair. Estou pronto para o próximo passo na minha carreira”. Onana ainda foi além nas críticas, minorando a parcela de culpa do técnico Erik ten Hag: “Ele não é o único culpado. Há Van der Sar, há Overmars... quem está envolvido com este time tem um pouco de culpa por estarmos jogando tão mal”.

Entretanto, mesmo com apenas quatro meses, o trabalho de Ten Hag já recebe críticas pesadas, pela inconstância, pela indefinição nas escalações e pela falta de coragem ofensiva. O jornal De Telegraaf até revelou: não só as críticas são abertas da parte de alguns jogadores, como De Ligt, cobiçado por muitos graúdos Europa afora, ouviu deles o conselho de deixar o Ajax tão logo seja possível. 

Antes do jogo contra o VVV-Venlo, na semana passada, pela 32ª rodada, Van der Sar foi definitivo: “Eu continuarei como diretor geral, e Ten Hag continuará como treinador”. A crise parecia ganhar contornos incendiários no primeiro tempo, com o VVV abrindo o placar e o rompimento do ligamento cruzado anterior do joelho de Veltman (fora pelos próximos nove meses). Ziyech era alvo de controvérsias nas arquibancadas: parte da torcida o vaiou, parte da torcida criticou as vaias. Coube a David Neres minorar a pressão, virando o jogo para 2 a 1 e se destacando no segundo tempo, quando o Ajax rumou para o 4 a 1 que evitou momentos ainda piores. Ziyech, com ambiente cada vez mais controverso perante a torcida, deu de ombros para as discussões sobre seu nome: “Só ouvi aplausos. Não ouvi o resto, nem me importo com isso durante o jogo, nem quero saber sobre o assunto neste momento”.

Os dias entre a 32ª e a 33ª rodadas conseguiram baixar um pouco a fervura que o Ajax vive. Só que, na entrevista coletiva com as perspectivas contra o AZ, Ten Hag lembrou outro problema potencial: a renovação de contrato de Justin Kluivert, cujo compromisso expira no meio do ano. O próprio deseja sair, mais cedo ou mais tarde, mas fazê-lo agora é algo cada vez menos recomendado por outros. O técnico apenas espera: “Gostaríamos muito que ele não saísse. Até porque, teoricamente, ainda é da nossa equipe de juniores”.

Entre virtuais saídas (De Ligt, Ziyech, Kluivert) e virtuais chegadas (Hassane Bandé, já treinando com a equipe, e Lisandro Magallán), o Ajax procurará ganhar um respiro, com a vitória sobre o AZ, para garantir o vice-campeonato. É sua parte, neste jogo em que as duas equipes virão sabendo que jogam a última chance de alívio sobre o gramado da Johan Cruyff Arena – desde quarta-feira, o nome do estádio de Amsterdã.

(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 27 de abril de 2018)

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