Luuk de Jong, Hendrix e Lozano já sabiam: a esfuziante virada sobre o AZ deixou o PSV perto de ganhar o título no clássico contra o Ajax, para confirmar a virada (Tom Bode/VI Images) |
E os Boeren só chegaram à situação atual – liderança absolutamente confortável no Campeonato Holandês, com sete pontos de vantagem em relação ao Ajax – porque a equipe soube aguentar o solavanco e se acertar com as mudanças decorrentes dele. Por nível técnico (como no caso das quedas de Luuk de Jong e Gastón Pereiro) ou por necessidade (no caso das saídas de Andrés Guardado e Davy Pröpper), o treinador Phillip Cocu precisou fazer o time voltar a jogar como dera certo, no bicampeonato de 2015 e 2016: cuidar coletivamente da defesa, apostando em rápidos contra-ataques.
Demorou um pouco para que tais medidas dessem certo. Mesmo com um primeiro turno quase perfeito (só duas derrotas em dezessete jogos), o time ainda mostrava fragilidades. Ao mesmo tempo, engrenava paulatinamente no campeonato. Para isso colaboravam as ótimas atuações de Santiago Arias, na lateral direita; a melhor fase que Jürgen Locadia viveu na carreira, enfim tendo a oportunidade para ser goleador; e a fulgurante aparição de Hirving Lozano, desde o começo da temporada provando merecer cada centavo gasto para trazê-lo após disputa com clubes cujas propostas eram até maiores. E algumas vitórias obtidas nos minutos finais davam motivação extra, ao revelarem como este PSV nunca, jamais, em tempo algum desistia da vitória.
A intertemporada no início deste ano mostrou: as falhas podiam até ser individuais, mas a força coletiva dos Boeren as compensava plenamente. Locadia foi liberado para o Brighton sem dramas: afinal, tanto Luuk de Jong já parecia mais tranquilo para retomar seu posto de “homem-gol” quanto os novatos já estavam a postos para colaborar (nas figuras de Sam Lammers, Albert Gudmundsson e Mauro Júnior, todos aprovados na Florida Cup). A mesma coisa ocorria na marcação, com oriundos dos times de baixo enfim sendo mais utilizados no time de cima – casos de Pablo Rosario e Armando Obispo, ora na zaga, ora no meio-campo.
Nem sempre dava certo, claro. Periodicamente o PSV recebia e recebe críticas, por seu estilo altamente recuado – e às vezes até as mereceu, como na derrota por 3 a 0 para o Ajax, ainda no primeiro turno. Sem contar as falhas renitentes da defesa, só compensadas pelas atuações que têm feito de Jeroen Zoet o melhor goleiro da Eredivisie. Tudo isso ficou muito claro numa mancha que a campanha sempre haverá de ter: os 5 a 0 do Willem II fora de casa, há quatro rodadas. Só que a garra, o entrosamento que se formou, a vontade de provar alguma coisa superou todos esses percalços. Tudo isso exemplificado na rodada passada: perdendo por 2 a 0 para o AZ, fora de casa, já na etapa final, o PSV foi atrás e conseguiu a virada para 3 a 2, que o colocou diante de um cenário apoteótico, como preconizou Luuk de Jong, 11 gols no campeonato, símbolo da reação na temporada: “Fechar a questão contra o Ajax, em casa, naturalmente é o cenário dos sonhos”.
Mas se o PSV confiará no poder coletivo para que seus destaques se sobressaiam – Marco van Ginkel, Lozano, Luuk de Jong – e rendam mais uma Eredivisieschaal, o Ajax terá de apostar no cenário inverso. Numa temporada que começou e está terminando caótica, cada vez mais os Amsterdammers têm uma sensação: só o talento individual poderá evitar a derrota e a perda do título no clássico a ser realizado no Philips Stadion. Porque é exatamente este talento que evitou a perda mais precoce do título.
Esbanjando cada vez mais técnica, Ziyech é uma das únicas e últimas esperanças do Ajax para ainda tentar o título (René Bouwman) |
Também por fatores externos variados – como o drama de Abdelhak “Appie” Nouri, ou a inesperada inconstância no banco de reservas, graças à briga que levou à saída de Peter Bosz e o mau trabalho de Marcel Keizer -, os Ajacieden tiveram uma temporada para se esquecer. Nem mesmo a torcida parece entusiasmada com as chances de título que ainda restam. E não há como culpá-la: vindo a partir do returno, o técnico Erik ten Hag dá a impressão de que só em 2018/19 poderá fazer um time à sua imagem e semelhança, como fez no Utrecht. Por enquanto, parece apenas fazer o que pode, evitando maiores danos. Nem sempre consegue. A defesa do Ajax mostra muito mais fragilidade do que na temporada passada, como provou a derrota para o Vitesse (3 a 2, há cinco rodadas) e o fato de também há cinco rodadas o clube sempre sair vazado de campo.
As vitórias, embora aconteçam, chegam até a surpreender. Foi o caso da virada para o 2 a 1 sobre o Groningen, há dois finais de semana: os Amsterdammers saíram atrás, tiveram um pênalti contrário, foram piores tecnicamente, mas chegaram aos gols em contra-ataques, no segundo tempo – um deles, aos 43 minutos. E mesmo quando se consegue o triunfo, ele surge a muito custo, pela dificuldade que o ataque tem para superar defesas fechadas. Foi assim na rodada anterior, com o 1 a 0 sobre o Heracles Almelo. Somente Erik ten Hag ainda mantém alguma esperança ("Precisamos frustrar aquela festa [do PSV], e faremos isso", prometeu o técnico na entrevista coletiva). Então, como o Ajax ainda consegue vencer? Por causa do talento de seus jogadores para definir resultados adversos e buscar viradas (foram oito vezes nesta temporada em que o time precisou mudar um resultado adverso no Campeonato Holandês).
Talento personificado em Hakim Ziyech: cada vez melhor no meio-campo, líder de passes para gol na temporada (13), o marroquino é o mais regular jogador do clube da estação Bijlmer Arena, e parece já ter atingido aquele status em que se é grande demais para a Eredivisie. O mesmo acontece com Matthijs de Ligt, talvez o único ponto de segurança em uma zaga que tem sofrido ultimamente – embora se deva destacar o crescimento de produção de André Onana, no gol. No ataque, se David Neres anda mais coletivo e menos brilhante do que no primeiro turno, Justin Kluivert enfim aproveita a chance que tem, mostrando regularidade e destaque, parecendo querer provar seu desejo quase declarado: uma transferência para o exterior. Ainda há a capacidade técnica de Donny van de Beek, auxiliando bem no meio-campo. Por último, mas não menos importante, a experiência de Klaas-Jan Huntelaar, fazendo aquilo para o que foi contratado: gols (12 – é o goleador do Ajax na Eredivisie). E Lasse Schöne, sempre perigoso nas cobranças de falta.
O PSV aprendeu sua lição, baseado no coletivo. O Ajax aposta na qualidade individual para surpreender, manter as remotas esperanças de título e salvar a temporada. O cenário está colocado para se ver o que acontecerá no clássico que finalizará a 31ª rodada – e pode finalizar a Eredivisie.
(Coluna originalmente publicada na Trivela, em 15 de abril de 2018)
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