sábado, 30 de julho de 2022

A Holanda nas Copas masculinas: 1938 - Queda previsível

Se houvera expectativa frustrada antes de 1934, a Holanda já entrou na Copa de 1938 achando que não duraria muito. Embora tenha se esforçado bastante, de fato caiu para a Tchecoslováquia. E dali mergulhou no ostracismo (Arquivo)

De certa forma, a situação da seleção da Holanda não se alterou muito entre a Copa de 1934, primeira participação da Laranja num Mundial, e 1938, quando ela estaria de novo numa edição do torneio. Na federação dos Países Baixos, o presidente podia ser ainda Dirk van Prooije (1881-1942), que comandou a KNVB entre 1930 e 1942, mas o diretor Karel Lotsy continuava tendo tanta ou mais autoridade na entidade (até demais, costumeiramente). Se a situação não mudou fora de campo, teve uma leve alteração nele - para pior. Com azar logo no começo daquela Copa, sem causar a expectativa levemente positiva que atraíra quatro anos antes, a Holanda também foi eliminada rapidamente.

Houve um outro fator a prejudicar a seleção dos Países Baixos: o apego excessivo de Karel Lotsy ao amadorismo, regime que o futebol do país ainda seguia. Se algum dos jogadores da Laranja - ou mesmo atuando em qualquer clube do futebol neerlandês - se interessasse em ganhar dinheiro ao praticar a modalidade, seria prontamente barrado da equipe nacional pelo diretor de seleções. Foi o que aconteceu com um dos principais destaques holandeses para a Copa de 1934: o atacante "Beb" Bakhuys. Em 1937, Bakhuys aceitou a proposta do Metz, da França - país que já adotara o profissionalismo no esporte. Bastou: aquele também foi o último ano em que jogou pela seleção holandesa. Tudo pela proibição imposta por Lotsy sobre profissionais na Holanda.

A não ser pelo afastamento de Bakhuys, porém, o cenário na seleção mudara pouco. A começar pelo técnico: muito próximo a Karel Lotsy, o inglês Robert "Bob" Glendenning (1888-1940) seguia treinando a Holanda - aliás, comandando a equipe desde 1923, tal proximidade com a federação faria de Glendenning o técnico que mais treinou a Laranja em todos os tempos: 87 partidas, recorde que dura até hoje, quase cem anos depois. No campo, os destaques liderados por Glendenning eram muito semelhantes aos da Copa de 1934: Wim van Anderiesen e Puck van Heel no meio-campo, cuja experiência se somava à juventude ainda mantida por "Leen" Vente e "Kick" Smit no ataque - que possuiria ainda duas novidades.

Bob Glendenning foi um técnico marcante nos primeiros tempos da seleção da Holanda. De certa forma, continua sendo, por seu recorde que ainda vige (Arquivo Nacional)

Nas eliminatórias, o caminho da Holanda ficaria mais fácil do que se supunha. A princípio, haveria um triangular regional com Bélgica e Luxemburgo: três nações disputando uma vaga. Poderia ser dramático, mas com a desistência de vários países da América do Sul em tentar jogar a Copa, uma vaga adicional que "sobrou" dos sul-americanos foi destinada ao grupo 9 da qualificação europeia, que teria o triangular do Benelux. Desde aquela época, Holanda e Bélgica já tinham seleções francamente superiores a Luxemburgo. E com três seleções para (agora) duas vagas, era fácil imaginar quais equipes iriam à Copa. No caso da Holanda, bastou vencer Luxemburgo (4 a 0 em De Kuip/Roterdã, em 28 de novembro de 1937) para garantir lugar no Mundial. Em 3 de abril de 1938, apenas cumprindo tabela, um empate (1 a 1) com a Bélgica, também assegurada entre as 16 seleções classificadas.

Como preparação antes da viagem à França, um amistoso com derrota (3 a 1 para a Escócia, em Amsterdã, no dia 21 de maio de 1938). E daquela vez, a expectativa já baixa da torcida em sua seleção ficou ainda mais abalada pelo mau destino no sorteio. Numa Copa outra vez disputada com "mata-mata" desde o começo, caberia à Holanda enfrentar a Tchecoslováquia, vice-campeã mundial em 1934, com uma brilhante e experiente geração de jogadores: o goleiro Frantisek Planicka, o zagueiro Ferdinand "Fernando" Daucik, o meia Vlastimil Kopecky, o atacante Oldrich Nejedly. 

Não deu outra: a queda previsível aconteceu no Estádio Municipal de Le Havre, em 5 de junho de 1938. Se serve de consolo, a Holanda (que tinha o mais jovem - Bertus de Harder, 18 anos - e o mais velho - Wim Anderiesen, 34 anos - jogadores daquela Copa) se esforçou demais. Conteve os tchecos durante todo o tempo normal, conseguindo alcançar a prorrogação. Porém, já na reta final dos 90 minutos, o meia "Freek" van der Veen torceu o tornozelo, e precisou sair do jogo. Com dez em campo, numa época em que ainda não havia substituições no futebol, a Laranja sucumbiu na prorrogação: Josef Kostalek fez aos 96', Nejedly marcou aos 102', Josef Zeman completou aos 104', Tchecoslováquia 3 a 0, classificada para as quartas de final - nas quais seria eliminada pelo Brasil.

Pelo menos, aquele mês de junho terminou com um momento curioso na história da seleção da Holanda: um amistoso não-oficial, em 26 de junho. Explique-se: a região onde atualmente se localiza a Indonésia era colonizada na época pelo Reino dos Países Baixos - tratavam-se das Índias Holandesas Orientais (onde, aliás, havia nascido o citado "Beb" Bakhuys), que... também haviam jogado a Copa de 1938 - e também tinham sido eliminadas logo na estreia, goleadas pela Hungria (6 a 0). Porém, pelo território ser considerado "parte do reino", o amistoso com a seleção índica não entrou nas estatísticas oficiais. E o 9 a 2 da Holanda na sua colônia distante virou apenas uma memória distante.

Como virariam memórias distantes as próprias participações da Holanda nas Copas de 1934 e 1938. No ano seguinte, começaria a Segunda Guerra Mundial. Os Países Baixos sofreriam barbaramente, em muitos casos. Em outros, haveria colaboração com o Eixo nazifascista (a começar pela relação - contestada aqui e ali - de Karel Lotsy, o todo-poderoso presidente da federação, com os nazistas). De todo modo, o caráter amador que persistiu por muito tempo retardou bastante o desenvolvimento da Holanda. Craques como os atacantes Faas Wilkes e Abe Lenstra nunca passariam nem perto de uma Copa do Mundo. E o Reino dos Países Baixos era, para todos os efeitos, uma nação de segundo/terceiro escalão no futebol masculino.

Até a sua volta a uma Copa do Mundo, 36 anos depois. Quase uma "reestreia". Que seria antológica.

Os convocados da Holanda para a Copa de 1938

Goleiros
Adri van Male (Feyenoord) - 1 jogo
Niek Michel (VSV Velsen) - não jogou

Zagueiros
Mauk Weber (ADO Den Haag) - 1 jogo
Bertus Caldenhove (DWS Amsterdam) - 1 jogo
Dick Been (Ajax) - não jogou
Hendrikus Plenter (Be Quick 1887) - não jogou

Meio-campistas
Wim Anderiesen (Ajax) - 1 jogo
Puck van Heel (Feyenoord) - 1 jogo
Bas Paauwe (Feyenoord) - 1 jogo
Frans Hogenbirk (Be Quick 1887) - não jogou
René Pijpers (RFC Roermond) - não jogou

Atacantes
Frank Wels (Unitas) - 1 jogo
Leen Vente (Feyenoord) - 1 jogo
Kick Smit (HFC Haarlem) - 1 jogo
Bertus de Harder (VUC Den Haag) - 1 jogo
Frans "Freek" van der Veen (Heracles Almelo) - 1 jogo
Arie de Winter (HFC Haarlem) - não jogou
Daaf Drok (RFC Rotterdam) - não jogou
Klaas Ooms (DWB) - não jogou
Piet de Boer (KFC) - não jogou
Piet Punt (DFC Dordrecht) - não jogou
Henk van Spaandonck (Neptunus) - não jogou

Técnico: Bob Glendenning


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