domingo, 2 de maio de 2021

A análise do campeão: fato confirmado

O Ajax já começou o Campeonato Holandês como favorito. Teve algumas dificuldades no caminho, mas as superou - e comprovou o favoritismo: mais um título (Soccrates/Getty Images)

Quando o Campeonato Holandês desta temporada 2020/21 estava para começar, este blog fez o guia da temporada. E o texto de apresentação tinha um mote: "Certas coisas nunca mudam". Claro, a pandemia de COVID-19 transformou o mundo num emaranhado de incertezas, que continuarão aí por muito tempo. Ainda assim, já era previsível que o Ajax seria o principal favorito ao título da Eredivisie, como vinha sendo nas temporadas anteriores. Pois bem: após um começo com certas inconstâncias, o time de Amsterdã se estabilizou na metade da temporada. E foi exatamente a estabilidade que o catalisou para o 35º título holandês de sua história, confirmando a expectativa: atualmente, nos Países Baixos, os rivais estão incapazes de fazerem frente à superioridade do clube da Johan Cruyff Arena.

É verdade que as saídas de Donny van de Beek e Hakim Ziyech eram solavancos, deixando definitivamente os sonhos da temporada 2018/19 como boas lembranças. E mesmo que já chegassem como nomes altamente promissores, Antony e Mohammed Kudus não passavam disso: promessas. Mais importante prometia ser a chegada de Davy Klaassen: a tentação de voltar ao clube que lhe viu nascer e crescer no futebol (e que tem mais possibilidades esportivas, atualmente) foi maior do que o desejo de permanência no Werder Bremen. Ou mesmo a permanência de Dusan Tadic, aquele de quem a torcida Ajacied já se acostumou a esperar o melhor possível.

Todavia, existiam coisas a serem consolidadas na equipe de Amsterdã quando o Campeonato Holandês começava. A atuação na estreia - 1 a 0 contra o Sparta Rotterdam, fora de casa - deixou essas duas coisas claras: a qualidade elogiável dos contratados (Antony foi o autor do gol) e a fragilidade defensiva (Nicolás Tagliafico foi expulso naquela primeira rodada). E se houvesse qualquer dúvida sobre isso, ela foi apagada num daqueles jogos-chave de uma temporada: o 2 a 1 no Vitesse, já na terceira rodada. Mesmo na Johan Cruyff Arena, o Ajax teve seríssimas dificuldades, aumentadas pela expulsão de Edson Álvarez - àquela altura, o mexicano destoava seriamente no meio-campo, sem definir seu posicionamento, enfraquecendo a marcação. A vitória só veio pelo poder de decisão de Antony, que começava fulgurante sua passagem pelo clube. Quando a primeira derrota veio (para o Groningen, por 1 a 0, na rodada seguinte ao triunfo contra o Vitesse), foi até previsível.

Pelo menos, de um modo ou de outro, o Ajax seguia se mantendo próximo à liderança. A partir da sexta rodada, já a tomou para não mais perdê-la - se não em pontos, num saldo de gols que se tornou inigualável, pela maior goleada dos 65 anos de profissionalismo no Campeonato Holandês: os 13 a 0 no VVV-Venlo (nos quais Lassina Traoré despontou como revelação, com quatro gols feitos). A façanha deu início a um momento mais sólido: quatro vitórias seguidas, sem gols sofridos, com duas goleadas por 5 a 0, contra Emmen e Heracles Almelo. Porém, logo veio um baque para lembrar que o Ajax ainda não estava equilibrado: a derrota para o Twente, em plena Johan Cruyff Arena (2 a 1, na 11ª rodada), mostrou que a defesa ainda sofria com adversários rápidos. A ineficiência do ataque também irritou a torcida, no empate contra o Willem II que fechou 2020 - 1 a 1, na 14ª rodada.

De fato, era algo temerário para os objetivos do Ajax, com a aproximação do "Super Janeiro", trazendo uma sequência de clássicos que definiria de vez os destinos de quem buscava coisas sérias no Campeonato Holandês. No primeiro desses clássicos - contra o PSV, em Amsterdã, pela 15ª rodada, em 10 de janeiro - o começo foi o pior possível para os Ajacieden: os rivais de Eindhoven pressionaram, Eran Zahavi fez dois gols, e o 2 a 0 poderia ser de consequências preocupantes. Mas no fim do primeiro tempo, um gol de Quincy Promes assentou as coisas. E no segundo tempo, os Godenzonen foram firmes no ataque: não cessaram a pressão sobre o PSV, até que Antony empatasse. O que poderia ser uma derrota pesada, que aumentaria desconfianças de torcida e imprensa, virou um empate aceitável.

O clássico contra o PSV definiria os rumos do Ajax na Eredivisie. Começou pessimamente, com os rivais de Eindhoven na frente. Mas o Ajax se recuperou, empatou - e virou uma máquina de regularidade na liga, dali por diante (Laurens Lindhout/Soccrates/Getty Images)

Foi a partir da resiliência mostrada nesse 2 a 2 do clássico que o Ajax se catapultou de vez para o título. Superou todo e qualquer problema que aparecesse. O reforço Sébastien Haller ficou de fora da Liga Europa, por uma falha inacreditável no organograma interno? Pois o franco-marfinense teve sua ajuda no Campeonato Holandês, fazendo alguns gols importantes e decisivos (como o do 1 a 0 no RKC Waalwijk, na 29ª rodada) para suprir a perda de Klaas-Jan Huntelaar. A suspensão de André Onana - um ano, por uso de substância proibida - pegou todos de surpresa? Pois não pegou Maarten Stekelenburg: outro velho conhecido, nascido e criado futebolisticamente no Ajax, cumpriu exatamente o que se esperava com sua contratação - tornou-se o goleiro titular e mostrou segurança. Edson Álvarez decepcionava no meio-campo? Pois o mexicano se motivou com a vinda da família para acompanhá-lo em Amsterdã, e cresceu de produção na reta final. Perr Schuurs seguia inconstante na zaga? Jurriën Timber estava a postos para assumir a posição e não largá-la mais. Noussair Mazraoui se machucou seriamente? Devyne Rensch foi outro jovem a estar pronto para assumir a tarefa e cumpri-la bem na lateral direita.

Paralelamente, havia as fontes de confiança de sempre. No meio-campo, Ryan Gravenberch e Klaassen formavam uma dupla cada vez mais entrosada no meio-campo, capaz de comandar o recuo para marcar e de se alternar à perfeição nas ajudas ao ataque. Por falar nele, Tadic seguiu confiável. Se Antony caiu um pouco de produção, David Neres subiu: o paulistano do bairro de Pirituba superou as insistentes lesões, e foi crescendo gradativamente de produção. Tudo isso fez do Ajax uma máquina de regularidade, justamente no momento mais importante do Campeonato Holandês. Clássico com o Feyenoord sempre traz algum temor, por mais prejudicado que o arquirrival esteja? Pois bem: no 1 a 0 da 17ª rodada, o Ajax atacou até pouco, mas não correu riscos. O AZ poderia assustar? Pois bem: 3 a 0 em Alkmaar, na 20ª rodada, só para não deixar dúvidas sobre qual era o maior time. O time estava pior do que o PSV, no outro clássico da 24ª rodada, em Eindhoven? Um pênalti surgiu nos acréscimos, e Tadic fez o 1 a 1 que garantiu um ponto valioso. 

Todos os citados no parágrafo anterior eram potenciais adversários na disputa do título. Todos abatidos, de um jeito ou de outro. Afinal, contra os times médios e pequenos, o Ajax fazia o que era praticamente sua obrigação: vencia com facilidade, maior (5 a 0 no ADO Den Haag, na 27ª rodada) ou menor (2 a 1 no Heerenveen, na 28ª rodada). Por tudo isso, há pelo menos umas três rodadas, já se preparava para comemorar o título, afinal garantido com os 4 a 0 do Emmen neste domingo. Porque o fato está confirmado: certas coisas nunca mudam. Com ou sem pandemia, o Ajax é o mais confiável time da Holanda na atualidade. E nada indica que isso mude, a curto prazo. A torcida que aproveite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário