Desde a demissão do Manchester United, em 2016, Louis van Gaal vivia tranquilo, de certa forma. Cumpria a promessa feita à esposa Truus van Gaal, companheira fiel há 13 anos: diminuiria o ritmo de trabalho, daria mais tempo de convivência a ela, curtiria com Truus a casa onde vivem, no Algarve, região de balneário em Portugal. Até mesmo indicou que, sim, o clube inglês tinha sido seu último trabalho. Mas sempre deixava uma porta entreaberta para voltar a treinar. Ainda mais se fosse treinar uma seleção. Pois bem, por desacertos do destino e desorganizações da federação dos Países Baixos, a chance reapareceu. E Van Gaal aceitou voltar a comandar a seleção masculina de seu país natal, pela terceira vez, para desempatar um cenário que incluiu a péssima primeira passagem e a ótima volta. Tudo para tentar realizar um sonho, o maior sonho de sua carreira: fazer da Laranja uma seleção campeã mundial.
A bem da verdade, Louis tinha esse sonho de fazer dos Países Baixos uma equipe nacional campeã desde sua primeira passagem pelo comando, a partir de 2000. Ali, tinha até mais respaldo: vinha das marcantes passagens por Ajax e Barcelona, comandaria uma geração na qual muitos destaques (Edwin van der Sar, Frank e Ronald de Boer, Edgar Davids, Clarence Seedorf, Marc Overmars....) haviam começado sob ele nos Ajacieden, enfim, parecia o técnico certo na hora certa. Mais: Van Gaal parecia ter carta branca para comandar os destinos do futebol neerlandês - a ponto de criar um plano de ação para todas as seleções masculinas, que deveria ser posto em prática, com a intenção de fazer a Laranja furar a barreira que nunca furou. A tal ponto que ele mesmo, Van Gaal, foi o técnico da equipe que foi ao Mundial sub-20 em 2001.
Tanto domínio era perigoso demais nas mãos de alguém que sempre se definiu como "arrogante e dominador, mas também compreensivo". E deu muito errado. Van Gaal não notara: a geração que era novata sob ele no Ajax já estava em clubes de centros mais competitivos, já tinha experiência, já não aceitava mais certas ordens tão docilmente. Sua inflexibilidade contra um grupo de jogadores que se sentia acuado (havia até reclamações sobre seguranças contratados) foi uma das razões que fez a Holanda fracassar nas eliminatórias da Copa de 2002 - ausência mais comentada aqui neste link.
A dor do fracasso na primeira passagem, em 2000 e 2002 (Reprodução) |
Só o fato de sua demissão, ainda em 2001, ter se dado numa entrevista coletiva que mostrou Van Gaal com os olhos marejados indicava o quanto o nativo de Amsterdã desejava fazer da Holanda uma seleção mundial, talvez como nunca tenha desejado fazer qualquer outra coisa dentro do futebol. Mas ainda era imaturo demais para tanto. O tempo passou. Van Gaal teve mais experiências. Reconstruiu sua carreira com as ótimas passagens por AZ (fazer de um clube médio campeão holandês é sempre um feito) e Bayern de Munique (em que pese um fim turbulento). E a fada madrinha do destino lhe deu a segunda chance: à disposição após o vexame laranja na Euro 2012, Van Gaal era, de novo, o nome mais apropriado.
E aí, quase deu certo. É unânime entre jornalistas: o Van Gaal excessivamente autoritário da primeira passagem foi mais adequado na segunda. Queria controle total, sim. Mas sabia ouvir os jogadores, sabia ser mais maleável aos desejos deles, sabia ser mais paciente. Até porque a maioria dos convocados para a Laranja entre 2012 e 2014 teve sua primeira chance na seleção principal pelas mãos dele (só para citar três: Jasper Cillessen, Daley Blind e Memphis Depay). De quebra, Louis sabia ser firme com os mais experientes, sem desrespeitá-los. Basta citar que, antes da Copa de 2014, deu um ultimato a Wesley Sneijder: ou ele melhorava sua forma física, ou corria risco até de perder lugar entre os titulares na seleção. Sneijder chegou perfeitamente preparado à reta final dos treinos para aquela Copa - e foi elogiado pelo técnico.
Em 2014, mais maleável sem perder o comando jamais, Van Gaal fez trabalho altamente elogiável com a Laranja (Getty Images) |
O respeito que tinha dos mais velhos e o comando adequado que tinha sobre os mais jovens fez com que Van Gaal tivesse mais êxito até para mudanças drásticas e emergenciais, como a que fez pouco antes daquele Mundial há sete anos: colocar a Holanda jogando com três zagueiros. Era necessário, diante da lesão no joelho que tiraria Kevin Strootman da Copa (e diante de um grupo que tinha uma Espanha ainda campeã do mundo e um Chile com uma geração no auge). O técnico foi firme aos 23 convocados, sem exagerar na autoridade: ou aquilo era testado, ou a Laranja teria estadia curta no Brasil. Os jogadores tiveram boa vontade. Van Gaal foi reconhecido por todos como um treinador de comando adequado (duro sem ser autoritário, tolerante sem ser frouxo). Houve a sorte do time ter se entrosado rapidamente - e de Arjen Robben ter tido na Copa algumas das melhores atuações de sua carreira. E a Holanda voltou para casa com um terceiro lugar surpreendente e aplaudido.
De lá para cá, as duas partes tiveram um caminho errante. Van Gaal teve no Manchester United uma passagem como outras tantas em sua carreira: começou bem, mas seus personalismos o fizeram terminar mal. A seleção masculina da Holanda dispensa descrições mais profundas de seus descaminhos: a defasagem de Guus Hiddink e a inexperiência de Danny Blind nas eliminatórias da Euro 2016, um Dick Advocaat resultadista para tentar a vaga na Copa de 2018 (chegou tarde demais), um trabalho consistente de Ronald Koeman que só foi interrompido pela terceira sondagem do Barcelona, sempre o sonho da carreira de Koeman; e o voto de confiança dado a Frank de Boer, que não fez jus a ele - quando a Laranja se viu em situação difícil na Euro 2020(+1), desmoronou.
Simultânea e espertamente, Van Gaal sempre se dizia afastado do futebol sem fechar a porta de vez. Entre a saída de Koeman e a vinda de Frank de Boer, chegou a ser sondado pela federação para a volta - até pensou em nomes para a comissão técnica, mas o temor sobre a dominação que faz questão de exercer o afastou do cargo. Agora, a federação não tinha alternativa. Louis foi escolhido o melhor treinador holandês de todos os tempos, empatado com Rinus Michels, em edição da revista Voetbal International. Ele se envaidecia da receptividade do público (celebrou ao L'Équipe:"Quando Koeman saiu para o Barcelona, as pesquisas de opinião davam 30% para o meu nome. Agora, dão 80%"). Dava declarações mais ousadas sobre o que via de errado ou certo na Laranja (ao entregar um prêmio a Sarina Wiegman, criticou a falta de coletividade vista na Euro masculina: "Um time de estrelas não conseguiu nada"). Talvez por saber: ele era o nome, pela falta de confiabilidade dos técnicos holandeses da atualidade e pelo pouco tempo que um estrangeiro teria para se aclimatar ao país e ao elenco.
A escolha de Van Gaal deixa claro: a federação dos Países Baixos deixará reformulações e novidades para depois. Agora, o mais importante é fazer a tradicional seleção voltar a disputar uma Copa do Mundo. Por isso, foi dada carta branca a Van Gaal, que trouxe velhos conhecidos de 2014 para a comissão técnica (Danny Blind para auxiliar técnico, Frans Hoek como treinador de goleiros) e convidou uma possível aposta (Henk Fräser, de trabalho elogiável no Sparta Rotterdam, acumulará o cargo de auxiliar).
E Van Gaal aceitou tentar realizar seu sonho, pela terceira vez. Tentará superar as desconfianças de que está velho e defasado. Tentará justificar porque é um dos grandes comandantes do futebol da história dos Países Baixos. Tem "casca" para aguentar a pressão. Até porque recebeu a permissão: poderá continuar morando em Portugal, com a companheira Truus ao lado...
Escolha óbvia, solução sensata. Espero que o desfecho seja o mesmo da 2ª passagem (não especificamente o resultado, mas a trajetória). Aloysius Paulus Maria entende muito do jogo e saberá fazer o que for melhor no aspecto tático, seja mantendo o 3-5-2 (que eu, particularmente, acho que é o melhor) ou voltando pro 4-3-3. Peças de qualidade e grande potencial não faltam pra jogar das duas formas. Abraço, Felipe! Sempre que ouço Olodum lembro do amigo, rs. Estamos aí!
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