quarta-feira, 23 de setembro de 2020

O benefício da dúvida

Frank de Boer chega para treinar a seleção masculina da Holanda sabendo que a desconfiança é enorme. Mas há alguma chance de dar certo (Alex Lifesey/Getty Images)

O próprio vídeo de boas vindas da federação holandesa a Frank de Boer, novo técnico da seleção masculina, brinca com a incorrigível tendência neerlandesa à corneta: várias pessoas - jornalistas, jogadores, torcedores - palpitando sobre este ou aquele nome, este ou aquele esquema tático... até Frank aparecer e dizer: "Prima, dan gaan we wat kijken" ("Beleza, então vamos ver"). De fato, como o vídeo lembrou, é "o país de 17 milhões de técnicos... e de Frank de Boer". E nenhum outro nome escolhido chegaria sob tanta pressão e desconfiança para treinar a Laranja quanto o ex-zagueiro de 50 anos e 112 partidas pela seleção, com três Euros e duas Copas no meio.

E essa desconfiança tingida de pessimismo é compreensível. Afinal de contas, Frank de Boer vai treinar a seleção holandesa com o filme de sua carreira carbonizado, por enquanto. Tudo graças aos péssimos quatro anos anteriores em sua carreira como técnico. Em 2016, Frank só durou 85 dias na Internazionale; em 2017, no Crystal Palace, somente dez semanas; e mesmo no Atlanta United, em que viveu uma ligeira reabilitação em 2019 ao comandar o time campeão da Open Cup, saiu em baixa, com a eliminação na primeira fase da MLS deste ano. O pior, para o ex-jogador, é que todos esses fracassos tiveram sua cota de responsabilidade. 

Embora a Inter estivesse num momento traumático, em troca no controle do clube e um grupo de jogadores sendo reformulado, De Boer chegou como o técnico errado na hora errada: pedia tempo e paciência, justamente duas coisas que faltavam no clube azul-e-negro de Milão. E ao invés de incentivar o grupo de jogadores, o técnico não só fracassou ao se adaptar com o que tinha em mãos, como foi até deselegante com muitos nomes que poderiam ter sido, no mínimo, respeitados (Gabigol talvez tenha algo a dizer sobre isso). No Crystal Palace, foi ainda pior: De Boer chegou e quis forçar ofensividade num time acostumado a ser defensivo para se proteger, na parte baixa da tabela do Campeonato Inglês. Não só deu errado, como ficou marcante o discurso de José Mourinho tripudiando do holandês: "Ele diz que eu sou um mau técnico por que só penso em vencer. Bem, jogando com ele, o pior técnico da história da Premier League - seis derrotas em seis jogos -, talvez aprendam como perder". E mesmo no Atlanta United, De Boer teve algum azar, com a lesão de Josef Martínez e a venda de Pity Martínez, mas também desapontou ao dar sequência ao trabalho de Gerardo "Tata" Martino.

Talvez todos esses fracassos tenham ocorrido por um único motivo: Frank de Boer quis implantar em outros clubes o "estilo Ajax" com o qual se dera tão bem em Amsterdã, conquistando o tetracampeonato holandês e comandando a volta do clube às luzes da ribalta no futebol da Holanda. Só que essa implantação ignorava um fato simples e inquestionável: cada clube tem sua história, seu contexto, e são coisas que não podem ser mudadas de uma hora para outra. Achar que o mundo inteiro é Amsterdã e que todos os torcedores aceitariam mudanças bruscas rumo a um estilo mais ofensivo era e foi, no mínimo, ingenuidade excessiva de Frank.

Frank de Boer volta a basear sua carreira na Holanda - e nela, foi o símbolo da volta do Ajax ao domínio, com o tetracampeonato holandês (Divulgação/ajax.nl)

E por incrível que pareça, é por isso que o ex-zagueiro merece o benefício da dúvida em sua volta para casa - não exatamente para Amsterdã, mas para um país onde, literalmente, falam o seu idioma. Pois foi na Holanda, entre os seus, que De Boer viveu seu único bom momento como técnico - embora os últimos tempos de seu trabalho no Ajax já tenham sido preocupantemente repetitivos. Todos lá já sabem o que esperar dele: posse de bola, muito espaço, troca de passes (ainda que no campo de defesa) etc. Além do mais, mesmo que tenha tido comportamento deselegante na Internazionale, Frank de Boer não é visto como um técnico "traíra", ou mesmo alguém que goste excessivamente de destaque. 

Foi justamente a vontade de deixar sua marca em tudo que impediu Louis van Gaal de retornar ao cargo, seis anos depois. Mesmo semiaposentado, Van Gaal sinalizou aqui e ali que pensaria no caso - mas os jogadores não simpatizaram muito com a ideia, e a federação viu poucas vantagens em contratar alguém que chegaria para mudar até o que não precisava ser mudado. Aliás, isso era o oposto do critério da federação holandesa: trazer alguém que mexesse o mínimo possível no que Ronald Koeman deixou encaminhado em seu trabalho, e que tivesse boa relação com todas as partes (imprensa, jogadores e dirigentes). 

Henk ten Cate era bem visto pelos jogadores, mas deixou má impressão na federação desde que espalhou aos quatro ventos seu convite para treinar a Laranja em 2017, após a demissão de Danny Blind - e de toda forma, Ten Cate há muito está fora dos grandes centros, fazendo a carreira em China e Emirados Árabes. Esse mesmo alheamento tirou as chances de Frank Rijkaard: sondado pela federação, já com a experiência de treinador da seleção entre 1998 e 2000, Rijkaard perdeu o ânimo por continuar como técnico - desde 2013 está parado, sem pressões, e assim prefere continuar. Erik ten Hag e Peter Bosz teriam respaldo de torcida e imprensa: são os dois melhores técnicos holandeses da atualidade. Mas têm contrato vigente com seus clubes (ambos até o meio de 2022), e dificilmente largariam trabalhos já bem desenvolvidos no meio. Pensar num técnico estrangeiro na seleção - estrangeiro MESMO, não um holandês nascido no Canadá como Dwight Lodeweges é? Não só isso ainda é tabu na Holanda (Países Baixos), como nenhum nome de fora do país empolgaria.

Ou seja, sobrou Frank de Boer. O único holandês à disposição. E assim, no esquema "não tem tu, vai tu mesmo", ele chega para treinar a seleção holandesa. Sob pessimismo justificado. No entanto, exatamente por voltar a um cenário que conhece mais, por estar num lugar em que se sinta mais à vontade, por chegar sem grandes expectativas, talvez Frank mereça o benefício da dúvida. Pode dar errado? Pode, e é o mais provável. Mas pode dar... certo.

Um comentário:

  1. Creo que Frank de Boer puede accender suceso con mi Carrossel Holanďes pero tambien un fracaso.Sin embargo Se boer merece una oporrunidad de hacerse campeon con esta Holanda.Ojalá asi será.

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