Wim Jansen pode não ter sido o mais falado na Holanda de 1974 (e de 1978 também). Mas sua confiabilidade dentro de campo o tornou um dos mais regulares jogadores de sua geração (Nationaal Archief) |
Entre tantos motivos que a tornaram conhecida, a seleção masculina da Holanda (Países Baixos) na Copa de 1974 se notabilizou por estar bem dividida entre personalidades mais e menos destacadas. Os nomes temperamentais são mais falados - Johan Cruyff, claro, à frente. Mas os nomes coadjuvantes tiveram sua importância. E nesta terça, 25 de janeiro de 2022, a Holanda lamentou o falecimento daquele que, talvez, tenha sido o mais preponderante dos coadjuvantes da maior Laranja de todas: Wim Jansen, que sucumbiu a complicações do Mal de Alzheimer, que já o vitimava havia alguns anos.
Falando com os pés
Nascido em Roterdã, Jansen já teve seu destino futebolístico traçado desde a infância. Mais precisamente, desde os dez anos de idade. Foi quando ele chegou ao clube ao qual estará eternamente ligado: o Feyenoord. E lá "Wimpie", apelido que ganhou praticamente no ato de sua chegada, foi se formando como jogador. Apesar de mostrar grande qualidade nos lançamentos longos, Jansen não era tão ofensivo, ficando mais concentrado no meio-campo (pelos dois lados do setor) - e, às vezes, até mesmo jogando recuado na zaga, como um líbero.
Além da técnica, outra característica notável - e até incomum, naquela geração - de Jansen era sua timidez. Não se tratava de um jogador que falasse muito em campo, como Willem van Hanegem, seu colega de geração e de clube. O comportamento discreto legou a ele outro apelido que o tornou eternamente conhecido na torcida: "Stille Willem" ("Willem quieto", em holandês). O que não quer dizer que ele se abatesse com dificuldades: ainda na adolescência, em 1963, um problema no joelho quase se tornou crônico a ponto de por em perigo sua carreira no futebol, antes mesmo dela começar no Feyenoord.
Mas Jansen insistiu na recuperação, conseguiu voltar aos campos em 1964... e em 1965, enfim, a estreia no time principal do Feyenoord: Jansen substituiu Frans Bouwmeester, durante a vitória por 1 a 0 diante do Fortuna '54 (um dos antecessores do atual Fortuna Sittard), pela 7ª rodada do Campeonato Holandês 1965/66. Demorou pouco para agradar: já em 1966, o jovem era considerado titular absoluto no meio-campo. A ponto de se tornar um dos primeiros jogadores neerlandeses a assinar um contrato profissional, naquele ano.
Jansen podia ser discreto. Mas com os pés, já estava falando grosso.
Regularidade invejável, no clube e na seleção
Já naqueles primeiros anos de Feyenoord, Jansen se fez notar positivamente. Podia armar menos jogadas ofensivas do que o colega (e amigo) Willem van Hanegem, podia ser menos forte fisicamente do que a dupla de zaga Theo Laseroms-Rinus Israël, mas ajudava muito o controle de jogo do time, sendo o principal nome da saída de bola. A ponto de um dos ícones daquela época em De Kuip, o atacante Coen Moulijn, confessar: "Preferia jogar com Wim [Jansen] a jogar com Van Hanegem. Wim era um cara legal, incrivelmente cuidadoso, e nunca entrava em pânico".
Com tamanha confiabilidade desde muito cedo, é previsível que a seleção tenha chegado cedo na carreira do meio-campista: em 4 de outubro de 1967, vinha sua primeira partida vestindo laranja, nas eliminatórias da Euro 1968, numa derrota para a Dinamarca (2 a 1, em Copenhague). No ano seguinte, o primeiro e único gol em suas 65 partidas pela seleção: Jansen fez um dos gols nos 2 a 0 sobre Luxemburgo, pelas eliminatórias da Copa de 1970.
Por 15 anos, a torcida do Feyenoord se acostumou a ver Jansen iniciando as jogadas de ataque, mais atrás, no meio-campo. E o título da Copa da UEFA foi um dos grandes momentos dessa trajetória (ANP) |
A regularidade precoce no meio-campo e o comportamento discreto fora dele fariam com que Jansen raramente fosse alvo de atenção - e de problemas. No Feyenoord, por mais de uma década, "Stille Willem" seria nome certo no time titular. Logo, seria nome certo num dos momentos mais luminosos da história do Stadionclub. Títulos holandeses (1968/69, 1970/71, 1973/74)? Jansen estava lá, no meio-campo. Assim como na conquista da Copa da Holanda (1969/70). O primeiro título europeu de um clube neerlandês, na Copa dos Campeões de 1969/70? Jansen era nome certo, formando dupla firme no meio-campo com Franz Hasil. No título mundial interclubes de 1970? A mesma coisa. No título da Copa da UEFA, em 1973/74? Jansen já era sinônimo de Feyenoord a ponto de ter a braçadeira de capitão naquela decisão contra o Tottenham Hotspur.
Cruyff, Neeskens ou Van Hanegem foram símbolos mais visíveis. Mas Jansen foi um dos titulares mais absolutos da Holanda duas vezes vice-campeã mundial nos anos 1970 (VI Images) |
Em termos de seleção numa geração tão polêmica quanto marcante, que colocou a Holanda no mapa do futebol mundial, Jansen escapou das discussões habituais para ser aquele titular tão confiável que nem recebe muita atenção, embora seja fundamental para o time. Esteve em campo durante todos os minutos da campanha icônica na Copa de 1974 - e reclamou sempre de não ter cometido pênalti em Bernd Hölzenbein, no gol de empate da Alemanha na decisão da Copa. Na caótica participação na Euro 1976, Jansen também esteve nas duas partidas decisivas. E mesmo já veterano, era um nome acima de desconfianças na Copa de 1978: só não repetiu a dose e esteve nos 630 minutos da Holanda naquele outro vice mundial porque deu lugar a Wim Suurbier, aos 30 minutos do segundo tempo da final perdida para a Argentina.
A bola de neve manchando
Com o tempo passando e a idade chegando, enfrentando alguns problemas no Feyenoord, tanto com o técnico Vaclav Jezek quanto com o diretor Peter Stephan, Jansen preferiu um fim meio abrupto no Stadionclub: anunciou que deixaria o clube em março de 1980, após 15 anos no time principal - e se dizia até "aliviado, sem dores no coração" ao deixar Roterdã. O que impressionou mesmo foi o rumo tomado pouco depois. Nem tanto na passagem seguinte imediata: como tantos companheiros de geração, Jansen teve uma passagem pelos Estados Unidos, atuando fugazmente ao lado de Johan Cruyff - amigo próximo e inesperado - no Washington Diplomats durante o resto do primeiro semestre de 1980. Naquele ano, também, a última partida pela seleção, em janeiro, numa derrota para a Espanha (1 a 0) em amistoso.
A surpresa viria quando Jansen voltou aos Países Baixos. Como que se "vingando" dos problemas sofridos nos últimos tempos de Feyenoord, o meio-campista escolheu... o Ajax. Chegando ao clube de Amsterdã ainda em 1980, sua estreia no time foi justamente num clássico contra o Feyenoord. Pelo menos, era para ser: durante o aquecimento pré-jogo, no gramado coberto de neve em De Kuip, Jansen teve um olho atingido por uma bola de neve, atirada por um torcedor (Youseph Buhsina era seu nome). Teve a visão tão prejudicada que só conseguiu jogar os primeiros 18 minutos daquele Klassieker que o Feyenoord venceria (4 a 2). Sem dúvida, a bola de neve manchara um pouco sua relação com o amor futebolístico com que estava rompido à época.
Ao voltar de rápida passagem pelos Estados Unidos, Jansen preferiu jogar pelo Ajax, arquirrival do Feyenoord. A torcida se magoou - e uma bola de neve num Klassieker provou isso (ANP) |
Para completar, o Ajax cambaleava na época. Chegou a ficar no 6º lugar vexatório para os padrões Ajacieden, na temporada 1980/81. Fosse como fosse, Jansen foi valorizado em Amsterdã. Era um exemplo respeitado pela geração que surgia no time principal - Frank Rijkaard, Gerald Vanenburg, Wim Kieft, Marco van Basten. Viu o confrade Johan Cruyff retornar a Amsterdã no fim de 1981. E por fim, Jansen celebrou um título holandês pelo Ajax, em 1981/82. Foi o ponto final de sua carreira. Se não tivera um jogo comemorativo de sua carreira, quando entrou em campo pela última vez - num amistoso do Ajax contra a seleção da Bélgica, em 4 de junho de 1982, com vitória belga (4 a 2) -, teve lá sua celebração: terminou a partida erguido nos ombros e carregado por dois colegas de clube, o goleiro Piet Schrijvers e o volante Sören Lerby.
Plena reconciliação - e um amor na Escócia
O estremecimento com a torcida do Feyenoord, após sua "fase Ajax", acabou rápido. Ainda em 1982, Jansen foi convidado para voltar a Roterdã e trabalhar nas categorias de base do Stadionclub. Se tivera importância inquestionável em campo, começava ali a ser nome comum para os Feyenoorders também fora de campo: passaria os quatro anos seguintes trabalhando na base do clube, e se tornou auxiliar técnico em 1986.
A volta de Jansen ao ambiente do Feyenoord foi coroada com dois títulos da Copa da Holanda, fazendo a torcida esquecer a "mancha" e reconciliando-os plenamente (VI Images) |
Mais alguns anos, e em 1990, Jansen chegaria ao posto de treinador principal do Feyenoord. Se teve de ver Ajax e PSV disputando o domínio no Campeonato Holandês, o ex-meia consolidou sua reconciliação com clube e torcida via Copa da Holanda: comandou o Feyenoord no bicampeonato pela KNVB Beker (1990/91 e 1991/92). Mais ainda: com nomes como o goleiro Ed de Goey, o zagueiro Henk Fräser e os atacantes Regi Blinker, József Kiprich e Gaston Taument, Jansen formou a base que seu sucessor e velho conhecido Willem van Hanegem aproveitaria para o título na Eredivisie, em 1992/93.
Mas Jansen teria outras experiências, em outros lugares, entre uma aparição e outra no Feyenoord. Treinar o Lokeren-BEL entre 1987 e 1988; auxiliar Leo Beenhakker na rápida passagem deste pela Arábia Saudita, entre 1993 e 1994; passar três anos no Sanfrecce Hiroshima japonês (1994 a 1997)... até chegar ao seu segundo "amor" como treinador: o Celtic. Nos Bhoys, Jansen passaria apenas uma temporada. Mas que temporada: numa disputa empolgante com o Rangers, ele comandou o time campeão escocês em 1997/98, com Henrik Larsson como destaque, evitando o que seria um decacampeonato dos Gers. Mesmo deixando o clube logo após aquela conquista, Jansen saiu pela porta da frente, deixando saudades no clube alviverde.
Jansen só treinou o Celtic por uma temporada (1997/98). Nem precisou de mais para marcar época nos Bhoys, com um título escocês marcante (VI Images) |
Vieram mais três anos no Japão, treinadndo o Urawa Red Diamonds. Mas Jansen sabia: sua vida sempre seria mais completa em Roterdã. Mais precisamente, no Feyenoord. Diretor técnico por três anos (2005 a 2008); uma temporada como auxiliar técnico (2008/09), na malograda passagem de Gertjan Verbeek comandando o time de Roterdã; e os anos seguintes dirigindo as categorias de base, até que o Mal de Alzheimer se impusesse.
Sem problemas. A torcida do Feyenoord já não tinha mais mágoas: lamentou intensamente a morte de um dos maiores símbolos da história do clube. E se faltam ainda provas da importância de Jansen, talvez elas sejam dadas por duas frases. A primeira, de um outro símbolo Feyenoorder, Willem van Hanegem, nesta terça: "Já escrevo colunas há algum tempo para o Algemeen Dagblad [jornal de Roterdã], mas esta é dura. Porque conheci bem Wim e a família dele. E também porque não gosto de escrever com falecimentos como tema. Mas eu queria e devia uma homenagem, após o falecimento do homem com quem tive a honra de jogar". A outra, de alguém que foi símbolo do Ajax - bem, do futebol holandês em geral -, mas cujo carinho por Jansen era notório. Sobre ele, Johan Cruyff disse: "É uma das únicas quatro pessoas que merecem atenção quando falam sobre futebol".
Wilhelmus "Wim" Marinus Antonius Jansen
Data de nascimento: 28 de outubro de 1946, em Roterdã
Data de morte: 25 de janeiro de 2022, em Roterdã
Data de morte: 25 de janeiro de 2022, em Roterdã
Clubes: Feyenoord (1965 a 1980), Washington Diplomats-EUA (1980), Ajax (1980 a 1982)
Seleção: 65 jogos e 1 gol, entre 1967 e 1980
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