segunda-feira, 13 de maio de 2024

Eredivisie feminina: a estagnação segue

O Twente voltou a ser campeão holandês entre as mulheres. De novo, após disputar somente com o Ajax. Estagnação tão grande que leva a uma perigosa redução de investimentos (Broer van den Boom/BSR Agency/Getty Images)

Como sempre, após 22 rodadas, está encerrada a Vrouwen Eredivisie, o Campeonato Holandês feminino. Como sempre nos últimos anos, o título foi assunto privativo de Ajax e Twente, e a equipe de Enschede voltou a conquistá-lo, após ficar atrás do Ajax em 2022/23. Fato frequente que passou, nesta temporada, a incômoda impressão de que o futebol de mulheres segue por um caminho perigoso de estagnação dentro do Reino dos Países Baixos, mais conhecido como Holanda. Não só pela disputa da salva de prata das campeãs seguir ainda praticamente restrita a dois clubes, distante do equilíbrio de outros países, mas pelo investimento que começa a ser reduzido, aqui e ali.

Há sinais dessa redução. O Fortuna Sittard que o diga. Vindos do terceiro lugar na temporada passada - desempenho de se aplaudir, para um clube que estreava no futebol de mulheres -, os Fortunezen até conseguiram outro bom desempenho, com o quarto lugar. De quebra, estão na decisão da Copa da Holanda feminina, contra o Ajax, a ser disputada no próximo dia 20. Ainda assim, na reta final da temporada, começaram a surgir boatos de que o investimento será fortemente reduzido no time, a partir de 2024/25. E as saídas já anunciadas confirmam isso. A lateral esquerda Alieke Tuin irá para o Twente; a goleira Diede Lemey, idem; e, acima de todas, a atacante belga Tessa Wullaert, goleadora da Vrouwen Eredivisie (26 gols), também já confirmou que sairá do clube de Sittard. "Eu me sinto bem aqui, mas o patrocinador vai sair. É uma questão financeira", ela justificou.

Tessa Wullaert turbinou o Fortuna Sittard com seus gols - mas terá de arranjar outro clube para jogar (Pro Shots)

Mas talvez, o sinal mais forte dessa redução tenha vindo na 18ª rodada. Foi quando as capitãs de todos os 12 times do Campeonato Holandês feminino entraram em campo para as partidas respectivas usando uma camisa preta, com a frase: "Betaald voetbal = Betaald worden" (em holandês, "futebol profissional = pagamento profissional"). Era a síntese de um pedido: que os clubes passem a ceder um salário mínimo às jogadoras, coisa que só acontece nos clubes cujo departamento feminino é profissional - caso apenas de Ajax, Twente, PSV, Feyenoord e ADO Den Haag. Junto das camisas, veio também um manifesto, deixando claro: na Holanda (Países Baixos), o futebol feminino só fica perto do alto nível quando se está nos clubes da parte de cima da tabela. Do meio para baixo, é a situação descrita na nota: "A maior parte de nós ainda precisa estudar e trabalhar além da vida de jogadora. Trabalhamos seis dias por semana no clube, e ainda ganhamos o salário trabalhando dia e noite como enfermeiras, fisioterapeutas ou garçonetes". Como personagem mais ativa do protesto, Sherida Spitse: a capitã do Ajax foi incisiva, num desabafo ainda em dezembro do ano passado, à emissora NOS. "Não é tão caro. O salário mínimo é € 2,4 mil. São € 30 mil por ano. Pagando 16 jogadoras, são cerca de € 500 mil. Eu me pergunto: o que os clubes querem? Querem investir no futebol feminino ou não? Fico um pouco brava. Se não é para investir, tchau".

Sherida Spitse, um símbolo no futebol feminino da Holanda (Países Baixos), foi incisiva na campanha que pede salário mínimo para as jogadoras (Ajax/Divulgação)

Essa queda de investimento ficou notória, também, em desempenhos piores que os da temporada passada. Se surgiu bem em 2022/23, com o sétimo lugar na temporada de estreia, o Feyenoord chegou a temer uma temporada vexatória (perdeu nas cinco primeiras rodadas), até se aprumar e terminar num semelhante oitavo lugar. Mas é possível que o sinal mais lamentável de como o Campeonato Holandês feminino talvez precise de um investimento mais contrato venha nas tantas jogadoras que só esperaram essa temporada acabar para anunciarem... o fim da carreira esportiva, para se focarem somente nas carreiras profissionais. O caso mais triste foi o de Isa Pothof. Goleira surgida no Ajax, jogando no Excelsior (lanterna desta Eredivisie), ela já fora vítima de gozações um tanto quanto exageradas quando tomou este gol acidental, contra o Ajax (derrota por 3 a 1, na 2ª rodada). Então técnico do Excelsior - foi demitido por antecipação nas rodadas finais -, Richard Mank saiu em defesa de Pothof: "Não é só ela que é posta em dúvida, o futebol feminino inteiro é. As pessoas deveriam ver o quanto essas mulheres treinam". Independentemente disso, Pothof anunciou via Instagram, antes da penúltima rodada: "Após dez anos de Eredivisie, decidi continuar com minha carreira social, e deixar o esporte de alto nível para trás. É uma escolha difícil, mas neste momento, é a certa". Além de difícil e, talvez, certa, seja uma escolha triste.

Pelo menos, há consolos. Se repetiu a trajetória da temporada passada (longa sequência invicta - 100% de aproveitamento nas primeiras 16 rodadas! -, queda de produção nas rodadas finais, mas conquistando o título pelo começo primoroso), o Twente contou com novatas aparecendo e sinalizando que estão prontas para ocuparem as lacunas que serão deixadas por aquelas que estão de saída. Caitlin Dijkstra, Wieke Kaptein, Renate Jansen: seus lugares serão ocupados pela zagueira Marit Auée, a atacante Jaimy Ravensbergen, a meio-campista Liz Rijsbergen (esta, seriamente machucada no joelho, na antepenúltima rodada), a atacante norte-americana Taylor Ziemer. E o Ajax? Sob o comando de Sherida Spitse, de tanta experiência, a campanha bastante honrosa na Liga dos Campeões e o vice-campeonato holandês deram vazão a vários novos talentos: a goleira Regina van Eijk, a zagueira Kay-lee de Sanders, a lateral esquerda Isa Kardinaal, a meio-campista Lily Yohannes, a atacante Danique Tolhoek... tantas que também hão de ocupar os espaços que nomes como Romée Leuchter deixarão. Após tantas temporadas decepcionantes, o PSV enfim mereceu algum destaque: foi bem, foi estável em campo, fez boas contratações (a lateral direita dinamarquesa Sara Thrige), mostrou boas jogadoras (a zagueira Gwyneth Hendriks, a meio-campista Nina Nijstad), contou com os gols da velha conhecida Joëlle Smits, e fez por merecer a digna terceira colocação.

A ótima campanha do Ajax na Liga dos Campeões de mulheres, cheia de revelações, indica: mesmo com os problemas, a Holanda tem plenas condições (Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

Melhor ainda: os clubes menores mostraram talentos que merecem alguma atenção. Como o ADO Den Haag, que mostrou a talentosa ponta Hanna Huizenga, que deverá disputar pela Holanda o Mundial feminino sub-20, na Colômbia. O Zwolle, que terminou num bom sexto lugar, teve na atacante Bo Tess van Egmond um símbolo de gols - assim como o AZ, estreante, que pôde contar com Floor Jolijn Spaan para balançar as redes e ajudar o time a ficar fora da lanterna (9º lugar).

Enfim, sinais de que, pelo menos, existe boa vontade com o futebol feminino na Holanda (Países Baixos). Não basta. Mas é um começo para superar a estagnação.

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