terça-feira, 31 de dezembro de 2024

O que falta?

A torcida da Holanda (Países Baixos) brilhou na Eurocopa dos homens, neste 2024. Só que falta algo, em todos os quesitos, para que o brilho seja carregado de vitórias (Eric Verhoeven/Soccrates/Getty Images)

Vendo em perspectiva, neste penúltimo dia do ano de 2024, fazia tempo que o futebol não vivia na Holanda (Países Baixos) um ano... normal. Em todos os sentidos. No âmbito de clubes, é comum que haja uma "alternância de hegemonias" - e após anos do Ajax dando as cartas, com o Feyenoord imperando em 2023, o PSV começa a ensaiar ser o time a ser batido dentro do Campeonato Holandês (masculino e, talvez, feminino). 

No âmbito das seleções de homens, a Laranja tem a fama de ter boas seleções, de fazer papéis decentes nas competições de que participa... mas fraquejar na hora final. A Eurocopa colocou mais um capítulo nesse estereótipo. E nas seleções de mulheres, após a fase fulgurante que a colocou na ribalta entre 2017 e 2019, a equipe neerlandesa segue como uma das mais aparecidas de um "segundo escalão" - e mesmo nele, este 2024 foi ano de grandes dificuldades.

Enfim, no geral, o Reino dos Países Baixos até aparece bem no futebol europeu, mas faz tempo que não desponta impondo respeito real. O que falta, em cada um destes âmbitos, para que isso aconteça?

O PSV brilhou mais na primeira metade do ano. Na segunda, menos. Mas segue dominando o Campeonato Holandês, por enquanto (NESimages/Perry vd Leuvert/DeFodi Images via Getty Images)

Futebol masculino de clubes: falta uma boa campanha europeia

O domínio do PSV no futebol interno da Holanda se dividiu em duas fases. No primeiro semestre - isto é, na reta final da temporada 2023/24 -, o domínio foi absoluto. É certo que isso se deveu, em grande parte, ao primeiro turno esplendoroso que o clube de Eindhoven fizera no ano passado (17 jogos, 17 vitórias). Mas nada disso diminui a soberania ostentada pelos Boeren, que pareciam destinados ao 25º título nacional de sua história muito antes de efetivamente o conquistarem, com três rodadas de antecedência. Com um time que teve vários destaques: André Ramalho e Olivier Boscagli na zaga, Joey Veerman e Jerdy Schouten no meio-campo, Malik Tillman, Johan Bakayoko e Guus Til avançando e, acima de todos, Luuk de Jong, goleador do torneio (ao lado de Vangelis Pavlidis, com 29 gols cada um), um dos maiores jogadores do PSV neste século.

Se houve algum time que mais chegou perto de desafiar o domínio do PSV, foi o Feyenoord, campeão da Copa da Holanda em 2023/24, vice-campeão da Eredivisie, também tendo bons jogadores despontando (ênfase em três nomes: Quinten Timber no meio-campo, Santiago Giménez e Igor Paixão no ataque), um trabalho constante a ponto de conduzir o técnico Arne Slot ao Liverpool. E na primeira parte desta temporada 2024/25, se o novo treinador, Brian Priske, demorou um pouco para colocar o Stadionclub nos eixos, isso parece começar a acontecer. Se nesta temporada do Holandês ainda há alguns tropeços, se o time tem pontos a corrigir, na Liga dos Campeões há indicações de que o clube pode ir além.

Assim como ocorre com o Ajax, que começa a se aliviar. Se a primeira metade do ano foi apenas para os Ajacieden controlarem os danos de um começo terrível de temporada - símbolo de um dos piores momentos da história recente do clube, no mínimo -, aparentemente o técnico Francesco Farioli (em campo) e o diretor de futebol Alex Kroes (fora dele) ajustaram os rumos do clube. Que recebeu algumas contratações - se é que nomes como o velho conhecido Davy Klaassen são contratações novatas. Que se firmou num estilo de jogo um pouco mais sólido, mais parecido com o que a torcida gosta de ver. Que já teve bons momentos, em 2024/25: vitórias sobre os arquirrivais PSV e Feyenoord (Eredivisie), uma boa campanha na Liga Europa, um time que, se não faz bonito, feio também não faz.

Francesco Farioli chegou para treinar o Ajax. Que, se não está novamente imponente, está bem mais confiável do que na primeira metade do ano (Rene Nijhuis/MB Media/Getty Images)

E outros clubes também não fazem feio. Que o diga o Utrecht: enfim, os Utregs chegaram onde queriam, há muito tempo. Como terceiros colocados da Eredivisie, estão inseridos na grande disputa pelo título, ao invés de figurarem apenas nas zonas de vagas em competições europeias. AZ e Twente, por suas vezes, fazem o papel a que estão habituados: o "sub-topo", e presenças nos torneios continentais. E aí é que falta algo aos clubes holandeses. Na reta final da temporada passada, mesmo avançando às oitavas de final da Liga dos Campeões, o PSV poderia ter feito mais contra o Borussia Dortmund. Feyenoord e Ajax duraram pouco, tanto na Liga dos Campeões, quanto na Liga Europa (ou mesmo na Conference League, onde o Ajax caiu, já sendo eliminado de cara na segunda fase).

Há quem diga que o problema é que nem sempre a Holanda manda seus melhores times de fato para as competições continentais. "Culpa", por exemplo, da repescagem por vaga na Conference League: em 2023/24, o Go Ahead Eagles (9º lugar na temporada regular) superou o Utrecht (7º colocado), ganhou o lugar na segunda fase preliminar da Conference... e já caiu, para o SK Brann norueguês. Prejudica o coeficiente, é verdade. Mas não parece ser esta a razão. Em primeiro lugar, porque o Go Ahead Eagles faz novamente campanha belíssima para seus padrões de time pequeno (7º lugar na pausa de inverno). Em segundo lugar, porque tanto PSV quanto Feyenoord quanto Ajax, no mínimo, poderiam suar menos para figurarem nas fases seguintes de Liga dos Campeões (caso dos dois primeiros) e Liga Europa (o terceiro).

Pois bem: falta, na verdade, os clubes que se destacam na Eredivisie se destacarem mais na Europa. É possível, e exemplos não faltam. O mais recente foi o Feyenoord, finalista da Conference em 2021/22. Quem tiver competência que se estabeleça. A Holanda precisa. Até porque Portugal segue nos calcanhares...

O cenário da mais recente decepção da seleção masculina da Holanda (Países Baixos): na semifinal da Eurocopa, a Inglaterra fez o gol de sua vitória no último minuto. Nada da Laranja vencer as grandes... (Chris Brunskill/Fantasista/Getty Images)

Seleção masculina: falta ganhar das maiores

O 2024 da seleção de homens da Holanda (Países Baixos) foi ruim? Claro que não, impossível e até injusto falar isso. Uma seleção semifinalista de Eurocopa não está exatamente em crise. Entretanto, quando o técnico Ronald Koeman avaliou que a Laranja merecia uma nota "7, talvez 8, como semifinalista de Euro" para o seu ano, o estranhamento foi grande. Compreensível: afinal de contas, por mais que tenha bons jogadores, um nível técnico razoável... falta "a" vitória". Falta a Oranje convencer contra seleções tão tradicionais e grandes - até maiores - do que ela. Contra as menores, está tudo no lugar, como a vaga nas quartas de final da Liga das Nações indica. Mesmo a campanha na Euro indica isso. Parecia não indicar, diante de como a fase de grupos terminou: uma derrota por 3 a 2 para a Áustria, com a defesa frágil demais para o que os nomes (Virgil van Dijk, Nathan Aké, Stefan de Vrij, Matthijs de Ligt...) sugeriam. Mas àquela altura, a Laranja estava já classificada para as oitavas de final. E a sorte rendeu a ela um caminho bem mais suave do que poderia ter acontecido.

Romênia nas oitavas de final, Turquia nas quartas de final: a Holanda bateu ambas. A Romênia, facilmente; contra os turcos, se houve dificuldades, houve ainda mais desejo de vitória para a virada por 2 a 1. Ir longe ampliava a "onda laranja" que tomou conta da Alemanha, com centenas de milhares de torcedores neerlandeses viajando ao país-sede da Euro. Porém, contra a Inglaterra, na semifinal... o começo de sonho, com o rápido 1 a 0 de Xavi Simons, logo foi superado por uma clara superioridade da Inglaterra, que empatou ainda no primeiro tempo. E quando virou para ir à final da Euro, foi para não dar chances: no minuto final do tempo regulamentar. O que mostrou um dos erros que Ronald Koeman tem em seu trabalho: excesso de cautela. Somente ao tomar o segundo gol é que o técnico decidiu fazer mudanças, colocando Brian Brobbey e Joshua Zirkzee no ataque para tentarem o empate... nos acréscimos. Sendo que a jogada do segundo gol inglês veio justamente dos reservas colocados minutos antes por Gareth Southgate: Cole Palmer lançou, Ollie Watkins fez o gol. Mais uma decepção na reta final.

Ronald Koeman avaliou o ano da seleção holandesa masculina com nota 7, "talvez 8", mas torcida e imprensa são mais exigentes (Srdjan Stevanovic/Getty Images)

Mas o problema da Laranja não conseguir vencer seleções "do seu tamanho" é claro desde o começo do "segundo reinado" de Koeman. Tome-se por exemplo a França, seleção grande mais vezes enfrentada desde 2023: em três jogos, duas derrotas (eliminatórias da Euro) e um empate (na fase de grupos da Euro). A Inglaterra venceu na supracitada semifinal da Euro. E na fase de grupos da Liga das Nações, em que a Alemanha foi a adversária a ser batida, se o empate em 2 a 2 (segunda rodada) deu alguma perspectiva, a derrota por 1 a 0 (4ª rodada) poderia ter sido até maior. Sem contar alguns tropeços periódicos contra seleções inferiores: a citada derrota para a Áustria na fase de grupos da Eurocopa, o empate contra a Bósnia com que a fase de grupos da Nations League - e 2024 de modo geral - foi fechado. Basta citar uma estatística: a seleção masculina da Holanda só venceu metade de seus jogos, 8 de 16, no ano de 2024.

Bons jogadores, há: os zagueiros citados, Denzel Dumfries, Tijjani Reijnders, Teun Koopmeiners, Ryan Gravenberch, Frenkie de Jong, Xavi Simons, Cody Gakpo... e se os atacantes testados, Joshua Zirkzee e Brian Brobbey, decepcionaram, Memphis Depay parece à disposição para voltar, remoçado pelo bom começo no Corinthians. Para nem citar a geração mais jovem, que fez campanha perfeita nas eliminatórias da Euro sub-21 de 2025, terá grupo acessível na competição e pode, sim, sonhar em ser campeã. Entretanto, falta a vitória grande. Uma sequência de vitórias grandes, quem sabe, para a Holanda poder deixar a "segunda prateleira". Que chance melhor haveria do que a colocada: vencer a Espanha, campeã da Euro, nas quartas de final da Liga das Nações que virão em março?

Esmee Brugts é a jovem que mais se destaca na seleção feminina da Holanda. Aos poucos, mais jovens precisarão aparecer, porque algumas veteranas se retiram. Nada melhor do que uma Euro que se promete dificílima (Hans van der Valk/BSR Agency/Getty Images)

Futebol feminino: falta as jovens se estabelecerem

Terça-feira, 16 de julho de 2024, Brann, Noruega. Fim de jogo, na última rodada das eliminatórias da Eurocopa feminina. A seleção de mulheres da Holanda (Países Baixos) estava classificada para o torneio, após suado empate (1 a 1) contra as norueguesas. Nas entrevistas pós-jogo, tanto a capitã Sherida Spitse quanto Vivianne Miedema - autora do gol de empate, a dez minutos do fim - choraram. Nada muito exagerado, mas as lágrimas de ambas deixaram claro como 2024 foi um ano árduo no futebol holandês de mulheres. Pelo menos, na seleção.

Também, pudera. O começo de 2024 trazia esperanças, com as decisões da Liga das Nações podendo render uma vaga olímpica. Só que as Leoas Laranjas foram tendo uma dificuldade após a outra. Em janeiro, Jill Roord rompendo seu ligamento cruzado anterior no joelho direito; convocadas, Miedema e Pelova sentiram dores e chegaram em más condições; e na semifinal contra a Espanha, as Leoas Laranjas foram presas fáceis, num 3 a 0 com total domínio espanhol. Havia ainda uma chance de vaga em Paris-2024, na decisão de 3º e 4º lugares, contra a Alemanha, em casa... e nada feito: a equipe dos Países Baixos foi pressionada, tomou mais 2 a 0, e ficou de fora do torneio olímpico. Uma pena.

Pena maior ainda porque as dificuldades foram se avolumando, durante a campanha nas eliminatórias da Euro. Em primeiro lugar, tanto pela decepção na Liga das Nações quanto pela sensação própria de que seu ciclo tinha passado, Lieke Martens colocou fim à sua vitoriosa trajetória nas Leoas Laranjas. Em segundo lugar, porque justamente no último jogo de Martens pela seleção (1 a 1 contra a Finlândia, na quarta rodada), mais uma gravemente lesionada: Victoria Pelova, outra com o ligamento cruzado anterior rompido. Em terceiro lugar, pela falta de gols: foram apenas quatro, nas eliminatórias.

A vaga na Eurocopa veio, mas a trajetória das Leoas Laranjas nas eliminatórias foi sofrida (Divulgação/KNVB Media)

Mas, afinal, a vaga veio. Bem como a impressão de que a Holanda está "trocando de casca". Afinal de contas, aos poucos as veteranas vão abrindo espaço: Martens parou com a seleção, Spitse e Daniëlle van de Donk devem fazer o mesmo após a Euro (Spitse deixou de ser titular nas datas FIFA passadas, inclusive), e são somente quatro as veteranas que devem tentar a vaga na Copa de 2027 (a saber: Dominique Janssen, Jackie Groenen, Roord e Miedema). De resto, as novatas estão aí. Estão na boa campanha no Mundial Sub-20, novamente com a quarta colocação, mesmo com um time limitado. Estão na quantidade de jogadoras abaixo dos 25 anos que brilham na equilibrada disputa do Campeonato Holandês feminino: Lotte Keukelaar no Ajax (há Lily Yohannes, claro, mas esta se definiu por defender os Estados Unidos); Veerle Buurman, Nina Nijstad e Chimera Ripa no PSV; Elisha Kruize e Nikita Tromp no Utrecht; Femke Liefting, no AZ.

Ainda há as novatas que têm seu espaço firme em ligas mais competitivas. Daphne van Domselaar e Chasity Grant, na Inglaterra; Caitlin Dijkstra, na Alemanha; Damaris Egurrola Wienke e Romée Leuchter, na França; Esmee Brugts, na Espanha. Já está na hora delas começarem a assumir o protagonismo nas Leoas Laranjas. E por mais que as veteranas sejam de imensa ajuda - ainda mais no grupo duríssimo que virá na Euro, em que Inglaterra e França não permitirão erros -, as jovens precisam se destacar para confirmarem e completarem a "mudança de casca" por que a seleção feminina da Holanda (Países Baixos) passará em 2025.

Nenhum comentário:

Postar um comentário