Pelo que fez enquanto pôde jogar, Van Basten sempre receberá aplausos (Bongarts/Getty Images) |
É raro ver um jogador apelidado de "cisne". Mas poucos deles mereceram tanto o epíteto quanto Marco van Basten. Bastou vê-lo em campo para não se esquecer: a facilidade e suavidade dos movimentos do atacante holandês na área, com a bola nos pés ou não, já o tornavam um atacante absolutamente diferenciado. Tão diferenciado que foi justamente com o animal citado na primeira fase do texto que Van Basten foi apelidado na Holanda (Países Baixos): "Cisne Holandês", ou mesmo "Cisne de Utrecht", sua cidade natal.
Mas não era só pela movimentação que Van Basten merecia todos os elogios. Afinal, ele era atacante. Atacantes têm como sua principal característica os gols. E o nativo de Utrecht os fazia. Melhor ainda: com a bola nos pés, mostrava uma técnica gigantesca, que lhe possibilitava fazer várias funções. Ser o principal centroavante? Van Basten era, e sabia usar da técnica e do bom porte físico (alto - 1,88m - e magro) para proteger a bola e finalizar. Voltar para buscar jogo fora da área? Van Basten voltava, fazendo boas jogadas com os meio-campistas. Poder de finalização? Pois bem: era ótimo nos chutes e nos cabeceios, de perto ou de longe, e sabia se antecipar para concluir de maneiras até inimagináveis.
Por tudo isso, é quase unânime entre quem acompanhou futebol no fim da década de 1980 e no começo da década de 1990: Van Basten era um dos melhores atacantes do mundo naquela época - para muitos, o melhor. Na Holanda, virou o símbolo de uma geração - e, raro dizer, uma geração vitoriosa. Outra coisa unânime: muito se lamenta o fim precoce de sua carreira, pelos problemas no tornozelo que o atormentaram desde quando ela começou, praticamente. Nada melhor do que um texto, então, para celebrar os 56 anos de Marco van Basten - segundo algumas fontes, "Marcel" van Basten.
Já durante infância e adolescência, Van Basten começou a sofrer com lesões (Arquivo pessoal) |
O começo: inspirado pelo pai, machucado pela vida
Nascido em Utrecht, no dia 31 de outubro de 1964, Van Basten teve uma inspiração dentro de casa: seu pai, Joop van Basten (1930-2014), não só era jogador, mas também seguiu no futebol após parar nos campos, treinando várias equipes amadoras pela Holanda (Países Baixos). Percebendo o talento que tinha em casa, Joop não demorou: começou a treinar fundamentos com o pequeno Marco, ainda em casa. E já em 1970, aos 6 anos, Van Basten "filho" começou a jogar no EDO, clube amador de Utrecht. Depois, foi para mais um clube municipal, o UVV. Tudo isso, sendo acompanhado pelo pai, figura eternamente presente em sua vida - enquanto viveu, Joop cuidou de um verdadeiro "museu" de Marco em sua casa, com todos os prêmios e vários itens que o filho colecionou ao longo da carreira. E enquanto o filho atuou nos Países Baixos, Joop nunca deixava de ir ao estádio.
Exemplo dentro de casa: enquanto jogou, Van Basten teve o pai Joop como principal incentivador (Pro Shots) |
Entretanto, se foi inspirado pelo pai, Van Basten também foi machucado pela vida. Primeiro, por um acontecimento externo e traumático. Ainda quando criança, na cidade de Maarssen, ele patinava sob um rio congelado, com um amigo, apelidado "Jopie", que caiu num buraco aberto no gelo. Van Basten fez o que podia para trazer ajuda, mas o amigo morreu afogado e congelado na sua frente. Muito se diz que o falecimento de "Jopie" deixou marcas eternas na personalidade de Marco, considerado altivo e distante - para muitos, até excessivamente arrogante.
Já na adolescência, também começou um problema que perturbaria Van Basten durante toda a sua carreira, antes e durante a fase profissional dela: as lesões no tornozelo. Aos 15 anos, ainda no UVV de Utrecht, ele foi examinado pelo ortopedista Rein Strikwerda, que trabalhava no conhecido Utrecht. E o médico foi sucinto ao dizer que seus dois tornozelos não estavam bem, e que ele deveria parar de jogar. Caso contrário, corria até risco de precisar de uma cadeira de rodas, em alguns anos.
Marco e o pai decidiram que ele continuaria. Logo depois, foi para o Elinkwijk, outro clube amador da cidade natal. Ali Aad de Mos, então técnico do Ajax, viu qualidades no garoto, levando-o para Amsterdã. E aos 17 anos, Van Basten iniciava sua carreira profissional. Sua primeira partida foi contra o NEC, em 3 de abril de 1982, pelo Campeonato Holandês da temporada 1981/82. E ele... já fez gol, na goleada por 5 a 0. Logo em sua estreia pelos profissionais do Ajax. Como fizera... Johan Cruyff, que acabara de retornar ao Ajax (primeiro como consultor técnico, depois de volta aos campos). Por muito tempo em sua vida, Cruyff tratou e cuidou de Van Basten como se fosse um pupilo, um "sucessor".
Antes mesmo dos 20 anos de idade, na seleção sub-20 ou na principal, Van Basten já indicava que teria grande futuro na Holanda (Pics United) |
No Ajax e na seleção, um começo fulgurante
Dali em diante, o desenvolvimento de Van Basten foi fulgurante. Em 1983, numa fase de reformulação na seleção holandesa, Van Basten foi convocado para o Mundial Sub-20 daquele ano - e com dois gols e a titularidade absoluta, já ajudou na campanha da Holanda, eliminada pela vice-campeã Argentina nas quartas de final. E em setembro do mesmo 1983, Van Basten estreou na seleção principal, que vivia fase turbulenta nas eliminatórias da Euro 1984. Junto a nomes como Frank Rijkaard, seu colega no Ajax, e Ruud Gullit, já brilhando no Feyenoord, Van Basten era um dos símbolos de uma geração que poderia trazer dias melhores à Laranja. E provou isso na partida em que fez seu primeiro gol por ela: a virada por 3 a 2 para cima da Irlanda, nas eliminatórias da Euro, fora de casa. A Holanda ficou de fora daquela competição continental, mas Van Basten já sinalizava que era promissor.
Até porque Van Basten já era absoluto no Ajax, mesmo recém-entrado na faixa dos 20 anos de idade. Justificava isso em campo. Começou na temporada 1983/84, com um desempenho positivamente absurdo: 28 gols em 26 jogos, e a primeira artilharia do Campeonato Holandês. Em 1984/85, de novo goleador da Eredivisie (22 gols). Na temporada 1985/86, com o "tutor futebolístico" Cruyff como técnico do Ajax, ele deu o sinal mais forte à Europa de que era alguém merecedor de toda atenção: 37 gols em 26 jogos. Não só foi goleador do Holandês pela terceira temporada seguida: foi o Chuteira de Ouro europeia daquela temporada, como quem mais gols fez no futebol do Velho Continente.
A torcida do Ajax se acostumou a ver esta cena muitas e muitas vezes: Van Basten comemorando, o adversário lamentando. Foram quatro artilharias seguidas na Eredivisie (Pics United) |
Paralelamente a isso tudo, mais um fator importante perturbava sua vida pessoal. Em 16 de outubro de 1985, Leny van Basten, mãe de Marco, sofreu um AVC, enquanto o filho jogava pela seleção holandesa, na repescagem das eliminatórias para a Copa de 1986. Duas semanas depois de ser internada, Leny sofreu um infarto. Passou a necessitar de ajuda para viver, e perdeu parte da memória. Se era presença massiva na carreira do filho, Joop van Basten teve de intercalar isso com as ajudas à esposa, até a morte dela. E Van Basten filho teve de deixar a casa dos pais, indo viver com Liesbeth van Capelleveen, então namorada – e há 27 anos, esposa e mãe de seus três filhos. Coisas das quais quase nunca fala: já desde os anos 1980, Van Basten se opõe a qualquer menção à vida privada em entrevistas.
Em campo, a ausência da seleção holandesa (da qual já era titular absoluto) na Copa de 1986 atrapalhava um pouco o reconhecimento internacional de Van Basten. Mas só um pouco: o que o jovem de Utrecht fazia no Ajax era suficiente, pelo menos na Europa. E a temporada 1986/87 provou isso. Na liga neerlandesa, Van Basten foi artilheiro pela quarta vez consecutiva. Pela segunda vez seguida, com mais de um gol por jogo na Eredivisie: 31 gols em 27 partidas pelo Ajax. Entre esses gols, aquele que considera, até hoje, o mais bonito de sua carreira: nos 3 a 1 contra o Den Bosch, pela 15ª rodada daquela Eredivisie, em 9 de novembro de 1986. Entrevistado pelo globoesporte.com, em 2014, quando completou 50 anos, Van Basten explicou a razão: "O gol da final da Eurocopa em 1988 foi particular, especial, mas é preciso um pouco de sorte. A acrobacia com o Ajax é mais bonita".
Porém, o desenvolvimento de Van Basten ocorreu do lado ruim, também. Em 7 de dezembro de 1986, após tentar cometer falta em Edwin Oude Riekerink, do Groningen, num jogo do Campeonato Holandês, o próprio Van Basten lesionou seu tornozelo direito. Começava ali a série de cirurgias. Johan Cruyff não quis saber: esperou só algumas semanas e mandou o atacante voltar - Cruyff considerava que o atacante era indispensável para o time que treinava, e que jogar com dor fazia parte dos sacrifícios. Mesmo assim, bastou para Van Basten ser o personagem fundamental na conquista da Recopa Europeia da temporada 1986/87, inclusive marcando o único gol da final contra o Lokomotiv Leipzig, da então Alemanha Oriental.
O Ajax voltava a ter algum reconhecimento no futebol europeu. E Van Basten, mesmo com dor, mostrou o suficiente para ser trazido a peso de ouro pelo Milan. Foi escolhido a dedo por Silvio Berlusconi (presidente do Milan), Adriano Galliani (diretor geral milanista) e Arrigo Sacchi (técnico do rubro-negro de Milão) para chegar ao clube, antes da temporada 1987/88. Deixou gols e mais gols para serem sempre lembrados no Ajax. Mais precisamente, 153 gols em 172 partidas - todos eles lembrados neste vídeo do clube de Amsterdã, disponibilizado no ano passado.
No Milan, Van Basten teve até folga das lesões. E chegou ao auge, como um dos melhores atacantes do mundo (Getty Images) |
No Milan e na seleção, Van Basten chega ao apogeu
Na temporada 1987/88, sua primeira nos Rossoneri, o holandês mal jogou pelo Campeonato Italiano. Somente 11 jogos, com três gols. Pior: em dezembro de 1987, teve de voltar à mesa de cirurgia, para novamente operar o tornozelo direito. Ali o cirurgião René Marti, “fiel escudeiro”, descobriu o problema: a cartilagem no local estava completamente comprometida. Van Basten voltou aos campos já na parte final da temporada, e ainda teve tempo de marcar um gol na vitória milanista por 3 a 2 sobre o Napoli de Maradona e Careca, triunfo fundamental para a conquista rossonera da Serie A. Mas ficara a dúvida: convocado para a Euro 1988, ele conseguiria estar em forma ali? O técnico Rinus Michels desconfiava que não - tanto que John Bosman estreou naquela Euro como titular.
Van Basten só se tornou titular da Holanda na segunda partida daquela Euro, contra a Inglaterra. Já nela, começou a dar a resposta: fez os três gols da vitória da Laranja por 3 a 1. E concluiu a resposta ao longo do torneio: cinco gols, a artilharia do torneio europeu de seleções e o posto de principal destaque não só da Holanda campeã, mas daquela competição. Tudo coroado com a obra-prima que Van Basten fez, na final da Euro, contra a União Soviética - obra-prima conseguida mais "por sorte", como o próprio afirma: durante a comemoração, perguntado como fizera aquilo pelo colega de time Jan Wouters, Van Basten afirmou: "Eu não sei". Aquele que começara o torneio na reserva da Oranje saía dele completamente consagrado.
Ali começava a melhor fase da carreira de Van Basten. Já no fim de 1988, ele recebeu a "Bola de Ouro" da revista France Football, como melhor jogador da Europa. E na temporada 1988/89, 24-para-25 anos de idade, Van Basten viveu o seu apogeu. Seu estilo de técnica refinada, de atacante que sabia não só fazer gols mas também armar jogadas, trouxe vários apelidos: San Marco, “Gazela”, “Cisne Holandês”. E vários títulos: fundamental nas conquistas da Copa dos Campeões e do Mundial Interclubes pelo Milan, foi novamente eleito o melhor jogador europeu pela France Football. Junto dos compatriotas Frank Rijkaard e Ruud Gullit, Van Basten era o símbolo de uma fase histórica do clube rossonero.
Em 1990, o Milan perdeu o título italiano para o Napoli. Mas Van Basten foi artilheiro da Serie A do Calcio pela primeira vez na carreira (19 gols). De quebra, o Milan alcançou o bicampeonato da Copa dos Campeões. Dois fatores que tornavam bastante saborosa a imaginação sobre o que "San Marco" poderia fazer na Copa do Mundo daquele ano, como um dos principais atacantes do planeta e grande esperança da seleção da Holanda. Mas ali, Van Basten decepcionou. Naufragou em meio a um elenco cheio de problemas de relacionamentos, mostrou-se cansado e apagado. Não fez gol na Copa, não trazia perigo às defesas, nada. Nem o bicampeonato mundial ganho pelo Milan no fim de 1990 apagou o fato de que ele fora a grande surpresa negativa daquela Copa, entre os jogadores.
Era preciso reagir. E Van Basten fez isso. Principalmente em 1992. O nativo de Utrecht trouxe desempenhos assombrosos pelo Milan – já então, de Fabio Capello, credenciado pela campanha invicta no título italiano de 1991/92. Mesmo num clube cheio de atacantes de bom nível (Stefano Eranio, Gianluigi Lentini, Jean-Pierre Papin, Daniele Massaro), o holandês era a estrela principal - e provou isso com mais uma artilharia no Italiano (25 gols). Com atuações primorosas – destaque para o 4 a 0 contra o IFK Göteborg sueco, pela fase de grupos semifinal da Copa dos Campeões 1992/93, os quatro gols de Van Basten -, conseguiu o feito de unificar os títulos de melhor jogador europeu, pela France Football, e de melhor jogador do mundo, pela FIFA. Nem mesmo uma nova falha pela seleção da Holanda (perdeu um pênalti decisivo na semifinal da Eurocopa, contra a Dinamarca) diminuía a impressão de que Van Basten voltara com tudo em 1992. E que era o melhor atacante do mundo naquele ano.
Os problemas no tornozelo - e as más cirurgias - vencem Van Basten
Porém, justamente na semana em que recebeu o troféu da FIFA em 1992, o holandês teve o golpe mais duro entre os tantos da carreira. Quando o Milan enfrentava o Ancona, em 13 de dezembro de 1992, pelo Campeonato Italiano, Van Basten sofreu entrada dura em seu tornozelo direito, que foi operado, em 21 de dezembro de 1992. O mesmo René Marti que o operara antes retirou pedaços da cartilagem e de ossos do tornozelo. E a partir dali, deu um prognóstico pessimista. Que se confirmou: em 1993, Van Basten esteve em apenas três jogos, incluindo atuação apagada na final da Liga dos Campeões.
Aquela decisão foi sua última partida profissional: logo depois, outra cirurgia, desta vez com o médico belga Marc Martens. O jogador esperava recuperar-se a ponto de ser convocado para a Copa de 1994. Não só não deu certo, como ele ainda passou por mais uma intervenção no tornozelo. De tantas cirurgias mal feitas, o local já lesionado estava naturalmente desgastado. Até que em agosto de 1995, após mais de dois anos esperando voltar, o segundo melhor jogador da história do futebol holandês desistiu: “Eu não melhorei. Só de ficar em pé o tornozelo já dói, só com uma partidinha de tênis ele já dói. E não sei se os doutores sempre me ajudaram, já que de 1992 para frente a situação só piorou”.
Em 18 de agosto de 1995, aos 30 anos de idade (dois meses e 13 dias antes de completar 31), Van Basten entrou em campo vestido à paisana, para se despedir da torcida presente ao Giuseppe Meazza, estádio no bairro de San Siro, onde o Milan enfrentaria a Juventus na disputa do Troféu Berlusconi, um torneio amistoso. Ainda técnico do Milan então, Fabio Capello simbolizou como aquela despedida era lamentada: sentado no banco de reservas, Capello chorou copiosamente. Em 2014, numa matéria da revista Voetbal International que celebrava os 50 anos de Van Basten, o treinador italiano repetiu o lamento: “Quando vejo de novo as imagens da despedida dele em San Siro, ainda me sinto comovido. Eu sentia uma injustiça enorme no fato de que ele teria de parar”.
Um dia o trauma acabou. E fora de campo, Van Basten voltou ao futebol
As dores no tornozelo de Van Basten só pararam com uma cirurgia em 1996, quando os ossos do local foram fixados com parafusos. Os problemas estavam terminados. Só ficava o trauma de ter parado tão cedo. E as marcas no corpo: Van Basten passou a mancar levemente da perna direita, já não conseguiria fazer os giros de corpo que tão bem fazia em campo, e não poderia mais jogar futebol por longo tempo - desde então, Van Basten só entrou em campo para jogar em alguns minutos das partidas de despedida de Dennis Bergkamp e Demetrio Albertini, ambas em 2006. De resto, nunca mais.
Nos primeiros anos pós-futebol, o ex-jogador ficou bem distante do esporte que lhe dera fama: somente jogava golfe, esporte que até hoje pratica - até mesmo jogando em alguns torneios. Esse afastamento do esporte ocorreu até 2001: certo dia daquele ano, Van Basten visitou o ex-atacante John van’t Schip, colega dos tempos de início de carreira no Ajax, onde já treinava equipes das categorias de base. Van Basten pensou que talvez fosse bom recomeçar daquela maneira. Foi convidado por Van't Schip para ajudá-lo. E foi ali que Van Basten voltou ao futebol: como técnico do time B do Ajax, entre 2003 e 2004. Seu retorno era paulatino e tranquilo, mas isso durou só uma temporada.
Com experiência quase nula e alguns problemas de relacionamento, Van Basten passou longe da unanimidade como técnico da seleção (Martin Bureau/AFP/Getty Images) |
Já em 2004, por sugestão do velho tutor Johan Cruyff à federação, Van Basten foi escolhido para treinar a seleção holandesa, voltando aos holofotes mesmo com experiência quase nula, com a função de reformular uma seleção que via terminar a geração brilhante dos anos 1990 - e começar a geração que brilharia nas Copas de 2010 e 2014. Nos quatro anos em que comandou a Laranja, Van Basten passou longe da unanimidade. Sob o comando do ex-atacante, a Holanda nunca chegou a empolgar. Para piorar, como técnico, ele teve problemas de relacionamento. Clarence Seedorf e Edgar Davids se irritaram com o que julgaram falta de consideração de Van Basten, e mesmo com algumas partidas sob seu comando na seleção, Davids sequer foi convocado para a Copa de 2006, enquanto Seedorf desistiu da Euro 2008 ao ser pré-convocado sem garantias de que seria titular. Durante a Copa de 2006, Van Basten ainda brigou com Mark van Bommel, que jurou - e cumpriu - não voltar à Laranja enquanto ele fosse o técnico. Ainda naquele mundial, Ruud van Nistelrooy foi deixado no banco por Van Basten durante todo o jogo da eliminação, nas oitavas de final, contra Portugal - e chegou até a abandonar temporariamente a seleção.
Na Euro 2008, quando a Holanda enfim rendeu bem sob seu comando, Van Basten já estava de saída marcada, para o Ajax, que pretendia reformular-se internamente. Mas o que podia ser uma parceria frutuosa com Johan Cruyff, seu mestre, terminou logo no começo: Cruyff saiu ao ter o projeto de mudar as categorias de base censurado por Van Basten. E a relação entre os dois nunca mais foi a mesma. Pior: o Ajax foi humilhado várias vezes na temporada 2008/09 (terminou a Eredivisie na terceira colocação, atrás de AZ e Twente), e Van Basten se demitiu antes mesmo do fim da liga. Perfeccionista, achava que jamais conseguiria melhorar a equipe onde tudo começou.
O ex-atacante só voltou a ser técnico no Heerenveen, entre 2012 e 2014. Fez um trabalho razoável. Tanto que, antes da temporada 2014/15 da Eredivisie, foi contratado pelo AZ. Num clube um pouco mais ambicioso, poderia ser a grande oportunidade de reconquistar algum crédito como técnico. Mas 2014 foi um ano de emoções fortes demais para quem fazia 50 anos. Em julho, morreu o pai Joop, seu grande incentivador. O trauma de perder o principal responsável por sua carreira no futebol somou-se ao perfeccionismo excessivo que Marco sempre teve. Algumas crises de ansiedade foram suficientes para que Van Basten abrisse mão do trabalho no AZ. Primeiro, pedindo licença do cargo de técnico, em setembro. Depois, decidindo encerrar a carreira de técnico, para virar auxiliar. Então, Van Basten justificou: "A vida é uma só para todos, e temos de torná-la melhor, pelo menos”.
Van Basten encerrou a carreira de técnico - mas segue no futebol, e segue com algumas polêmicas (VI Images/Getty Images) |
O que não quer dizer que Van Basten voltou a se afastar do mundo do futebol. Até voltou à seleção holandesa, sendo auxiliar técnico de Danny Blind, entre 2015 e 2016. Nesse ano, o ex-atacante deixou a comissão técnica da seleção, contratado pela FIFA como conselheiro técnico. Também não deu certo: algumas de suas sugestões, como o fim do impedimento, foram muito mal vistas, e Van Basten deixou o cargo em 2018. Foi quando ele abriu sua faceta de comentarista: primeiro na FOX Sports holandesa, depois em outro canal a cabo, o Ziggo Sport. E houve pelo menos uma polêmica: em 2019, fazendo uma gozação com o sotaque do repórter Hans Kraay ao falar alemão, Van Basten proferiu a saudação nazista "sieg heil". Pegou mal: com fortes críticas pelo gracejo sem graça, não só o ex-atacante pediu desculpas, mas foi suspenso por uma semana pela FOX Sports, onde trabalhava. Houve consequências até no FIFA 19: sua carta no modo "Ultimate Team" foi retirada após a celeuma.
Atualmente, no Ziggo Sport, Van Basten vez por outra divide espaço nas mesas redondas até com nomes como seu histórico parceiro Ruud Gullit. Mas o que ficará de sua trajetória no futebol é o que fez dentro dos campos. Todos os que o viram jogar lamentam ter durado tão pouco. Mas, como compôs e cantou o outro, talvez foi por ter durado pouco que sua carreira como jogador foi inesquecível.
(Adaptação e atualização do texto feito por Felipe dos Santos Souza para a Trivela, quando Van Basten completou 50 anos de idade, em 31 de outubro de 2014)
Nenhum comentário:
Postar um comentário