domingo, 28 de julho de 2024

Laranja Mecânica, primeira e única - 3º capítulo: perdas antes dos ganhos

Estes foram os jogadores da Holanda convocados para a Copa de 1974. Mas àquela altura, ninguém sabia que marcariam época (Arquivo ANP)

Introdução


Como se comentou no capítulo passado, Rinus Michels já começou a ter uma ideia dos nomes com que poderia contar para a Holanda (Países Baixos) na Copa de 1974, logo após o primeiro amistoso em que comandou a Laranja. Só precisava treiná-los com toda a intensidade possível. E isso precisaria começar o mais rápido possível: em 30 de abril de 1974, o treinador forneceu à FIFA uma lista preliminar de 30 convocados.

GOLEIROS
Jan Jongbloed (FC Amsterdam), Piet Schrijvers (Twente), Eddy Treijtel (Feyenoord), Jan van Beveren (PSV), Heinz Stuy (Ajax) e Ton Thie (FC Den Haag - atual ADO Den Haag)

DEFENSORES
Wim Suurbier (Ajax), Barry Hulshoff (Ajax), Ruud Krol (Ajax), Dick Schneider (Feyenoord), Wim Rijsbergen (Feyenoord), Joop van Daele (Feyenoord), Rinus Israël (Feyenoord), Harry Vos (Feyenoord), Cornelius "Kees" van Ierssel (Twente), Epy Drost (Twente), Willem de Vries (Twente) e Kees Kornelis (NEC)

MEIO-CAMPISTAS
Johan Neeskens (Ajax), Gerrie Mühren (Ajax), Arie Haan (Ajax), Wim Jansen (Feyenoord), Theo de Jong (Feyenoord), Willem van Hanegem (Feyenoord), René Notten (Twente), Pleun Strik (PSV), Willy van de Kerkhof (PSV) e Chris Dekker (FC Amsterdam)

ATACANTES
Johnny Rep (Ajax), Jan Mulder (Ajax), Piet Keizer (Ajax), Henk Wery (Feyenoord), Theo Pahlplatz (Twente), René van de Kerkhof (PSV), Harry Lubse (PSV), Willy van der Kuylen (PSV), Willy Brokamp (MVV Maastricht), Johan Cruyff (Barcelona-ESP), Robert Rensenbrink (Anderlecht-BEL) e Ruud Geels (Club Brugge-BEL)

Todos eles chegaram para a reta final de treinamentos, na cidade holandesa de Hengelo, antes mesmo da viagem para a Alemanha. E neles, Rinus Michels já notou certas coisas. E teve de passar por certas perdas até formar os 22 convocados para a Copa. Dois deles tinham tudo para serem titulares, mas não resistiram a problemas físicos. O primeiro deles, justamente quem sugerira primeiro o nome do treinador do Barcelona para comandar a Laranja no Mundial: Barry Hulshoff. O zagueiro do Ajax já chegou para os treinos em más condições, e não demorou muito para ser cortado.

Outro nome que foi desligado da delegação mas poderia ter contribuído na Copa de 1974 foi Jan van Beveren, goleiro do PSV. Aí, a situação foi mais dramática. Porque Van Beveren era considerado na época (e continua sendo, 50 anos depois) um dos melhores goleiros já aparecidos no Reino dos Países Baixos. Seguro na meta, alto, elástico, calmo, com espírito de liderança... contudo, pelo que já se contou no segundo capítulo, se sabia que ele tinha muitas reservas - para nem dizer oposição - ao comportamento de muitos jogadores dentro do grupo de convocados, principalmente em relação a questões comerciais e interesses financeiros. Para piorar, Van Beveren vinha de uma séria lesão muscular na virilha, sofrida ainda em 1974. Só aceitou a convocação porque estava focado: queria que 1974 fosse sua Copa. Queria ser o titular.

Jan van Beveren, dos melhores goleiros holandeses de todos os tempos, poderia ter estado na Copa de 1974 - mas uma lesão e problemas de relacionamento causaram seu corte (Pro Shots)

Aí, entrou Rinus Michels. Até pelo pouco tempo de trabalho na seleção, o treinador exigia dedicação absoluta e ritmo já alto. Tanto que seriam feitos quatro amistosos até a estreia na Copa, em 15 de junho de 1974. Van Beveren ponderou: queria evitar testes desnecessários, já que ainda voltava de lesão. Em 23 de maio, o primeiro amistoso - na verdade, mais um jogo-treino: vitória por 2 a 1 sobre o Hamburgo. Michels queria que o goleiro jogasse: afinal de contas, pretendia ver o time que seria titular na Copa. Mas Van Beveren se recusou. Michels forçou: ou ele jogava, ou seria cortado. Van Beveren se negou, e foi desligado. Já estava em forma para poder jogar, entretanto, muito se pensa: Michels preferiu aquele corte abrupto para evitar o confronto praticamente inevitável entre o arqueiro e Johan Cruyff, Johan Neeskens, Willem van Hanegem... enfim, todos aqueles que o arqueiro julgava mercenários. A lesão foi um "álibi" para sua decisão de cortar Van Beveren.

Eram duas perdas. Vieram mais, entre os 30 pré-convocados: goleiros como Ton Thie e Heinz Stuy (titular do Ajax campeoníssimo dos anos anteriores), zagueiros como Epy Drost e Joop van Daele, o meio-campo Gerrie Mühren, o atacante Willy van der Kuylen (simplesmente o maior goleador da história do Campeonato Holandês)... um dos cortes foi até engraçado, quando restavam apenas dois a serem desligados para a formação dos 22 finais. O atacante Willy Brokamp, do MVV Maastricht, tinha tanta certeza de que seria um desses dois que perguntou a Rinus Michels: "Ei, professor, qual será o outro além de mim?" Brokamp estava certo: além dele, o atacante Jan Mulder foi o outro a perder a chance de estar na Copa. Pelo menos, não ficaram mágoas de Rinus Michels...

E esta foi a lista definitiva:

GOLEIROS
8-Jan Jongbloed (FC Amsterdam)
18-Piet Schrijvers (Twente) 
21-Eddy Treijtel (Feyenoord)

DEFENSORES
20-Wim Suurbier (Ajax) 
12-Ruud Krol (Ajax)
17-Wim Rijsbergen (Feyenoord)
5-Rinus Israël (Feyenoord) 
4-Cornelius "Kees" van Ierssel (Twente)
19-Pleun Strik (PSV)
22-Harry Vos (Feyenoord)

MEIO-CAMPISTAS
14-Johan Cruyff (Barcelona-ESP) 
13-Johan Neeskens (Ajax) 
2-Arie Haan (Ajax)
3-Wim van Hanegem (Feyenoord) 
6-Wim Jansen (Feyenoord)
7-Theo de Jong (Feyenoord)
10-René van de Kerkhof (PSV)
11-Willy van de Kerkhof (PSV)

ATACANTES
15-Robert Rensenbrink (Anderlecht-BEL) 
16-Johnny Rep (Ajax)
9-Piet Keizer (Ajax) 
1-Ruud Geels (Club Brugge-BEL)

Todos eles já estavam relacionados para o primeiro amistoso "para valer" da preparação da Oranje rumo à Copa: contra a Argentina, no Estádio Olímpico de Amsterdã (era a sede da seleção holandesa para amistosos e partidas oficiais, na capital, antes da Johan Cruyff Arena), em 26 de maio de 1974. O resultado foi bom: uma goleada por 4 a 1. O desempenho, nem tanto: a torcida não lotou, o time ainda não brilhou, e a formação de zaga deixava o time estático, com dois "zagueiros-zagueiros", Pleun Strik (PSV) e Rinus Israel (Feyenoord - Israel ficara na convocação final para a Copa, superando dores no joelho).

Rinus Michels e Johan Cruyff: os dois diferentes que se entendiam pelo bem da seleção holandesa antes da Copa de 1974 (Wilfried Witters/PRESSE SPORTS/Presse Sports)

Isto seria corrigido. A partir de pensamentos de Rinus Michels, vindos, entre outros lugares, de conversas que ele tinha com... Johan Cruyff, no decorrer da preparação. Sim, ambos tinham grandes diferenças de visão sobre o futebol. Cruyff gostava da beleza do jogo; Michels até considerava isso, mas o resultado sempre vinha em primeiro lugar. Ainda assim, o técnico reconhecia que o capitão da seleção que treinava era único entre seus pares, era taticamente diferenciado, era já naquela época o melhor jogador de futebol que nascera em território neerlandês. Partiu de Cruyff - ou Cruijff, como se escrevia mais comumente na época -, por exemplo, a sugestão de fazer Jan Jongbloed o goleiro titular da seleção, por saber jogar melhor com os pés, quase como um líbero. Logo Jongbloed, que só tinha uma partida pela seleção até 1974, disputada... 12 anos antes.

Reza a lenda, inclusive, que numa dessas conversas na concentração em Hengelo, Rinus Michels teria jogado uma pedra num lago nas redondezas. Cruyff viu aquilo e comentou: "Veja, professor, que interessante! A partir do impacto da pedra, ela cria círculos ao redor do local do impacto!". Michels respondeu: "Poxa, poderíamos fazer isso com nosso time".

Não se sabe se é verdade ou se é mentira. Talvez seja mentira. Mas essas conversas entre Michels e Cruyff, dois diferentes que se respeitavam, traçaram as bases do que se veria na Holanda da Copa de 1974....

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