quarta-feira, 31 de julho de 2024

Laranja Mecânica, primeira e única - 5º capítulo: a euforia cresce e diminui

Na segunda partida pela Copa de 1974, a Holanda atacou, mas teve na Suécia um adversário que se segurou e até tentou responder. O 0 a 0 diminuiu um pouco a empolgação (Getty Images)

Introdução





O que uma grande estreia não faz... bastou a seleção da Holanda (Países Baixos) fazer 2 a 0 com tremenda atuação em seu primeiro jogo na Copa de 1974, contra o Uruguai, para que hordas e hordas e mais hordas de holandeses atravessassem a fronteira, fosse da maneira que fosse, para assistirem à Laranja na Alemanha. Um bom exemplo vinha da agência de viagens Maduro, sediada em Haia. Antes da estreia, ela tinha vendido mil pacotes de viagens para a Copa do Mundo, ingressos inclusos; depois da vitória, foram dez mil pacotes vendidos. Parecia que todos os problemas anteriores haviam desaparecido. Como as citadas dificuldades na campanha pelas eliminatórias do Mundial. Ou as dificuldades de Rinus Michels para montar a equipe titular. Ou mesmo a oposição da torcida à postura dos jogadores, considerada mercenária. 

Não era sem motivo: a partir da influência do agente - e sogro - Cor Coster (1920-2008) sobre Johan Cruyff, o capitão da seleção, ele influía no desejo do grupo de jogadores em pedir mais dinheiro à federação, por sua própria postura. Cruyff era dos primeiros futebolistas daqueles tempos a se comportar - e a pedir pagamentos - como uma estrela. Prova disso era a negociação para que o "Número 14" divulgasse uma empresa de material esportivo, pouco antes da Copa. A Puma tinha a proposta de 1,5 mil florins (moeda dos Países Baixos pré-euro); Cruyff achava pouco, e Cor Coster já tinha um princípio de acordo com a Adidas, para usar como trunfo na negociação. A Puma soube e... aumentou a oferta para 250 mil florins. Pronto: Cruyff aceitou, e como contratado da empresa fundada por Rudolf Dassler, se negou a usar a camisa holandesa "normal" da Copa, com as três listras da Adidas (de Adolf "Adi" Dassler). Exigia as duas listras. E foi acompanhado pelos irmãos Van de Kerkhof, Willy e René. Tais posturas desagradavam a torcida. Ainda mais com a falta de resultados dentro de campo.

Cor Coster (à direita) ajudou o genro Cruyff a fortalecer sua imagem e seus ganhos, mas também tornou a postura dele controversa (Arquivo ANP)

Mas isso era passado. A euforia tinha crescido logo que a Copa começou - ainda mais com um começo daqueles para a Laranja... e a popularidade começava a rondar mais o Waldhotel, na cidade alemã de Hiltrup, quartel-general da delegação neerlandesa durante o torneio. No ambiente interno, porém, antes do jogo contra a Suécia, Rinus Michels surpreendeu de novo. Durante a preparação para a Copa, ainda nos treinos em Hengelo, o treinador já comunicara a Piet Keizer (1943-2017): ele ficaria na reserva de Rensenbrink, por se encaixar menos no time do que o camisa 15 faria. Keizer, dos melhores pontas holandeses dos anos 1960 e 1970, destaque do Ajax campeoníssimo dos anos recentes, até achava que poderia ser titular, mas aceitou bem a decisão de Michels - e, de fato, vivia em má fase. Tudo isso, para, dias antes do jogo contra a Suécia, saber que ele seria o titular do ataque holandês, ao lado de Johnny Rep (e à frente de Johan Cruyff), e não Rensenbrink. Explicações? Rinus Michels não deu. Seria daquele jeito, e pronto. 

Piet Keizer se destacou muito no futebol holandês, nos anos 1960 e 1970, mas já estava na descendente da carreira na Copa de 1974. E só apareceria em campo contra a Suécia (Bert Verhoeff/Anefo)

Assim a Holanda começou o jogo, num Waldstadion de Dortmund que já estava bem mais repleto de holandeses do que o estádio Niedersachsen, em Hannover, estava na estreia. Só que a Suécia também era um time bem mais exigente do que o Uruguai tinha sido. Tinha um goleiro respeitável em Ronnie Hellström (1949-2022); um zagueiro já experiente em Bjorn Nordqvist; e a dupla de ataque formada por Ralf Edström e Roland Sandberg não faria nada feio naquela Copa. Tanto que a Suécia seria a outra classificada do grupo 3 para a segunda fase. E tanto que a Suécia é que começaria atacando. Aos 2', Edström tentou um cabeceio e só não conseguiu porque Jongbloed se antecipou e afastou; no minuto seguinte, o meio-campo Ove Grahn arriscou de fora, e o goleiro da camisa 8 defendeu firme.

Depois dos sustos, a Laranja acordou. No ataque (aos 4', Keizer passou e Van Hanegem bateu para fora) e na defesa (só aos 8', a defesa já tinha montado duas linhas de impedimento, deixando os suecos em condição ilegal de jogo). Aos poucos, Keizer deu razão às desconfianças, se mostrando tímido demais nos ataques pela esquerda. Krol até tentou avançar no começo, mas quem cobriu a lacuna? Claro, o homem que sempre se mexia, tudo via e tudo sabia de bola na Holanda: Hendrik Johannes Cruijff, o Johan Cruyff, que começou a cruzar bolas (como a que passou por Johan Neeskens na pequena área, aos 12'; a que Neeskens voleou para fora, aos 17'; e a que Johnny Rep escorou por cima do gol, aos 29'), a chutar (aos 14', arremate defendido por Hellström)... e a driblar. Como faria em lance que se tornou histórico, aos 23 minutos da etapa inicial: tentando passar pelo lateral Jan Olsson na área, Cruyff deu um giro de corpo que "descadeirou" Olsson. Nascia ali a "Cruyff Turn", o "giro de Cruyff". No triste 24 de março de 2016 em que o "Número 14" faleceu, o lateral sueco foi ouvido pelo jornal inglês The Guardian. E celebrou: "Eu me lembro daquele lance todo dia".


A Holanda sempre atacava. Mesmo assim, a Suécia lembrava aqui e ali que não estava morta no jogo, e que tinha capacidade técnica. Assustou no primeiro tempo, aos 21': em cobrança de falta ensaiada, Sandberg bateu após ajeitarem, e Jongbloed rebateu - na sequência, o meio-campo Inge Ejderstedt chegou à área com a bola, mas completou para fora. Na etapa final, Ejderstedt voltou a aparecer, aos 49', num chute após escanteio (Jongbloed pegou). Só que a Holanda, mais veloz, amparada por Cruyff velocíssimo e Neeskens em outra boa atuação, criou várias chances - a primeira, aos 52', voleio de Rep por cima do gol. As chances fizeram Hellström brilhar no gol da Suécia. Mesmo sem milagres, o camisa 1 esteve a postos para pegar chute colocado de Cruyff, aos 55'; arremate de Van Hanegem, aos 62'; cruzamento rasteiro de Keizer na pequena área, aos 65' (pouco antes, Keizer chutara torto para fora, da entrada da área, causando reclamações de Cruyff); e nova tentativa de Cruyff, aos 79'. A Suécia só teve mais uma grande chance, aos 80': após lançamento e desvio de cabeça, Ejderstedt ajeitou, mas Sandberg perdeu o gol. No mais, a Laranja tentou o "abafa", até defensores como Wim Rijsbergen foram para a área... mas o placar ficou num 0 a 0. Divertido, mas 0 a 0.

Que diminuiu um pouco a euforia da estreia. Só um pouco. Porque, no jogo seguinte da Holanda na Copa de 1974, ela cresceu e nunca mais diminuiu.




COPA DO MUNDO FIFA 1974 - FASE DE GRUPOS - GRUPO 3

Holanda 0x0 Suécia

Data: 19 de junho de 1974
Local: Waldstadion (Dortmund)
Árbitro: Werner Winsemann (Canadá)

HOLANDA
Jan Jongbloed; Wim Suurbier, Arie Haan, Wim Rijsbergen e Ruud Krol; Wim Jansen, Willem van Hanegem (Theo de Jong, aos 73') e Johan Neeskens; Johan Cruyff; Piet Keizer e Johnny Rep. Técnico: Rinus Michels

SUÉCIA
Ronnie Hellström; Jan Olsson (Roland Grip, aos 75'), Kent Karlsson, Bjorn Nordqvist e Björn Andersson; Ove Grahn, Bo Larsson, Staffan Tapper (Örjan Persson, aos 61') e Inge Ejderstedt; Ralf Edström e Roland Sandberg. Técnico: Georg Ericson

Nenhum comentário:

Postar um comentário