segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Wesley Sneijder e o fim discreto

Primeiro Van Persie, depois Robben... agora, Sneijder coloca o capítulo final em sua carreira - e torna apenas lembrança uma geração marcante no futebol da Holanda (VI Images/Getty Images)
Já era previsível que o fim da carreira de Wesley Sneijder se aproximava há alguns anos - mais precisamente, desde 2017, quando ele deixou o Nice, da França, e rumou para o Al-Gharafa, do Catar. Em 2018, mais um sinal: tão logo assumiu como técnico da seleção da Holanda, Ronald Koeman chamou Sneijder para uma conversa e lhe recomendou que desistisse de esperar por uma convocação, após os 31 gols e, principalmente, 134 jogos entre 2003 e 2018, que fizeram do meio-campista o nome a mais ter jogado na história do time masculino da Laranja. Veio uma convocação e um jogo "de despedida", no 2 a 1 contra o Peru em amistoso. E nesta segunda-feira, 12 de agosto, ao anunciar um acerto empresarial com o Utrecht (clube de sua cidade), "Wes" comentou discretamente: "Meu sentimento pela cidade é grande, e agora parei de jogar". É o fim da carreira do último integrante do trio que tanto marcou nas Copas de 2010 e 2014: primeiro Robin van Persie, depois Arjen Robben, agora Sneijder. Aparentemente, mais discreto do que os outros dois. Deveria ser diferente. Porque se Sneijder teve o "pior" fim de carreira dos três símbolos da geração vice-campeã mundial na África do Sul e 3ª colocada no Brasil, também é verdade que Sneijder foi o mais falado deles, por algum tempo. Característica que começou, aliás, desde seus tempos de Ajax.

Sneijder já chamava a responsabilidade com sucesso no início pelo Ajax (VI Images/Getty Images)

Popular desde o começo

Vindo de uma família de jogadores - seu pai e seu irmão mais velho foram profissionais, assim como o irmão mais novo, Rodney -, Wesley foi evoluindo nos times de base Ajacieden, em De Toekomst ("O Futuro", em holandês), a afamada escola do clube de Amsterdã. Já durante a temporada 2002/03, começou a frequentar o banco da equipe principal, então treinada por Ronald Koeman. Finalmente, em 2 de fevereiro de 2003, na 17ª rodada do Campeonato Holandês, no 6 a 0 do Ajax sobre o Willem II, o jovem - e então, cabeludo - meio-campista jogou pela primeira vez. Mais um pouco, e em 5 de março, quando os Amsterdammers golearam o Groningen pelas quartas de final da Copa da Holanda (4 a 1), Sneijder fez seu primeiro gol pelo Ajax. Já fazia por merecer a titularidade, que ostentou nas quartas de final da Liga dos Campeões daquela temporada 2002/03, contra o Milan. E teve sua primeira chance na seleção da Holanda: em 30 de abril de 2003, substituiu Phillip Cocu num amistoso contra Portugal (1 a 1).

Sem dúvidas, o novato nascido em Utrecht justificava o conselho de Danny Blind, então treinador do time B do Ajax, para que Koeman o promovesse à equipe de cima. Faria mais ainda na temporada 2003/04. Pelo clube, foram nove gols, uma vaga inquestionável de titular, e o destaque no título holandês dos Ajacieden - e para Sneijder, o "Troféu Johan Cruyff", como melhor jogador jovem daquela Eredivisie. Na seleção, foi ainda melhor. Já frequentando as convocações de Dick Advocaat para a Laranja, Sneijder era testemunha de luxo das dificuldades na campanha das eliminatórias da Euro 2004. A Oranje foi para a repescagem contra a Escócia, e perdeu o jogo de ida - 1 a 0, em Glasgow. O pedido da torcida e da imprensa foi massivo: Sneijder pedia passagem, precisava ser titular. Ele foi, no jogo de volta da repescagem, em 19 de novembro de 2003, em Amsterdã. E o cidadão de 19 anos agarrou a chance com unhas e dentes: um gol, três passes para outros gols, Holanda 6 a 0, vaga assegurada na Euro, Sneijder como o herói de uma nova geração que surgia.



Dali por diante, em clubes, o Ajax acabou sendo vítima de uma de suas periódicas crises internas, vendo o começo do tetracampeonato do PSV. Mas Sneijder protagonizava outra ascensão fulgurante de uma revelação do futebol da Holanda: no time de Amsterdã, passara a ser destaque, com a saída de Rafael van der Vaart para o Hamburgo, em 2005. Conseguiu dois títulos da Copa da Holanda, em 2004/05 e 2006/07. E se destacou pelo comando pleno na armação das jogadas - e por gols como este nos 5 a 1 contra o PSV, na temporada 2006/07 do Campeonato Holandês. 

Na seleção holandesa, Sneijder aprendia rápido. Previsivelmente convocado para a Euro 2004, durante a qual completou 20 anos, acabou nem jogando muito - só 13 minutos, entrando contra a Letônia, na fase de grupos. Ainda tinha gente à sua frente entre os titulares no meio-campo: tanto veteranos como Edgar Davids e Phillip Cocu, quanto colegas de geração como Van der Vaart. Só fez três partidas pela Laranja em 2005. Mas começou a fazer a transição do banco para o campo num dos momentos mais propícios para jovens crescerem: a Copa do Mundo. Convocado em 2006 (chegou a temer o corte após torcer o tornozelo no último amistoso antes, contra a Austrália, mas se recuperou), foi titular em todas as partidas da Laranja no Mundial da Alemanha. Ainda não era figura central. Mas ali, de certa forma, começou a ser.

Sneijder até cumpriu seu papel. Mas acabou sucumbindo às idas e vindas do Real Madrid (Jasper Juinen/Getty Images)

Real Madrid, uma experiência decepcionante

Exatamente pela capacidade que mostrava de ser protagonista, de centralizar as ações e armações ofensivas de um time, Sneijder mereceu a aposta do Real Madrid em 2007. Já titular absoluto da Holanda àquela altura, o nativo de Utrecht se foi para o clube espanhol, por € 12 milhões. Até viveu bons momentos no título de La Liga em 2007/08, como titular dos Merengues. Que turbinou as expectativas pelo que ele poderia fazer na Euro. Enfim camisa 10 da Laranja, Sneijder brilhou no torneio continental de seleções: fez gol no retumbante 3 a 0 sobre a Itália que marcou a estreia holandesa, mais outro nos 4 a 1 sobre a França, mostrou bons lançamentos, criou jogadas... enfim, "Wes" mereceu o posto na seleção dos melhores da Euro, mesmo com a eliminação nas quartas. Voltou à Holanda como uma estrela. Dentro e fora de campo, com a rumorosa separação do primeiro casamento, com Ramona, e a subsequente união com Yolanthe Cabau-van Kasbergen, holandesa de ascendência espanhola, já então famosa modelo e apresentadora.

Mas nada disso serviu para que Sneijder fosse considerado fundamental nos anos vindouros do Real Madrid. Mesmo titular da equipe madridista em 2008/09, mesmo como personagem certo do clube numa época de profundo desacerto, o holandês foi mais um desconsiderado com o retorno de Florentino Pérez à presidência do clube, em 2009. A chegada de Kaká sinalizava que o destaque no meio-campo do Real seria outro. E Wesley tomou o mesmo decepcionante rumo de compatriotas como Arjen Robben: virou "moeda de troca". Na reta final da janela de transferências do começo da temporada 2009/10, foi vendido à Internazionale, por € 27 milhões. A reação foi rápida - e histórica.

Sneijder, o filho, a taça da Liga dos Campeões: a temporada 2009/10 representou o apogeu dentro e fora de campo para Sneijder (Alex Lifesey/Getty Images)

2010, uma odisseia para Sneijder

Sneijder assinou contrato com a Inter em 27 de agosto de 2009, uma sexta-feira, mesmo dia de sua chegada a Milão. No dia seguinte, havia simplesmente um clássico milanês, com a equipe nerazzurra enfrentando o Milan pelo Campeonato Italiano. Sneijder já estava apto, inscrito, e aceitou ir para o jogo no Giuseppe Meazza. Bastou para ser um dos principais personagens da goleada interista por 4 a 0. Era o início do grande ano, do apogeu da carreira do cidadão nascido no bairro de Ondiep, em Utrecht.

Pela Internazionale, Sneijder foi o dínamo ofensivo da equipe de José Mourinho. Diego Milito, Samuel Eto'o, Goran Pandev: todos eles finalizavam jogadas saídas predominantemente dos pés do camisa 10. Foi ele a cara da Tríplice Coroa do clube de Appiano Gentile: pentacampeã italiana, campeã da Copa da Itália, campeã da Liga dos Campeões. A boa fase seguia também na seleção da Holanda: um dos comandantes da classificação facílima à Copa de 2010, ele prometia ser o comandante da Laranja no Mundial da África do Sul.

Pois Sneijder foi. Enquanto Arjen Robben não chegava, foi ele o nome a se destacar nas primeiras partidas - como no 1 a 0 contra o Japão, quando fez o gol da vitória. E mesmo após o camisa 11 se integrar à delegação na Copa, Sneijder brilhou cada vez mais intensamente. Foi um dos nomes do 2 a 1 na Eslováquia, nas oitavas de final, lançando para Robben abrir o placar e marcando o segundo gol. Nas semifinais, contra o Uruguai, foi fundamental novamente, com o gol que recolocou a Laranja na frente de um jogo árduo. Mas é óbvio: o jogo que marcará para sempre a trajetória de Sneijder pela seleção de seu país foi em 2 de julho de 2010, em Port Elizabeth. Afinal, com os dois gols contra o Brasil (somados aos outros três, tornando-o um dos goleadores da Copa), o camisa 10 holandês simbolizou a reação inesperada da Oranje para a virada por 2 a 1, após um primeiro tempo apagado contra a Seleção. Para alguns, simboliza como ele deveria ter sido um dos indicados a melhor do mundo segundo a FIFA, naquele ano.



Decadência lenta e gradual


Porém, após o brilho intenso em 2010, Sneijder foi caindo. Aos poucos. Primeiro, por clubes: nos seus anos restantes na Internazionale, nunca chegou perto de igualar o desempenho inicial que tivera, como boa parte de seus companheiros na Tríplice Coroa de 2009/10. Foi perdendo importância, até partir para o Galatasaray, em janeiro de 2013, no meio de uma temporada. Claro, chegou para ser titular no time aurirrubro de Istambul, caiu nas graças da torcida, manteve o ritmo de jogo, continuou dono de lançamentos precisos e de gols importantes. Mas a impressão é de que começara a reta final de sua carreira.

Na seleção holandesa, ocorreu mais ou menos a mesma coisa. A badalação midiática que Sneijder protagonizava durante épocas anteriores se virou contra ele: apagado no vexame da eliminação na primeira fase da Euro 2012, o camisa 10 começou a ser pressionado, até mesmo criticado por dar mais importância ao casamento com Yolanthe do que aos campos. Claro que não era assim, mas aos poucos, "Wes" caiu de produção, comparado com seus companheiros Van Persie e Robben, que assumiram a liderança na seleção da Holanda. De certa forma, a Copa de 2014 refletiu isso. Sneijder foi convocado, e foi titular absoluto. Mas só brilhou, mesmo, ao empatar o difícil jogo das oitavas de final, contra o México. De resto, seus lançamentos eram pouco, para o que se esperava dele. E a cobrança perdida na decisão por pênaltis, na semifinal contra a Argentina, deu a incômoda impressão de que seu tempo passara.

Sneijder ainda seguiu, nas malogradas campanhas de qualificação para a Euro 2016 e para a Copa de 2018. Mas já não conseguia ser mais o que um dia fora, tendo raros momentos de destaque: como contra Luxemburgo, nas eliminatórias da Copa, quando não só bateu o recorde de Edwin van der Sar e se tornou o jogador com mais partidas pela Laranja (131 - chegaria a 134), como também fez gol. Mesmo no Nice-FRA, para o qual se transferira em 2017, o meia passou quase em brancas nuvens. A ida para o Al-Gharafa, do Catar, no meio de 2018, já era uma preparação prévia para o que fatalmente viria. O fim já fora indicado na bonita despedida da seleção, no ano passado, quando Sneijder teve Yolanthe (de quem se separou neste 2019) e os filhos Xess Xava e Jessey a seu lado, após um amistoso contra o Peru, vendo um vídeo produzido em sua homenagem.

Sneijder decaiu ao longo da década. Mas teve a saudação que merecia na despedida da seleção da Holanda, em 2018 (VI Images/Getty Images)
E agora, veio a confirmação do que se previa há pelo menos dois anos. Pela decadência lenta, e pela vida privada sempre polêmica (demonstrada em fatos como sua prisão temporária, há algumas semanas, após confusão na saída de uma boate em Utrecht), Sneijder pareceu menos festejado do que Robben, que parou em alto nível no Bayern de Munique, ou Van Persie, que voltou ao Feyenoord, palco de sua estreia. Injusto, de certa forma: no seu auge, Sneijder simbolizou o retorno da Holanda às grandes decisões. No seu auge, Sneijder foi o maior de uma geração que para. E que fará falta.

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