sexta-feira, 30 de junho de 2023

A Holanda na Copa feminina - as 23 convocadas: Groenen

 
Jackie Groenen não conseguiu aproveitar o impulso que teve na Copa de 2019: de lá para cá, sofreu com algumas lesões. Em 2023, pode se recuperar em campo (KNVB Media)

Ficha técnica
Nome: Jackie Noëlle Groenen
Posição: Meio-campista
Data e local de nascimento: 17 de dezembro de 1994, em Tilburg (Holanda)
Clubes na carreira: SGS Essen-ALE (2011), FCR Duisburg-ALE (2011 a 2014), MSV Duisburg-ALE (2014), Chelsea-ING (2014 a 2015), FFC Frankfurt-ALE (2015 a 2019), Manchester United-ING (2019 a 2022) e Paris Saint Germain-FRA (desde 2022)
Desempenho na seleção: 97 jogos e 9 gols, desde 2016
Torneios pela seleção: Euro 2017 (6 jogos, nenhum gol), Copa de 2019 (7 jogos, 1 gol), torneio olímpico de 2020+1 (4 jogos, nenhum gol) e Euro 2022 (3 jogos, nenhum gol)

(Versão revista e ampliada do texto de apresentação para o guia deste blog na Copa de 2019)

Quando a Copa do Mundo de 2019 terminou, o céu parecia o limite para Jackie Groenen. Combativa na marcação sem deixar de tentar ajudar o ataque - como até mostrou o gol decisivo na semifinal contra a Suécia -, a jogadora da camisa 14 (gosta do número em razão da admiração que tem por Johan Cruyff) já confirmara a transferência para o Manchester United, e uma boa atuação nos Diabos Vermelhos poderia catapultá-la para estágios ainda maiores dentro do futebol feminino no mundo. De lá para cá, porém, Groenen teve problemas, principalmente com lesões. E chega à segunda Copa do Mundo da carreira sem ocupar o espaço que pode ocupar. Porém, sabe-se que suas qualidades ainda estão lá. E elas podem fazer com que os jogos em Austrália/Nova Zelândia sejam uma espécie de "segunda chance" para a meio-campista holandesa.

Ao invés de meio-campista holandesa, Jackie Groenen poderia ter sido uma judoca belga. Afinal de contas, por mais que tivesse nascido na Holanda (mais precisamente, na cidade de Tilburg), Groenen morava com a família na cidade de Poppel, na Bélgica. E passou toda a infância em Poppel. Entretanto, na hora de começar a jogar, era mais cômodo cruzar a fronteira, como a meio-campista comentou numa série de entrevistas ao jornal De Volkskrant: "orávamos na Bélgica, mas na Holanda, você podia jogar num time de garotos até os 19 anos". E lá se foram duas irmãs Groenen, Jackie e Merel, jogarem no GSBW (Goirlese Sportvereniging Blauw-Wit), clube amador da cidade de Goirle. Ambas motivadas também pelo pai, um amante de futebol. E a dupla Jackie-Merel seguiu por mais dois clubes amadores da Holanda, o VV Riel e o Wilhelmina Boys. Nas seleções de base, o caminho de Jackie começou em 2009, com a primeira convocação para a equipe sub-17 da Holanda -foram seis jogos pela equipe, até 2010.

Enquanto começava no futebol, Jackie Groenen também fazia bonito no judô. Mas as lesões no tatame e o amor pela bola a levaram a deixar a modalidade de lado (judoinside.com)

Só que Jackie também começava a subir de nível no judô. Isso mesmo: o projeto de meio-campista também se revelava judoca promissora nas categorias menores, conquistando o tricampeonato holandês sub-15 na categoria feminina até 32 kgs (2007, 2008 e 2009). Em 2010, Groenen subiu de categoria no judô - passou a competir entre as judocas até 40kgs -, e continuou tendo grandes resultados. Na categoria até 44kgs, foi vice-campeã holandesa sub-20; até 40kgs, foi campeã holandesa e terceira colocada no campeonato europeu sub-17 de judô. Mais um ano, e em 2011, veio outro troféu: campeã holandesa sub-20 de judô, na categoria até 44kgs.

Em 2011, chegou a hora de escolher um caminho. No futebol, ainda com a irmã Merel Groenen, Jackie começou a carreira profissional, indo para a Alemanha, jogar no SGS Essen - fez seis jogos na temporada 2010/11. Logo que a temporada se encerrou, Groenen acertou a transferência imediata para o FCR Duisburg. Todavia, continuava acumulando a carreira no judô. Até que, um dia antes de uma rodada do Campeonato Alemão feminino, a jogadora sofreu uma fratura lombar numa luta no tatame. Ficou de fora, e foi repreendida pela direção do clube de Duisburg. Ali, Jackie Groenen tomou sua decisão profissional. A judoca encerrava a carreira, e o futebol virava prioridade. De certa forma, era a antecipação do que ocorreria, mais cedo ou mais tarde: Jackie disse à revista inglesa She Kicks que sempre preferiu o futebol, e que seria a sua opção definitiva.

A partir dali, como jogadora, Groenen se consolidou. No FCR Duisburg, ainda jogava pouco, mas já fazia seus gols: foram dois pela Bundesliga feminina em 2012/13, e mais dois em 2013/14. Ainda pelas seleções de base, a jogadora fez mais partidas pelo time sub-19 da Holanda. Porém, o clube de Duisburg dissolveu seu departamento de futebol feminino. A carreira profissional poderia ter acabado ali, até porque ela já começara o curso de Direito, na Universidade de Tilburg. Aí entrou o Chelsea: após entrar e sair do MSV Duisburg sem jogar oficialmente por ele, Groenen foi contratada pelos Blues, estreando em abril na Women Super League inglesa, num jogo do Chelsea contra o Bristol City (2 a 0 Chelsea). Foram poucas aparições defendendo o time de Stamford Bridge, em duas temporadas da liga inglesa: 14 jogos e 2 gols em 2014, 6 jogos e nenhum gol em 2015.

Só mesmo dentro de campo a sorridente Groenen mantém a seriedade (Simon Hofmann/Getty Images)

Foi ao voltar para a Alemanha que a carreira de Groenen deslanchou de vez. Em 2015, ela foi contratada pelo FFC Frankfurt. E só na equipe feminina de Frankfurt é que ganhou sequência como titular: na Bundesliga das mulheres pela temporada 2015/16, já foram 21 jogos, marcando um gol, exibindo qualidade na criação de jogadas (principalmente pelos lados). Paralelamente, chegava a hora de jogar por uma seleção feminina adulta. Pelos tempos passados na Bélgica, a meio-campista pensou em defender as Diablets. Nada feito: não tinha o passaporte belga. Mas a experiência nas seleções de base da Holanda foi lembrada: a jogadora foi chamada pelo técnico Arjan van der Laan, e teve sua primeira partida pelas Leoas num amistoso contra a Dinamarca, em 22 de janeiro de 2016.

O meio-campo da seleção feminina da Holanda estava com uma lacuna à espera de uma titular. Groenen aproveitou a chance. E ganhou o lugar justamente no título da Euro 2017 (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images)

Na temporada 2016/17, Groenen evoluiu pelo FFC Frankfurt: foram 22 jogos e 4 gols no campeonato alemão. Ao mesmo tempo, a seleção da Holanda tinha uma lacuna no meio-campo. Sarina Wiegman assumiu o comando da Laranja, e via a zagueira Stefanie van der Gragt sofrer com lesões, tendo de recuar costumeiramente a meio-campista Anouk Dekker para a defesa. Abria-se uma lacuna no meio-campo. Jackie estava a postos, e aproveitou a chance. Virou titular da Holanda, na reta final de preparação para a Euro 2017. Eis que tudo se acertou: Groenen se entrosou à perfeição com as colegas Sherida Spitse e Daniëlle van de Donk, a Holanda conquistou o título europeu, e Jackie foi escolhida entre as melhores jogadoras da Euro.

O título consolidou Jackie Groenen como destaque. De volta ao FFC Frankfurt, foram 20 jogos e 6 gols na temporada 2017/18 da Bundesliga feminina. Na seleção, veio mais um título, na amistosa Copa Algarve de 2018, e a titularidade absoluta na campanha das Eliminatórias da Copa. Groenen só se ausentou da repescagem que decidiu a vaga da Holanda no Mundial, por lesão no joelho. Nem isso freou sua utilização como um dos "símbolos" das Leoas na mídia: quase sempre sorridente e bem-humorada, Jackie foi alvo de várias fotos e entrevistas - por exemplo, numa série de preparação que o diário De Volkskrant fez, desde março de 2019, com reportagens para a Copa feminina.

Nem a lesão no joelho que a tirou da repescagem que pôs a Holanda na Copa de 2019 tirou o sorriso da cara de Groenen (Geert van Erwen/Soccrates/Getty Images)

De nada adiantaria, se Groenen não oferecesse qualidade nos ataques da Holanda, criando as jogadas pelos lados e se alternando bem com Van de Donk nas ajudas ao trio ofensivo das Leoas. Até por isso, antes mesmo que a temporada 2018/19 terminasse, ela já tinha sido anunciada como o novo reforço do Manchester United, indo para Old Trafford assim que a Copa se acabasse. E para a meio-campista, o Mundial de mulheres só aumentou as expectativas. 

Na França, Groenen viveu um crescimento gradual e interessante em campo. Na estreia (1 a 0 contra a Nova Zelândia), foi considerada a pior holandesa em campo, a ponto de ter sido substituída aos 76'. Melhorou um pouco ainda na fase de grupos. Mais focada na marcação, enquanto Daniëlle van de Donk se dedicava mais ao ataque, cresceu  de produção no mata-mata da Copa do Mundo. E quando enfim ajudou o ataque, Groenen enfim viveu o momento que tanto sonhava: na semifinal contra a Suécia, já na prorrogação, teve um espaço para avançar. E tentou o seu primeiro chute a gol em todo o torneio. Sorte: acertou o canto direito da goleira sueca, Hedwig Lindahl, fazendo aos 99' o gol do 1 a 0. O gol que levou à Holanda à final da Copa feminina, em sua segunda participação na história do torneio. O gol que gerou uma das imagens mais icônicas que o futebol feminino já teve nos Países Baixos, nas comemorações. Groenen pode ter terminado a final em lágrimas, com a derrota para os Estados Unidos, mas a última impressão que ficava era das melhores.

A comemoração do gol de Groenen contra a Suécia, levando a Holanda à final da Copa de 2019, virou símbolo da popularidade que o futebol feminino ganhou por lá nos anos recentes (Robert Cianflone/Getty Images) 

Na chegada ao Manchester United, pensava-se em Groenen como a volante do time para os próximos anos. E até começou sendo assim, como titular na maior parte dos jogos dos Diabos Vermelhos pelo Campeonato Inglês. Mais do que o estilo de jogo em campo, a holandesa já se adaptou à Inglaterra de uma maneira boa e rápida. A ponto de ter sido reconhecida fora do futebol pela torcida: ganhou da associação inglesa de jogadores profissionais, na temporada 2019/20, o prêmio "Campeã da Comunidade", pelo bom tratamento dado aos torcedores, interagindo com eles após as partidas e até visitando hospitais infantis. De quebra, na seleção, estava estabelecida e mais do que entrosada no trio de meio-campo formado com Sherida Spitse e Van de Donk. Na temporada 2019/20, Groenen viveu a melhor fase da carreira - bruscamente interrompida pela pandemia de COVID-19. Pelo menos, fora de campo ela aproveitou para dar vazão a um lado que os holandeses conhecem: o lado musical. Aprendiz de violonista e tendo no canto o hobby preferencial, Groenen até apareceu num programa infantil da emissora NOS, tocando "Jolene", canção de Dolly Parton popularizada atualmente por Miley Cyrus. Ou mesmo em seu perfil no Instagram, cantando "Don't look back in anger", conhecido sucesso da banda Oasis.

Quando o futebol pôde retornar, a partir do segundo semestre de 2020, gradativamente Groenen foi para uma fase discreta da carreira. Continuou titular no Manchester United, porém não chegou a chamar a atenção: no quarto lugar dos Diabos Vermelhos pela Super League inglesa, foram 22 jogos, sem gols marcados, com somente um passe para gol. Na seleção, ainda houve momentos de brilho - como nos 7 a 0 sobre a Estônia, em novembro de 2020, ainda pelas eliminatórias da Euro feminina, quando a meio-campista fez dois gols. Mas disso não passou muito. E a comprovação veio no torneio olímpico de 2021, válido pelo ano anterior: no Japão, Groenen jogou em todos os minutos das Leoas Laranjas em campo - mas nunca se sobressaiu, na campanha da eliminação nas quartas de final. Novamente, o consolo veio fora de campo: ela ganhou um vínculo com seu ídolo nos campos, já falecido, passando a ser uma embaixadora da Fundação Johan Cruyff.

No Manchester United, Groenen vinha sendo titular. Até as lesões começarem a atrapalhar sua passagem ( Eddie Garvey/MI News/NurPhoto/Getty Images)

Ficaria pior ainda para a holandesa, a partir do segundo semestre de 2021. Porque no fim de outubro, após dois jogos pelas eliminatórias da Copa, a holandesa sofreu uma lesão muscular na coxa - que a tirou do Manchester United pelo resto do ano. Quando retornou, até teve a titularidade na equipe vermelha de Manchester, só que quase sempre era uma das jogadoras substituídas ao longo dos 16 jogos que fez na temporada 2021/22. E Groenen também foi atrapalhada pela saúde na seleção. Se teve bons momentos antes da Euro feminina - nos 12 a 0 contra o Chipre (eliminatórias da Copa), deu três passes para gol; nos 5 a 0 na África do Sul, em amistoso, fez o gol -, tão logo começou a jogar o torneio na Inglaterra, só teve plenas condições nos 1 a 1 contra a Suécia, na estreia na Euro. Dias depois, a confirmação: Groenen testara positivo para o coronavírus. Até se recuperou com rapidez, voltando a tempo de jogar ainda na fase de grupos. Contudo, mesmo estando tanto nos 90 minutos da goleada contra a Suíça (4 a 1) quanto nos 120 da eliminação para a França, nas quartas de final, Groenen passou longe de ser a meio-campista esforçada e versátil que tinha sido havia três anos.

No Paris Saint-Germain, um recomeço para Groenen (Loic Baratoux/Icon Sport/Getty Images)

Ainda assim, Groenen se sentia adaptada a Manchester. O United até a queria manter. E ela descreveu, tempos depois, ao informativo De Contractspeler: "Passei a pensar mais rápido [jogando na Inglaterra], e aprendi muito a jogar defendendo e atacando". Só que o Paris Saint-Germain a quis, e a buscou pagando caro: em agosto do ano passado, pouco depois da Euro, Jackie tomou o caminho do clube francês, por 150 mil euros, se tornando a jogadora holandesa comprada por maior valor na história do futebol feminino. E até foi titular ao longo da temporada do PSG, voltando a marcar gols (foram dois) na campanha do vice-campeonato francês. Entretanto, na reta final da preparação para a Copa do Mundo, com a vaga garantida, as contusões voltaram a atrapalhá-la. No ano passado, ficou fora dos quatro últimos amistosos das Leoas Laranjas; já neste 2023, até jogou as duas partidas contra a Áustria, na semana de treinamentos em Malta, mas outro problema muscular a tirou dos jogos passados, contra Alemanha e Polônia.

Só que a confiança da torcida em sua capacidade no meio-campo segue fazendo dela um nome importante. Em forma, continua sendo escalada pelo técnico Andries Jonker. E vai à Copa do Mundo. Esperando, quem sabe, reviver em 2023 os dias promissores que viveu em 2019.

(Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

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