sexta-feira, 30 de junho de 2023

A Holanda na Copa feminina - as 23 convocadas: Spitse

A cada vez que veste a camisa da seleção feminina da Holanda (Países Baixos), Sherida Spitse consolida sua imagem simbólica. Sem Miedema, então, é uma capitã quase inquestionável (KNVB Media)

Ficha técnica
Nome: Sherida Spitse
Posição: Meio-campista
Data e local de nascimento: 29 de maio de 1990, em Sneek (Holanda)
Clubes na carreira: Heerenveen (2007 a 2012), Twente (2012 a 2013 e 2017), Lilleström (LSK Kvinner)-NOR (2014 a 2017), Valerenga-NOR (2018 a 2020) e Ajax (desde 2021)
Desempenho na seleção: 215 jogos e 43 gols, desde 2006
Torneios pela seleção: Euro 2009 (nenhum jogo), Euro 2013 (3 jogos, nenhum gol), Copa de 2015 (4 jogos, nenhum gol), Euro 2017 (6 jogos, 3 gols), Copa de 2019 (7 jogos, nenhum gol) e Euro 2022 (4 jogos, nenhum gol)

(Versão revista e ampliada do texto de apresentação para o guia deste blog na Copa de 2019)

Pode-se dizer sem medo de errar: quando Sherida Spitse começou, "era tudo mato" no futebol feminino da Holanda (Países Baixos). Em 2006, quando ela fez sua primeira partida pela seleção, o país ainda era periférico na modalidade dentro da Europa, que dirá no mundo. 17 anos e 215 partidas depois, é notável como Spitse esteve em todos os passos da evolução do futebol de mulheres dentro de seu país natal: a primeira Euro (2009), a primeira Copa (2015), o histórico título da Euro 2017 (ergueu a taça), o vice-campeonato mundial em 2019... só não esteve no torneio olímpico, em 2021, por uma lesão no joelho sofrida a 48 horas da estreia. A meio-campista já seria merecedora de todo o respeito - de toda a reverência, até -, mesmo sem a braçadeira de capitã, que seria de Vivianne Miedema, em condições normais. Sem a atacante, Spitse ganha status quase inquestionável como a capitã da Holanda, no que será sua terceira Copa do Mundo. Mais um momento a aumentar o simbolismo que sua trajetória tem.

Trajetória que mostra precocidade. Já na infância, Spitse começou a jogar nas equipes infantis do VV Sneek, clube amador de sua cidade. Lá ficou também durante a adolescência. E ainda durante seus anos de juventude, a meio-campista recebeu sua primeira convocação e fez seu primeiro jogo pela seleção feminina adulta: em 31 de agosto de 2006, aos 16 anos e 92 dias, ainda como atleta do VV Sneek, Spitse estreou pela Oranje, substituindo a volante Anouk Hoogendijk no decorrer da derrota por 4 a 0 para a Inglaterra, nas Eliminatórias da Copa de 2007. Mais do que isso: ainda em 2006, num amistoso contra a Rússia, em 22 de novembro, a meio-campista marcou o primeiro gol pela seleção.

Começo tão fulgurante já serviu para que Sherida ganhasse chance num time profissional logo em 2007, ano do início da primeira edição profissional do Campeonato Holandês feminino. Quando a temporada 2007/08 da Eredivisie Vrouwen começou, a novata promissora já jogava no Heerenveen. E já se consolidava como uma volante firme e regular: foram poucos gols (3), mas 20 jogos que a deixaram como titular absoluta do clube da Frísia. Isso ficou ainda mais claro na temporada 2008/09, quando o desempenho melhorou: 24 jogos, 5 gols.

Paralelamente, Spitse garantia cada vez mais o lugar na seleção, nas convocações da técnica Vera Pauw. Na ótima campanha da Euro 2009, quando a Holanda foi semifinalista, ela já estava lá, aos 19 anos, aprendendo no banco de reservas em que ficou durante toda a campanha. Nas partidas do ciclo seguinte, Spitse já começou a ser titular com mais frequência. Quando o técnico Roger Reijners substituiu Vera Pauw, em 2010, a jovem entrou definitivamente para a base das escalações. E mesmo nova, já se impunha - até demais: chegou a ser expulsa num amistoso contra o Brasil, em 2010, no Torneio Internacional Cidade de São Paulo. Mas ao jogar, a meio-campista deixava claro com a bola nos pés: logo ela seria uma titular indiscutível da seleção da Holanda. Logo, imporia tanto respeito quanto impunham as titulares com quem aprendia: a lateral direita Dyanne Bito, a zagueira e capitã Daphne Koster, Anouk Hoogendijk, a meio-campista Annemieke Kiesel-Griffioen, as atacantes Sylvia Smit e Manon Melis.

No Heerenveen, Spitse seguia imperando no time titular, mostrando as qualidades que têm: bom porte físico, firmeza nas divididas, boa técnica nas saídas de bola, precisão nas cobranças de falta. Mas faltavam os títulos. Eles só passaram a vir no passo seguinte de sua carreira: a ida para o Twente, em 2012, exatamente o mesmo ano do advento da BeNeLeague, o campeonato conjunto entre times femininos de Bélgica e Holanda. Foi o passo certo: o Twente se tornou bicampeão da BeNeLeague (2012/13 e 2013/14). Jogando mais adiantada, Spitse foi simplesmente a goleadora dos Tukkers na temporada 2012/13, com 16 gols em 25 jogos.

Spitse impulsionou a carreira na Holanda, mas explodiu de vez na Noruega, com muito a comemorar no Lilleström (Digitalsport)

Àquela altura, Spitse já correspondia às expectativas na seleção: era titular inquestionável também nas Leoas. E assim foi à segunda Euro da carreira, em 2013. O resultado foi fraco, com a queda holandesa na fase de grupos, como lanterna de sua chave. Ainda assim, a volante não teria do que reclamar daquele momento. No segundo título holandês do Twente, fez menos partidas, mas uma média de gols bem melhor: 10, em 13 jogos. E ela só fez menos jogos porque saiu no meio da campanha. O que rendeu mais um feito: em janeiro de 2014, Sherida se transferiu para o Lilleström, da Noruega, na primeira transferência de uma jogadora holandesa a envolver um pagamento na história do futebol feminino no país. E Spitse chegou com tudo ao LSK Kvinner: ao final daquele 2014, o clube conquistara o campeonato e a copa noruegueses. E a jogadora, por sua vez, fora incluída na seleção dos melhores da temporada da Toppserien, 22 jogos e dois gols depois.

De quebra, Spitse tinha mais o que comemorar no fim daquele ano. A seleção da Holanda garantira vaga na primeira Copa do Mundo feminina em sua história, ao superar a Itália na repescagem. É claro, a volante seguiu como nome certo nas Leoas. Tanto que, em 7 de fevereiro de 2015, num amistoso contra a Tailândia, ela celebrou sua 100ª partida pela seleção, com apenas 24 anos. Foi nome certo na convocação de Roger Reijners para o Mundial do Canadá. E atuou em cada minuto das quatro partidas que a Holanda fez na Copa de 2015, já como volante, mais recuada.

A boa fase seguiu quando Sherida voltou à Noruega para o Lilleström: emplacou a "dupla coroa" por mais duas vezes, com o tricampeonato tanto na liga quanto na copa nacionais, em 2015 e 2016. Diante de um cenário vitorioso assim, parecia retração inesperada quando Spitse anunciou a volta ao Twente, no começo de 2017, para o returno do Campeonato Holandês. Era só o começo do auge de sua carreira. Nem tanto nos Tukkers, que viram o Ajax campeão da Eredivisie feminina no fim daquela temporada 2016/17. Mas na seleção, qualquer frustração foi plenamente compensada.

A liderança - e alguns gols - de Spitse foram propulsores na campanha do título europeu da Holanda, em 2017 (ANP)

Spitse seguiu absoluta nas Leoas durante todo aquele tempo. Foi convocada para a disputa da terceira Eurocopa feminina de sua carreira, em 2017, justamente na Holanda. Foi titular - e se tornou capitã da seleção no decorrer da campanha, quando a zagueira Mandy van den Berg se lesionou (e depois, brigou com a técnica Sarina Wiegman, descontente por não voltar ao time titular). Fez dois gols, na fase de grupos. Finalmente, Spitse se valeu de uma qualidade técnica sua no momento mais importante da campanha holandesa na Euro. Foi numa cobrança de falta precisa que ela colocou a Holanda na frente do placar, na final contra a Dinamarca, fazendo 3 a 2 e abrindo o caminho do histórico título europeu das Leoas, celebrado com ela erguendo o troféu junto a Van den Berg. Claro, o desempenho teve o prêmio justo: Spitse foi incluída na seleção da competição.

A volante terminou o vitorioso 2017 ainda no Twente, com nove jogos e três gols pelo clube na Eredivisie da temporada 2017/18. Mas antes do returno, no fim de 2017, Sherida já voltou à Noruega: assinou contrato por dois anos com o Valerenga. Mais importante: passara a ser dona definitiva da braçadeira de capitã na seleção. Assim, foi titular na conquista da amistosa Copa Algarve, em 2018. Seguiu previsivelmente como nome decorado pela torcida, na campanha das Eliminatórias que renderam o lugar nesta Copa do Mundo. E finalmente, neste 2019, Spitse alcançou mais uma façanha: durante a Copa Algarve, contra a Espanha (derrota por 2 a 0), superou a marca de Annemieke Kiesel-Griffioen e chegou a 157 partidas pela Holanda, se tornando a recordista de aparições pela seleção feminina.

O recorde foi celebrado com uma camisa comemorativa entregue à jogadora, e dois vídeos feitos pela federação: um mais institucional, com antigas companheiras de seleção a festejarem Spitse, e outro mais gozador, com as colegas atuais de Holanda brincando com os maneirismos da capitã nos vestiários. A convocação para a segunda Copa do Mundo da carreira foi quase óbvia. E no Mundial na França, Spitse justificou sua importância. No meio-campo, só ficou fora de vinte minutos - foi substituída aos 70', nos 2 a 1 contra o Canadá, na fase de grupos, quando a Holanda já estava classificada para as oitavas de final. Inclusive, naquela partida, Spitse cobrara a falta que, desviada pela zagueira Anouk Dekker, virou o primeiro gol laranja. Além da liderança que já ostentava no grupo, foi justamente sua capacidade em lançamentos e bolas paradas que mais ajudou a equipe holandesa a alcançar o vice-campeonato. O melhor exemplo veio nas quartas de final: duas cobranças de falta em que Spitse mandou a bola para a área, dois cabeceios, 2 a 0 na Itália, Holanda na semifinal.

Na Copa de 2019, Spitse não foi fundamental só pela experiência que já tinha: várias das bolas paradas cobradas por ela viraram jogadas de gols da Holanda (Maddie Meyer/FIFA/Getty Images)

Àquela altura, Spitse ainda estava no Valerenga. Só que sinalizava, aqui e ali, o desejo de voltar ao país natal, para ficar mais perto da família - e inclusive, voltar a ter lá a vivência com a esposa Jolien e os dois filhos. Sem títulos em 2019 pelo clube norueguês, a eclosão da pandemia de COVID-19 só aumentou tal desejo - ainda que a titularidade imperturbável na seleção aplacasse isso. E em novembro de 2020, anunciou a realização do desejo: a meio-campista assinara contrato com o Ajax, para começar a jogar pelo clube de Amsterdã a partir de janeiro do ano seguinte.

No Ajax, mesmo sem conseguir fazer frente a um Twente em fase esplendorosa, Spitse rapidamente tomou o papel a que já estava acostumada: líder de colegas mais novas, além de referência no comando do time, a partir do meio-campo. E embora o tempo passasse e viessem alertas de que seu ritmo caía, seguiria fazendo o mesmo com a camisa 8 da seleção. Só que o destino lhe pregou uma peça em 2021: convocada para o torneio olímpico, a jogadora estava no Japão, estava pronta para a estreia contra Zâmbia... mas a 48 horas de entrar em campo, em Miyagi, uma colisão com a goleira Barbara Lorsheyd, num dos últimos treinamentos holandeses, prejudicou os ligamentos do joelho de Spitse. O diagnóstico foi cruel: corte. Pela primeira vez desde 2009, a Holanda esteve numa competição importante do futebol feminino sem a meio-campista. Só restou se recuperar rumo à temporada seguinte.

Querendo retornar ao país natal após jogar na Noruega, Spitse conseguiu isso, se tornando uma das referências no Ajax (Geert van Erven/Orange Pictures/BSR Agency/Getty Images)

E Spitse se recuperou. Em 2021/22, junto de destaques mais jovens - Romée Leuchter e Victoria Pelova à frente -, foi o sinônimo da experiência do Ajax. De volta à seleção, retomou seu posto no meio-campo. No amistoso contra a Inglaterra, em junho de 2022, teve os 200 jogos que completava pelas Leoas Laranjas lembrados com homenagem pré-jogo e vídeo comemorativo - com direito a elogios insuspeitos de Louis van Gaal: "Sherida, eu te amo". E foi à Euro feminina do ano passado como titular. Só que o ritmo de jogo no torneio continental foi tão intenso, que uma das consequências da eliminação da Holanda, nas quartas de final, foi apontar que talvez ficar no meio-campo já estivesse pesando para Spitse (até substituída, na prorrogação, contra a França - foram os únicos 15 minutos fora de campo na competição). A tal ponto que, logo depois de substituir Mark Parsons, o técnico Andries Jonker mudou o esquema tático. E numa seleção com três zagueiras, como a Holanda passou a ser, das duas, uma: ou Spitse jogaria mais recuada, como uma "líbero", ou... iria para o banco.

De qualquer forma, não houve muitos problemas. Porque Spitse gostou da mudança tática ("Esse sistema está dando certo, estamos nos adaptando", celebrou à revista Voetbal International). Porque seguiu sendo inquestionável no Ajax, onde enfim teve uma grande conquista na temporada 2022/23: o título holandês, após cinco anos, podendo levantar a salva de prata da Vrouwen Eredivisie. Porque ela continua imperturbável, convocação após convocação, titular na maioria das vezes, mesmo que poupada vez por outra ("Faz parte, todo mundo quer jogar (...) Preciso agir", reconheceu à emissora NOS em fevereiro, após ficar no banco contra a Áustria). 

    Em 2022/23, enfim o Ajax voltou a ser campeão holandês de mulheres. E Spitse estava lá para erguer a salva de prata (Jan Mulder/BSR Agency/Getty Images)

E principalmente, porque Spitse é, em 2023, além de uma das jogadoras mais importantes do futebol feminino da Holanda (Países Baixos), outra que sempre aponta erros na condução da modalidade. Como quando Ajax e Feyenoord fizeram o primeiro Klassieker feminino na Johan Cruyff Arena, neste ano ("Evoluímos, mas sempre se pode melhorar"). Ou quando pondera que o aumento de times no Campeonato Holandês de mulheres - irá a 12, com AZ e Utrecht entrando para 2023/24 - não significa melhora no nível técnico. Ou quando critica a decisão da diretoria do Ajax em cancelar uma festa da vitória para o time feminino, pela má fase que o time masculino viveu ("Foi ruim que tenha sido assim", lamentou à ESPN neerlandesa).

É por essas e outras que Sherida Spitse estará na terceira Copa do Mundo de sua carreira. No meio-campo ou na zaga, como titular absoluta da Holanda, ainda cobradora preferencial de faltas, pênaltis e escanteios. Com a braçadeira de capitã como exemplo do tamanho de sua liderança do grupo ("Não ligo a mínima para o que os outros acham da minha postura. Não sou assim para queimar ninguém, mas para ajudar o time", descreveu à revista Trouw). E passando uma impressão descrita pela ex-jogadora Leonne Stentler, comentarista da emissora NOS: "Spitse será técnica da seleção em alguns anos, prestem atenção". Quem duvida?

(Oliver Kaelke/DeFodi Images/Getty Images)

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