sexta-feira, 30 de junho de 2023

A Holanda na Copa feminina - Andries Jonker, o técnico

Andries Jonker concretizou a boa vontade que (quase) sempre teve com o futebol feminino ao aceitar treinar a seleção, num momento decisivo. Mas ainda atrai desconfianças (KNVB Media/Divulgação)

Ficha técnica
Nome: Andries Jonker
Data e local de nascimento: 22 de setembro de 1962, em Amsterdã (Holanda)
Carreira como treinador: ZFC (clube amador, 1987 a 1988), DRC (clube amador, 1989 a 1991), Volendam (1999 a 2000), seleção feminina da Holanda (2001, como interino, e desde 2022), MVV Maastricht (2004 a 2006), Willem II (2007 a 2009, acumulando com o cargo de diretor técnico), Bayern de Munique-ALE (2011, interino, e 2011 a 2012, treinando o time B), Wolfsburg-ALE (2017) e Telstar (2019 a 2022, acumulando com o cargo de diretor técnico)
Carreira como auxiliar: Volendam (1997 e 1999), Barcelona-ESP (2002 a 2003), Willem II (2006 a 2007), Bayern de Munique (2009 a 2011) e Wolfsburg-ALE (2012 a 2014)
Carreira como diretor: Federação holandesa (1990 a 1997 e 2000 a 2003, como diretor de seleções regionais e categorias de base) e Arsenal-ING (2014 a 2017, como diretor das categorias de base)

Andries Jonker já foi auxiliar técnico do Barcelona. Já treinou o Bayern de Munique - interinamente, mas treinou. Já foi diretor das categorias de base do Arsenal. Já foi auxiliar técnico, e também técnico, do Wolfsburg. Seria um currículo a torná-lo dos comandantes mais conhecidos e capacitados desta Copa do Mundo feminina... se Jonker não tivesse feito tudo isso no futebol masculino. Por mais que tenha no currículo a fugaz experiência treinando a seleção de mulheres da Holanda (Países Baixos) em 2001, por mais que sua boa vontade e seu gosto pelo futebol feminino sejam inegáveis, o treinador de 60 anos chega ao Mundial das mulheres tendo de fazer uma boa campanha para minorar a frequência com que se ouve "quem?", ao se comentar que ele é o técnico das Leoas Laranjas.

No começo de sua carreira no banco de reservas (nunca foi jogador profissional - o máximo a que chegou foi jogar no De Volewijckers, clube amador), aliás, Jonker sequer tinha simpatia pela modalidade. Reconheceu isso a um podcast da revista Helden, neste ano: "Não me lembro de uma menina que jogasse em clubes, quando eu era jovem. E eu fazia parte daquela mentalidade masculina que achava 'mulher não pode jogar futebol, tem de ir para outro esporte: handebol, beisebol, atletismo, coisa assim'. Não tinha nada contra o esporte feminino, mas não achava que elas pudessem jogar". E assim pensou na fase inicial de sua carreira, treinando clubes amadores, a partir de 1987.

Jonker só mudou de ideia na sua primeira passagem pela federação holandesa, como diretor, a partir de 1990. Na KNVB, foi destinado para acompanhar e estruturar o futebol amador no país. No meio do trabalho, coube a ele acompanhar... o futebol feminino. No começo, claro, ele se aborreceu: "Pensei: 'Não vou fazer isso'. Como punição, a alternativa era cumprir tarefas comunitárias, em jogos de futebol de salão. Numa noite, na cidade de Zandvoort, eu estava ao lado de um poste, na estação de trem, e ao lado treinavam as meninas do time sub-23, da região de Haarlem".

E ele acabou aceitando, virando técnico de equipes femininas sub-15, no trabalho supervisionado na federação. E bastou o primeiro jogo comandando meninas para que ele notasse como o futebol de mulheres também poderia interessar - no jogo, uma derrota por 12 a 1: "Eu fiquei com os pais nas minhas orelhas, as filhas deles choravam. Aí eu decidi levar a sério". Gradualmente, Jonker pegou gosto pela tarefa que faria como representante da federação até 1997: supervisionar o futebol feminino. Ver candidatas a jogadoras, estimulá-las a treinar próximas às suas casas, treinar mulheres três vezes por semana. Foi assim que ele resolveu, ao podcast: "A partir desse momento, minha antipatia pelo futebol feminino acabou".

Só não continuou o trabalho porque o Volendam o chamou, em 1997, para ser auxiliar técnico do time masculino. No clube, Jonker trabalhou como braço-direito do técnico Dick de Boer, por dois anos (o que incluiu um rebaixamento para a segunda divisão da Holanda, em 1997/98) - e no terceiro, em 1999, assumiu ele mesmo o comando do Volendam. Fez um trabalho ruim - 17º lugar na segunda divisão em 1999/2000 -, mas justamente aí, foi convidado pela KNVB para retornar ao trabalho interno. Na federação holandesa, Jonker encontrou um sujeito que lhe seria fundamental no resto da carreira: Louis van Gaal, chegando simultaneamente para treinar a seleção masculina da Holanda naquele ano de 2000. 

Mais do que isso: Jonker reencontrou o futebol feminino. Na época, mesmo com a Holanda sendo um país incipiente na modalidade, houve certo interesse da federação em estruturar a modalidade. E ali Jonker teve sua primeira passagem como treinador da seleção de mulheres: após a demissão de Ruud Dokter, ele comandou as Leoas Laranjas, como interino, no primeiro semestre de 2001. Na disputa de amistosos, Jonker teve até bons resultados - em sete jogos, cinco vitórias e duas derrotas. Todavia, era só uma fase. Interino, ele deu espaço a Frans de Kat, a partir do segundo semestre daquele ano. Mas a passagem fugaz serviu para ele manter contato com jogadoras que teriam ainda mais experiência naquela década. Como a lateral direita Dyanne Bito, a atacante Annemieke Kiesel-Griffioen... e uma volante, de 32 anos em 2001, que se tornou naquele ano a jogadora com mais partidas pela seleção até ali: Sarina Wiegman.

No Barcelona e no Bayern de Munique, Louis van Gaal deu alguma experiência a Jonker (esquerda), fazendo dele seu auxiliar ( Alexander Hassenstein/Bongarts/Getty Images)

Só que o caminho de Jonker continuou. E a partir dali, muito mais próximo do futebol masculino - e dos caminhos de Louis van Gaal. Após a malograda passagem pela seleção masculina da Holanda, Van Gaal retornou ao Barcelona em 2002, e levou o conhecido da federação como seu auxiliar, na segunda passagem pelo clube espanhol. Passagem também problemática, que acabou em 2003, para ele e Jonker. Ao segundo, restou esperar até 2004, quando voltou a um clube da segunda divisão (masculina) da Holanda - no caso, o MVV Maastricht. Foi seu primeiro trabalho digno de nome no banco de reservas. Nem tanto pelos resultados na Eerste Divisie, em que o MVV ficou no lado de baixo da tabela. Mas sim pelo que se viu em 2005/06, com o clube alcançando as quartas de final da Copa da Holanda.

A partir dali, Jonker teve uma mínima ascensão como técnico. E a aliou às experiências como diretor, no Willem II, ao qual chegou ainda em 2006. No time de Tilburg, primeiro foi auxiliar de Dennis van Wijk, e a partir de 2007, acumulou os cargos de treinador e diretor técnico. Mesmo com dificuldades, os Tricolores seguiram na primeira divisão durante os dois anos, embora sempre bordejando a zona de rebaixamento. E quando Jonker caiu dos dois cargos, em fevereiro de 2009, logo "caiu para cima". Porque, em julho daquele ano, o parceiro antigo Louis van Gaal o escolheu para auxiliá-lo no Bayern de Munique, que levaria a dupla coroa alemã (campeonato e copa) e o vice-campeonato da Liga dos Campeões, em 2009/10. Mais ainda, porque Van Gaal entrou em dificuldades na temporada posterior, foi demitido ao final dela... e coube a Andries treinar, interinamente, o Bayern de Munique, na goleada por 4 a 1 no Schalke 04, pela 32ª rodada do Campeonato Alemão. Mesmo cedendo o lugar para Jupp Heynckes depois, o holandês ficou no Bayern - mais precisamente, no time B, que comandou em 2011/12, deixando-o após o 14º lugar, na liga regional do sul alemão que o Bayern II disputou então.

Pois é: após a demissão de Van Gaal, em 2011, Jonker teve algumas semanas treinando o Bayern de Munique (Alexander Hassenstein/Bongarts/Getty Images)

Seria no Wolfsburg, porém, que Andries Jonker teria a vinculação maior em sua passagem no futebol alemão. Da primeira vez, novamente como auxiliar técnico: o neerlandês foi o braço-direito de Felix Magath, do interino Lorenz-Günther Kostner (sucessor do demitido Magath) e de Dieter Hecking, entre 2012 e 2014. Aí, novamente ele preferiu uma passagem como diretor - e que passagem: Jonker comandou as categorias de base do Arsenal, entre 2014 e 2017, sendo responsável pela remodelação de Hale End, centro de formação de jogadores do clube. E aí, voltou ao Wolfsburg, em fevereiro de 2017. Como técnico. Em meio a um momento difícil: o sofrimento dos Lobos, que terminaram precisando disputar a repescagem contra o rebaixamento, se mantendo na Bundesliga ao superar o Eintracht Braunschweig. Tal sofrimento já colocou Jonker na mira das críticas. E um começo inconstante na Bundesliga 2017/18 - duas derrotas, um empate, uma vitória - já o fez ser demitido do Wolfsburg, em setembro de 2017, ainda na fase inicial da temporada.

No Wolfsburg, primeiro Jonker foi auxiliar; depois, como técnico, sofreu entre 2016 e 2017 (Martin Rose/Bongarts/Getty Images)

Então, Jonker decidiu voltar ao país natal, após um bom tempo. Novamente, para um clube da segunda divisão: o Telstar, ao qual chegou em junho 2019. Ali, novamente acumulou os cargos de treinador e diretor técnico, num contrato de dois anos. De novo, o trabalho foi deficiente: 10º lugar na temporada 2019/20 (interrompida pela pandemia de COVID-19, vale lembrar), 13º lugar em 2020/21. Ainda assim, tão ligado ao futebol masculino, Jonker seguia observando o futebol feminino à distância. A ponto de ser cogitado como candidato a substituir Sarina Wiegman, quando esta deixou a seleção holandesa de mulheres, em julho de 2021. Àquela altura, ele preferiu ficar, como se lembrou em abril passado: "Eu não queria desistir. Tinha a sensação de que não podia deixar os jogadores e a comissão [do Telstar] na mão".

No Telstar, mais dificuldades para Jonker (Rene Nijhuis/BSR Agency/Getty Images)

De fato, não deixou. Só que o Telstar piorou na temporada 2021/22 da segunda divisão: decaiu até a 19ª e penúltima posição (só não foi rebaixado porque a segunda divisão não tem rebaixamento). E aí, sim, em junho, Andries Jonker foi demitido. Estava livre. E viu, à distância, Mark Parsons ser demitido da seleção feminina. Houve novo debate sobre quem seria o(a) sucessor(a). Uns pensaram em Arjan Veurink, auxiliar de Sarina Wiegman na Inglaterra; outros sugeriram a promoção de Jessica Torny, treinadora da equipe sub-20; mais outros, até, falaram em Emma Hayes, comandante do Chelsea. Mas a longa experiência e a boa vontade com o futebol feminino fizeram de Jonker o escolhido da federação, em agosto de 2022. A volta às Leoas Laranjas, agora, seria definitiva.

Jonker chegou tentando mostrar seu acompanhamento do futebol feminino, na coletiva de apresentação: "Eu vi todos os jogos da seleção nos últimos anos. Todos. E quando não estava no lugar, como na Euro passada, eu vi pela televisão". Reconheceu a intenção ao aceitar o cargo: "Eu já conhecia muitas mulheres no futebol feminino: Manon Melis, Vera Pauw, Sarina Wiegman, Jessica Torny, Daphne Koster... corri um risco, mas além de ajudar no desenvolvimento da modalidade, me pareceu muito bacana a ideia de estar na Copa". Negou ser para a seleção feminina o mesmo que o amigo Louis van Gaal foi na sua volta à seleção masculina - isto é, um "bombeiro", um reorganizador: "Nós só nos vimos duas vezes desde minha chegada". Foi humilde, ao reconhecer o fracasso da intenção inicial da federação na substituição de Sarina Wiegman - em 2021, falava-se em "Sarina Plus", contratar alguém tão bom ou melhor do que a treinadora campeã europeia e vice-campeã mundial, mas Jonker assumiu, à revista Voetbal International: "Eu queria, mas realmente não consigo ser melhor do que ela. Ninguém a substituirá. Não tem 'Sarina Plus'. Ninguém, homem ou mulher, vai chegar perto. O que ela fez foi fenomenal". E finalmente, ele sabia: tinha uma partida decisiva - o jogo contra a Islândia, na última rodada das eliminatórias da Copa do Mundo feminina. Com a necessidade da vitória. E houve muito sofrimento. Mas o final foi feliz: no último chute a gol, veio o gol do 1 a 0. O gol da vaga direta na Copa.

A dramática vitória contra a Islândia, na última rodada das eliminatórias, levou a Holanda à Copa - e já fez Jonker criar boa relação com o grupo de jogadoras (Pieter Stam de Jonge/ANP/Getty Images)

O gol do salvo-conduto que tanto Andries Jonker comemorou, à Voetbal International: "Fiquei realmente impressionado com meu time. O espírito de luta, a vontade, e como elas mudaram para outro esquema tático nos quinze minutos finais. (...) Foi um jogo como tantos sob Sarina. Um jogo que deixou as pessoas felizes". Se Jonker comemorou, logo teve a retribuição das comandadas. Sempre que perguntadas pela imprensa, usaram uma palavra em comum para ele: "de baas" - em holandês, o chefe. E aprofundaram. Daniëlle van de Donk? Ao site NU Sport: "Andries é justamente o técnico de que precisávamos. O futebol não é simples, mas ele faz parecer que é". Jackie Groenen? À emissora NOS: "Éle é muito ordeiro, mas isso é bom". Fenna Kalma? À revista Helden: "Ele quer controle, e acho isso bacana. Como treinador, ele tem uma abordagem respeitada por todas. Ele sabe o que quer, não deixa mal entendidos".

Enfim, pelo menos aparentemente, Andries Jonker minorou as desconfianças sobre sua capacidade de treinar a seleção feminina. Agora, com os olhos na Copa das mulheres, tentará cumprir o que já falou: "Queremos ficar no top-10 da FIFA, e nos esforçarmos para participar de todos os torneios, e terminarmos entre os oito primeiros (...) Precisamos ser realistas, ainda mais vendo quantos países estão no mesmo estágio". Expectativas ajustadas - para a seleção, e para um nome menos conhecido no futebol feminino pelo mundo como é Andries Jonker.

(Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)

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