sexta-feira, 30 de junho de 2023

A Holanda na Copa feminina - as 23 convocadas: Damaris

 
Damaris poderia ter escolhido a seleção dos Estados Unidos. Teve até uma partida pela seleção da Espanha. Mas optou definitivamente pela Holanda no futebol feminino - e deverá ser muito importante nos próximos anos (KNVB Media/Divulgação)

Ficha técnica
Nome: Damaris Berta Egurrola Wienke
Posição: Meio-campista
Data e local de nascimento: 26 de agosto de 1999, em Orlando (Estados Unidos)
Clubes na carreira: Athletic Bilbao-ESP (2014 a 2020 - de 2014 a 2016, no time B), Everton-ING (2020 a 2021) e Lyon-FRA (desde 2021)
Desempenho na seleção: 15 jogos e 3 gols, desde 2022
Torneios pela seleção: Euro 2022 (3 jogos, 1 gol)

Há alguns casos pelo futebol feminino em que jogadoras são cortejadas por vários países. Disponíveis para várias nacionalidades, mostram talento desde cedo, confirmam-se como nomes de talento... e acabam escolhendo, enfim, uma seleção em que ganham espaço e importância. Pois Damaris Egurrola Wienke é dos melhores exemplos dessa história, nos últimos anos. A volante é considerada um dos nomes mais promissores de sua posição: tem capacidade na saída de bola, é daquelas meio-campistas que organizam todo o setor, tem firmeza na marcação sem deixar de ajudar o ataque. Por tudo isso, e por seu histórico familiar que logo será descrito, foi disputada por nada menos que três seleções, todas elas de fama considerável: Estados Unidos, Espanha e Holanda (Países Baixos). Damaris até jogara uma partida por uma delas, mas ainda não parecia decidida. Até 2022: desse ano em diante, ela se tornou "futebolisticamente" holandesa. Os 15 jogos que já fez pelas Leoas Laranjas, desde então, indicam que se tornará figura central na seleção. E a Copa tem tudo para confirmar isso.

O esporte já decidiu, aliás, até o local de nascimento dela. Afinal, seu pai, o espanhol Pablo Egurrola, era jogador de pelota basca (aliás, era do próprio País Basco). E conheceu a mãe de Damaris, holandesa, em Orlando, nos Estados Unidos. Foi justamente na cidade da Flórida que a futura jogadora nasceu e passou a infância. E quando o pai encerrou a carreira, decidiu retornar com a família para a cidade espanhola de Biscaia, no País Basco. Foi lá que Damaris teve suas primeiras incursões esportivas. E não somente no futebol: consta que a filha dos Egurrola Wienke também tentou a sorte no tênis. De todo modo, nos campos é que Damaris começou a engrenar.

E foi na Espanha que Damaris, por muito tempo, ensaiou ter a sua "pátria futebolística". Começou a jogar em clubes amadores, da região de Guernica, outra cidade do País Basco. Até que aos 12 anos, entrou para as categorias de base do Athletic Bilbao - além do futebol, afinal, cumpria os requisitos de ter ascendência basca pedidos aos jogadores do clube bilbaíno. Passou pelas equipes inferiores, chegou a ser emprestado a clubes de divisões menores da Espanha... até chegar ao time B do Athletic, em 2014. Enfim, em 2015/16, Damaris teve sua primeira chance no time principal dos alvirrubros de Bilbao. Com grande resultado: mesmo com cinco partidas feitas ao longo do Campeonato Espanhol de mulheres, ela fez parte do grupo do Athletic Bilbao que se sagrou campeão de La Liga Femenina, naquela temporada.

Bastou também para cavar um caminho pelas seleções de base da Espanha. Caminho que seria muito proveitoso para Damaris. Em 2016, no primeiro ano pela equipe sub-17 da Furia, ela fez parte do grupo que foi vice-campeão europeu, perdendo a final para a Alemanha, e que chegou ao terceiro lugar na Copa do Mundo feminina sub-17. Pela seleção sub-19, seria ainda melhor para a meio-campista: em 2017, a Espanha foi campeã na Euro de mulheres daquela faixa etária, com Damaris marcando, de cabeça, um dos gols na final vencida sobre a França (3 a 2). Damaris seguiria na seleção sub-19 ao longo daquele ano, até colaborou nas eliminatórias para mais uma Euro da categoria, mas continuou crescendo. 

Destaque da base da Espanha (na Euro sub-19 de 2017 e no Mundial sub-20 de 2018), Damaris prometia ser nome fundamental naquela seleção. As atribulações mudaram sua ideia (Alex Grimm/FIFA/Getty Images)

Em 2018, a meio-campista continuou regular (no bom sentido) pelo Athletic Bilbao: foram 27 jogos e um gol pelo Campeonato Espanhol de mulheres. Mas era pelas seleções espanholas que ela indicava ser uma promessa do meio-campo. Ainda em 2018, migrou para a equipe sub-20 - e nela, foi titular em todos os minutos da campanha do vice-campeonato mundial (a Espanha perdeu para o Japão na final). Finalmente, no ano seguinte, Damaris estreou pela seleção principal, jogando os minutos finais da vitória por 4 a 0 contra Camarões, em 17 de maio daquele ano. Damaris seria pré-convocada para a Copa do Mundo, ficaria de fora da lista final das 23 da Espanha - eliminada pelos Estados Unidos nas oitavas de final -, mas parecia claro: tratava-se de uma novata que chegava para ser um dos destaques de uma nova geração, a ajudar nomes consolidados como Patricia "Patri" Guijarro e Alexia Putellas.

Só que o destino foi diferente.

A evolução de Damaris no Athletic Bilbao foi tão grande quanto o trauma da saída, só conseguida nos tribunais (Edu del Fresno/Imago)

A partir de 2020, vieram mudanças até traumáticas na carreira da meio-campista. Em clubes, o problema surgiu a partir do momento em que Damaris anunciou que deixaria o Athletic Bilbao ao final de seu contrato, naquele ano, atraindo interesse de muitos clubes Europa afora. O Athletic acenou: qualquer clube que desejasse a meio-campista teria de pagar uma generosa multa a ele, como clube formador, na chamada "lista de compensação". Bastou para a jogadora - amparada pelo pai, Pablo Egurrola, e junto a colegas de profissão - entrar na Justiça Comum espanhola, alegando que a exigência não fazia sentido. De quebra, ainda rompeu com o sindicato de jogadoras profissionais, considerado por Pablo Egurrola próximo demais da federação espanhola. Em julho daquele ano, o resultado: como o Athletic Bilbao não era um membro da ACFF (Associação de Clubes de Futebol Feminino, órgão espanhol), a "lista de compensação" não valia. Logo, nenhum clube tinha obrigação de pagar o que quer que fosse ao Athletic por Damaris. Assim, em setembro de 2020, contrato encerrado, a meio-campista pôde seguir, indo para o Everton inglês. E lá passou os seis primeiros meses da temporada 2020/21. Recuperando ritmo de jogo, a meio-campista voltou a agradar, como titular absoluta dos Toffees, que terminariam em quinto lugar na liga.

Contudo, Damaris não ficaria para terminar a temporada na Inglaterra. Bastou 2021 começar para o Lyon, desejando reforçar seu meio-campo, levá-la imediatamente para a França. Também por lá, demorou pouco para se notar que a americano-hispano-holandesa tinha talento e ganharia seu espaço. Ainda como reserva, teve suas chances na campanha pelo Campeonato Francês 2020/21, em que o Lyon terminaria com o vice-campeonato. Quando a temporada seguinte começou, aí sim, Damaris entrou no time titular das Lyonnaises para não sair mais. Com três gols, colaborou ativamente na conquista da Ligue 1 Féminin pelo Lyon. Mais do que isso: também jogou mais do que ficou no banco na vitória da Liga dos Campeões de mulheres. A opção pelo time francês não podia se revelar mais acertada. E amenizava, de certa forma, mais um problema que Damaris vivia fora do campo - agora, na seleção.

Após a rápida passagem pelo Everton, Damaris já interessou ao Lyon - e tem espaço e títulos no time francês (Romain Biard/Icon Sport/Getty Images)

Mesmo com a partida isolada que fizera pela Espanha em 2019, a meio-campista nunca mais tinha sido chamada. Até novembro de 2021, quando Jorge Vilda, então (e até agora) treinador da Roja, revelou que tentava entrar em contato com ela para partidas contra Ilhas Faroe e Escócia, pelas eliminatórias da Copa feminina. Contudo, Vilda reconheceu que não houvera contato com Damaris. Reconheceu mais, ao diário Sport: "Tentamos convocá-la duas vezes, tentamos contato telefônico... mas ela está em processo para jogar por outra seleção, que não a espanhola". A razão das recusas viria mais tarde: falando ao periódico El Confidencial, Damaris revelou que tinha sido cogitada por Jorge Vilda, sim - mas ao contrário do que ele falava, eram convocações para a seleção sub-23 da Espanha. A negativa veio magoada: "Entendo que um técnico da seleção tem o direito de escolher suas jogadoras, mas não tem o direito de mentir. Eu não podia esperar para ser convocada pela seleção da Espanha, já que quero jogar Euros e Copas, como qualquer outra jogadora". 

De fato, Damaris defenderia outra seleção. Começava outra "competição": poderia defender os Estados Unidos, seu país natal, ou a Holanda, o país da mãe. Aí entrou a influência de Mark Parsons, treinador das Leoas Laranjas à época: com alguns telefonemas, ele aproximou Damaris da possibilidade de vestir a camisa laranja. À boca pequena, houve comentários de que Daniëlle van de Donk, colega de Lyon e próxima à meio-campista, também colaborou. E a certeza veio no fim de março de 2022: Damaris anunciou que defenderia a seleção holandesa, sem voltar atrás. Já entrou na lista de convocações para os jogos do mês seguinte, contra Chipre (eliminatórias da Copa) e África do Sul (amistosos). Estreou nos 12 a 0 sobre as cipriotas, em 8 de abril, substituindo Sherida Spitse aos 67' - num jogo em Groningen, justamente a cidade da família da mãe. Contra a África do Sul, quatro dias depois, dois gols de Damaris na goleada holandesa (5 a 1). 

Convocada para a Euro - seu primeiro torneio numa seleção adulta -, Damaris teve a chance como titular no segundo jogo da fase de grupos, contra Portugal. E fez gol, abrindo o placar na vitória por 3 a 2. Já bastou para que, mesmo tendo poucos minutos depois (entrou só nos acréscimos contra a Suíça, e nos últimos cinco minutos da prorrogação, na eliminação nas quartas de final, para a França), fosse apontada como um nome que merecia muito mais chances. Técnico mudado na seleção, Andries Jonker começou a dar essas chances: nunca mais Damaris deixou de atuar pela seleção. Ainda se alternando entre campo e banco, ela figurou em todas as partidas das Leoas Laranjas desde então.

Escolhendo a Holanda como seleção que irá defender, Damaris já foi à Euro do ano passado. Jogou pouco, mas foi bem e deixou o gosto de "quero mais" (Daniel Mihailescu/AFP/Getty Images)

Estabilizada no Lyon, Damaris teve um susto no ano passado: uma lesão sofrida contra o Juventus, na fase de grupos da Liga dos Campeões de mulheres, a fez sentir tantas dores no joelho que se temeu pelo rompimento de ligamento cruzado anterior. Mas dias depois, a própria acalmou em seu perfil no Instagram: "Foi um susto grande, mas não tão ruim quanto parecia". E pôde continuar titular na "dupla coroa" do Lyon na temporada 2022/23, levando tanto o campeonato quanto a copa da França.

Na seleção, exatamente para lhe dar mais espaço no meio-campo é que Andries Jonker recuou Sherida Spitse para a defesa, como uma "líbero". Porque Damaris Egurrola, após as atribulações do começo da carreira, volta a justificar as boas impressões existentes sobre ela. Impressões que podem ser ainda mais potencializadas pelo que ela fizer na Copa do Mundo feminina.

(Joris Verwijst/BSR Agency/Getty Images)


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