quinta-feira, 11 de agosto de 2022

A Holanda nas Copas masculinas: 1998 - a segunda grande dor

A Holanda superou seus traumas e imaturidades para brilhar na Copa de 1998. Ficou faltando o título, para coroar uma campanha cheia de jogos marcantes (Mark Leech/Offside/Getty Images)

(Aqui, antes de mais nada, um texto mais completo e profundo sobre a participação da Holanda na Copa de 1998)

Na participação da Holanda na Copa de 1994, a nova geração já tinha alguma ajuda. Já tinha até um protagonista, em Dennis Bergkamp. Mas ainda não tinha preponderância para poder ajudar muito. Talvez precisasse passar por algumas dificuldades reais para ganhar força. Pois bem: ela passou por essas dificuldades, na participação altamente turbulenta na Euro 1996. Os jogadores aprenderam, amadureceram, chegaram mais focados à Copa de 1998... e isso resultou em uma das melhores e mais marcantes participações da Laranja em Mundiais. Até por essas boas memórias, resultou, talvez, na segunda queda mais dolorosa dela, só abaixo da seminal "mãe de todas as derrotas" em 1974.

O caminho rumo à excelente campanha começou dos traumas da confusão na Euro anterior, quando vários conflitos, por vários motivos - de discordâncias sobre premiações a suspeitas de racismo -, causaram o caos dentro da delegação dos Países Baixos. Terminada a campanha no torneio continental, com a eliminação para a França nas quartas de final, a Laranja precisava dar satisfação à decepcionada torcida. Também pressionado, o técnico Guus Hiddink (comandando a seleção desde 1998) começou a colocar as coisas nos devidos lugares: logo após a Euro, coordenou uma cartilha de comportamento, para mitigar os riscos de insurreições e discussões como as que haviam ocorrido então. Um nome simbolizava tudo o que não poderia ocorrer: Edgar Davids - após críticas à suposta preferência de Hiddink pelas opiniões de jogadores como Danny Blind e Ronald de Boer (ambos brancos), Davids não só havia sido cortado da Euro durante a competição, como ficou de fora das convocações durante todo o ano de 1997.

De todo modo, Hiddink não teve problemas. Nem a Holanda: afinal, a geração que crescia em 1994 já estava madura. Edwin van der Sar (titular no gol, tendo superado Ed de Goey), Michael Reiziger, Jaap Stam, Frank de Boer, Clarence Seedorf, Phillip Cocu, Marc Overmars, Ronald de Boer, Patrick Kluivert, Dennis Bergkamp... a geração que despontara com o título europeu do Ajax na temporada 1994/95 recebia alguns nomes de outros clubes (os citados Stam e Cocu), tinha alguns remanescentes à disposição (Aron Winter, Wim Jonk, os citados irmãos De Boer e Bergkamp)... e se valeu disso tudo para fazer uma campanha tranquila nas eliminatórias: seis vitórias, liderança do grupo da qualificação da Europa, vaga assegurada na Copa de 1998. 

No começo do ano do Mundial, dois fatos providenciais contribuíram para dar à Holanda a promissora sensação de que aquela Copa não seria igual à Euro que passou. Em fevereiro, Guus Hiddink conversou com Davids, ambos se entenderam, e o meio-campo voltou às convocações da seleção. Algumas semanas depois, a federação anunciou uma novidade, tentando cortar na raiz o que havia sido uma das principais críticas dos jogadores em conflito na Euro (pouca atenção da comissão técnica às culturas pessoais de cada um). Três nomes célebres do futebol dos Países Baixos seriam auxiliares de Hiddink durante a Copa: Frank Rijkaard, Johan Neeskens e Ronald Koeman. Todos, respeitados unanimemente pelos convocados, referências de gerações marcantes. A ação só melhorou o clima - e resultados como duas goleadas por 5 a 1, em amistosos pré-Copa contra Paraguai (1º de junho de 1998) e Nigéria (5 de junho de 1998), só aumentaram a impressão de que aquele time estelar estava pronto para uma boa campanha na França.

Rijkaard (primeiro em pé, à esquerda), Neeskens (primeiro sentado, à esquerda), Koeman (terceiro sentado, à direita); ter três referências como auxiliares ex



É certo que houve alguma oscilação na fase de grupos. Na estreia contra a Bélgica, em 13 de junho de 1998, a ótima impressão passada no começo do jogo, com ofensividade e pressão, se esvaiu no 0 a 0 - e na expulsão de Kluivert, ao dar uma cotovelada no zagueiro belga Lorenzo Staelens. Só no segundo jogo, enfim, apareceu o brilhantismo daquela geração, nos inapeláveis 5 a 0 na Coreia do Sul, em Marselha. E a terceira partida neerlandesa, em 25 de junho de 1998, sintetizou o que foi a Oranje na fase de grupos: contra o México, categoria esbanjada no primeiro tempo, fazendo 2 a 0 no ataque, e leniência além da conta na etapa final, permitindo o empate da seleção centroamericana, nos acréscimos. A Holanda terminara o grupo E na primeira posição, tivera bons momentos, mostrava jogadores entre os mais elogiados da Copa (Frank de Boer, Davids, Bergkamp)... mas faltava algo.

Esse "algo" começou a aparecer nas oitavas de final, em Toulouse, contra a Iugoslávia, em 28 de junho de 1998. Numa partida já emocionante, a Holanda viveu a montanha-russa de emoções. Começou muito melhor, abriu o placar, voltou pior do segundo tempo, tomou o empate dos iugoslavos, se aliviou com o pênalti perdido por Predrag Mijatovic, voltou a pressionar, mostrou sua primeira grande atuação naquela Copa do Mundo... até a virada para 2 a 1, nos acréscimos, com Davids chutando de longe para o gol da vitória. Já foi motivo para celebração grande da delegação no gramado, quando o jogo acabou. As quartas de final teriam celebração ainda maior. Afinal de contas, tratava-se de uma partida contra a Argentina, outra das seleções mais elogiadas daquele Mundial, em Marselha. E o jogo de 4 de julho de 1998 teve ainda mais emoções do que as oitavas haviam trazido. 

De novo, um começo insinuante holandês, envolvendo a defesa argentina até o gol de Kluivert, voltando naquela partida da suspensão pela expulsão na estreia. De novo, o empate rápido, com a Argentina aproveitando linha de impedimento mal feita. A Albiceleste crescendo no segundo tempo, com a expulsão de Arthur Numan e a pressão simbolizada num chute de Gabriel Batistuta na trave. Depois, outra expulsão, de Ariel Ortega, após simulação não-confessada de Van der Sar. O 1 a 1 tenso levaria à prorrogação... se não fosse lançamento preciso de Frank de Boer, domínio e finalização encantadores de Bergkamp, configurando o mais bonito gol daquela Copa - e um dos mais bonitos de todos os Mundiais. Que na Holanda, para sempre, terá a locução de Jack van Gelder a embalar o jogo que parecia indicar à torcida e à imprensa de todo o mundo: a Laranja estava pronta para vencer a Copa. Van der Sar, Frank de Boer, Stam, Davids, Cocu, Bergkamp, Kluivert, Seedorf no banco... um time poderoso. Talvez o mais poderoso da Laranja desde 1974.


Que protagonizou, contra o Brasil, na semifinal de 7 de julho de 1998, também em Marselha, o jogo considerado - quase unanimemente - como o melhor daquela Copa. No primeiro tempo, mesmo sem gols, a Holanda foi levemente melhor. De pouco adiantava, contra dois jogadores brasileiros que desequilibravam naquela Copa: aos 40 segundos da etapa complementar, Rivaldo lançou, Ronaldo completou, 1 a 0. Ali começava mais um teste aos nervos de todos quantos estiveram no estádio Vélodrome. De um lado, a Holanda bombardeando o gol de Taffarel, principalmente com Kluivert; do outro, Rivaldo e sua ofensividade, Ronaldo e sua velocidade então imparável, vencendo Stam, Frank de Boer, quem quer que fosse, criando chances para o Brasil. Até que, ao fim dos 90 minutos, um cruzamento, e Kluivert enfim acertou uma finalização, empatando. Mais do que isso: nos acréscimos do segundo tempo, um suposto pênalti de Aldair sobre Pierre van Hooijdonk (puxão na entrada da área) virou razão para os holandeses lamentarem até hoje.

Na prorrogação, o Brasil atacou bem mais - graças à boa entrada de Denílson, superando a marcação de Winter. Todavia, Kluivert também mantinha seu perigo no ataque. Fosse como fosse, num jogo tão equilibrado e intenso, o 1 a 1 ficou no placar ao fim dos 120 minutos. E só os pênaltis puderam definir quem passaria à final daquela Copa. Na época, a Holanda não se preocupava tanto em disputar decisões de chute da marca da cal - guiada, como quase sempre, pelos pensamentos de Johan Cruyff, que desprezava treinos de cobranças (achava que era impossível e inútil tentar simular, em práticas, a carga emocional de uma disputa de pênaltis para valer). Talvez por isso, talvez pelo mérito que Taffarel sempre teve nessas séries de chutes, o Brasil estava mais preparado. Fez 4 a 2 nas cobranças - Cocu e Frank de Boer mandaram suas cobranças nas mãos do goleiro brasileiro. E a Holanda conheceu ali, para muitos, a segunda maior tristeza que sua seleção masculina viveu em Copas do Mundo.


Muitos titulares da Laranja ainda voltaram para a disputa do terceiro lugar, em 11 de julho de 1998, em Paris. Contudo, a depressão já tomara conta daquela delegação. E a derrota por 2 a 1 para a Croácia, bem mais motivada rumo ao terceiro lugar logo em sua estreia nas Copas, só ampliou o ardor da ferida que ainda doía para a Holanda. Doía tanto que não é maluco pensar: aquela depressão foi o início do fracasso neerlandês nas eliminatórias da Copa de 2002, quando a geração que tanto brilhara em 1998 já entrara em decadência.

Van der Sar; Reiziger, Stam, Frank de Boer e Numan; Davids, Cocu, Jonk e Ronald de Boer; Bergkamp e Kluivert. Este time não foi campeão do mundo. Falando ao jornalista Paulo Vinícius Coelho, em seu livro "Os 50 maiores jogos das Copas do Mundo" (Panda Books, 2006), o também periodista Tiemen van der Laan - redator-chefe da revista Voetbal International - sintetizou: "E pensar que chegamos tão perto..."

Os convocados da Holanda para a Copa de 1998

Goleiros
1-Edwin van der Sar (Ajax) - 7 jogos, 7 gols sofridos
18-Ed de Goey (Chelsea-ING) - não jogou
22-Ruud Hesp (Barcelona-ESP) - não jogou

Defensores
3-Jaap Stam (PSV) - 7 jogos
4-Frank de Boer (Ajax) - 7 jogos
5-Arthur Numan (PSV) - 6 jogos
2-Michael Reiziger (Barcelona-ESP) - 4 jogos
15-Winston Bogarde (Barcelona-ESP) - 2 jogos
13-André Ooijer (PSV) - não jogou

Meio-campistas
11-Phillip Cocu (PSV) - 7 jogos, 2 gols
7-Ronald de Boer (Ajax) - 6 jogos, 2 gols
16-Edgar Davids (Juventus-ITA) - 6 jogos, 1 gol
6-Wim Jonk (PSV) - 6 jogos
10-Clarence Seedorf (Real Madrid-ESP) - 4 jogos
12-Boudewijn Zenden (PSV) - 4 jogos
20-Aron Winter (Internazionale-ITA) - 4 jogos
19-Giovanni van Bronckhorst (Feyenoord) - não jogou

Atacantes
8-Dennis Bergkamp (Arsenal-ING) - 7 jogos, 3 gols
14-Marc Overmars (Ajax) - 6 jogos, 1 gol
9-Patrick Kluivert (Milan-ITA) - 4 jogos, 2 gols
17-Pierre van Hooijdonk (Nottingham Forest-ING) - 3 jogos, 1 gol
21-Jimmy Floyd Hasselbaink (Leeds United-ING) - 2 jogos

Técnico: Guus Hiddink

Um comentário:

  1. A geração e seleção holand... neerlandesas da década de 1990 realmente eram muito boas. Uma pena, pra eles, que por duas vezes tinha um Brasil no meio do caminho.

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