No caminho para a Copa de 2006, a Holanda passou por uma reformulação, bem conduzida nas eliminatórias. Porém, quando o Mundial chegou, as turbulências explodiram com alguns veteranos (Getty Images) |
A geração que havia brilhado pela seleção da Holanda na Copa de 1998 passou pela gigantesca frustração da derrota nas semifinais da Euro 2000, co-sediada pelos Países Baixos com a Bélgica. A "depressão" contribuiu - com mais alguns fatores, como as brigas daquela geração com o técnico Louis van Gaal - para a ausência na Copa de 2002. E a campanha criticada na Euro 2004 (mesmo semifinalista, a Laranja foi considerada "medrosa" demais para o gosto futebolístico do país) representou o início de uma mudança. Entretanto, essa mudança não estava bem equilibrada dentro da Oranje quando chegou a Copa de 2006. O que resultou em mais uma participação neerlandesa turbulenta em Mundiais: entre veteranos que já preparavam o adeus e novatos ainda sem tanta preponderância, o resultado foi um desempenho discreto. Só não mais discreto por causa do modo como a eliminação nas oitavas de final se deu.
A mudança citada no parágrafo inicial foi simbolizada por um nome: Marco van Basten, a escolha surpreendente da federação para treinar a seleção, após a Euro 2004 (e a saída de Dick Advocaat). Considerado mais escolhido por ser indicação aberta de Johan Cruyff, seu tutor futebolístico, do que pela experiência no cargo - só treinara equipes de base no Ajax, desde 2001 -, Van Basten voltava ao olhar público naquele momento, após o encerramento precoce da carreira em 1995. Ainda assim, já chamaria a responsabilidade. Boa parte da geração dos anos 1990 não teria vez com "San Marco" no comando. Michael Reiziger, Jaap Stam, Frank de Boer, Boudewijn Zenden, Marc Overmars, Patrick Kluivert: todos eles eram considerados "estrelas" demais por Van Basten, todos eles terminaram sua carreira na seleção com a Euro. Só Edwin van der Sar, Giovanni van Bronckhorst, Phillip Cocu e Edgar Davids - este, por pouco tempo - ficariam para a nova fase, sob o comando do novo técnico. Haveria gente um pouco mais nova, mas já experiente, como Wilfred Bouma, Mark van Bommel e Ruud van Nistelrooy. Mas nas eliminatórias para voltar a uma Copa, a hora seria do coletivo. E de novos destaques.
O anúncio de Marco van Basten como técnico da Holanda, em 2004, surpreendeu meio mundo (Barrington Combes/PA Images/Getty Images) |
Alguns deles já haviam estreado anos antes, é verdade: o meio-campo Rafael van der Vaart abrira o caminho em 2001, Wesley Sneijder e Arjen Robben começariam suas trajetórias na Laranja em 2003 - e já se destacariam a ponto de irem à Euro 2004, bem como John Heitinga, uma novidade na zaga. Nas eliminatórias da Copa, Van Basten abriria mais espaço nas convocações para novatos. Os zagueiros Joris Mathijsen e Khalid Boulahrouz, o lateral Jan Kromkamp, os atacantes Dirk Kuyt e Romeo Castelen: todos eles tiveram sua primeira chance na Laranja no segundo semestre de 2004. Os estreantes não precisavam nem ser novos de idade: o meio-campo Barry van Galen, do AZ, aos 34 anos de idade, foi o mais velho jogador a estrear na história da seleção masculina holandesa naquela época (só perderia a primazia para Sander Boschker, em 2010). Chegou 2005, e mais nomes estrearam pela equipe dos Países Baixos ao longo daquele ano na campanha de qualificação para a Copa: Barry Opdam (29 anos) na zaga, Hedwiges Maduro no meio-campo, Ryan Babel e Robin van Persie no ataque...
Pelo menos naquele momento, o equilíbrio entre a experiência de alguns e a novidade de muitos deu certo. Porque, no grupo 1 das eliminatórias europeias, a Holanda retomou a autoridade. Mesmo reencontrando a República Tcheca, semifinalista da Euro 2004 (que até derrotara os holandeses na fase de grupos dela), a Laranja foi líder absoluta. Tinha no ataque o símbolo da mudança de gerações: Ruud van Nistelrooy provou que era a referência ofensiva holandesa daquele momento - 7 gols na qualificação -, enquanto Robben se afirmou como um grande talento técnico, muito rápido pela ponta direita. De certa forma, o jogo da classificação para a Copa - 2 a 0 na República Tcheca, em 8 de outubro de 2005, na cidade de Praga - indicou a utilidade das duas faixas etárias da Holanda. Inquestionável no gol, capitão da seleção, o veterano Edwin van der Sar defendeu um pênalti de Tomas Rosicky, ainda no primeiro tempo; logo depois, Van der Vaart, o primeiro daquela nova geração a vestir laranja, abriu o placar que Opdam completaria. E em plena capital tcheca, a Laranja foi quem celebrou - a República Tcheca teria de passar pela repescagem para também comemorar a ida à Copa.
Quando 2006 começou, a Holanda já tinha o peso de saber que estaria no "grupo da morte" daquela Copa: o grupo C, com Argentina, Costa do Marfim e Sérvia & Montenegro. Viriam mais pesos ao longo daquele primeiro semestre pré-Copa. O primeiro, na verdade, já vinha de 2005: a desconfiança sobre o nível técnico da zaga. Sem Frank de Boer, nenhum defensor tinha muita técnica - fossem Mathijsen e Opdam, a dupla preferencial de titulares nas eliminatórias, fossem novatos como Ron Vlaar (AZ), que estreou aos 20 anos, num amistoso contra a Itália ainda em 2005, e foi presa fácil para os 3 a 1 da Azzurra. Além disso, a restrição de Van Basten a veteranos fez mais um ausência na Laranja: sem garantias de que seria titular, com somente quatro jogos nas eliminatórias, Edgar Davids preferiu abandonar a seleção antes mesmo da convocação para a Copa. Nos amistosos, o time era considerado pouco criativo, pouco ofensivo - e os resultados provaram: 1 a 0 no Equador (1º de março de 2006, em Amsterdã), 1 a 0 em Camarões (27 de maio de 2006, em Roterdã). Na convocação dos 23 jogadores para o Mundial, Van Basten até surpreendeu: nomes frequentes nas eliminatórias, como Barry Opdam e Romeo Castelen, ficaram fora do Mundial - mas a ausência mais reclamada foi a de um nome que brilhava no título europeu sub-21, conquistado pela Holanda pouco antes das disputas começarem na Alemanha: Klaas-Jan Huntelaar, artilheiro daquela Euro jovem.
Mais dois amistosos vieram antes da viagem à Alemanha para a Copa- 2 a 1 no México (1º de junho de 2006, em Eindhoven), e 1 a 1 com a Austrália (a despedida, em 3 de junho de 2006, em Roterdã). As más atuações, algumas lesões - pisado no tornozelo contra a Austrália, Sneijder escapou do corte por muito pouco -, tudo isso trazia uma forte desconfiança sobre as possibilidades holandesas. Desconfiança que diminuiu um pouco com a estreia, contra Sérvia & Montenegro em crise dentro e fora de campo (dentro, pelo corte do zagueiro Dusan Petkovic, filho do técnico Ilija Petkovic, após críticas do grupo; fora, pelo plebiscito que já decidira a separação das duas nações, pouco depois da Copa). E naquele 11 de junho de 2006, em Leipzig, um nome brilhou: Arjen Robben. Foi ele o autor do gol do 1 a 0 da vitória, foi ele que causou alvoroço na defesa sérvia-montenegrina, foi ele o grande destaque da Holanda. Tão destacado que causou até críticas dos próprios companheiros. Após a partida, Van Persie opinou abertamente: "Robben precisa considerar seus colegas. Às vezes, ele faz escolhas que são boas para ele, mas não são para o time. Todos precisamos nos tocar que estamos fazendo isso juntos".
Os melhores momentos de Holanda 1x0 Sérvia e Montenegro, na Copa de 2006, na transmissão da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno
As críticas voltaram, porém, com força total no segundo jogo da Laranja pela Copa. Em Stuttgart, contra a Costa do Marfim, em 16 de junho de 2006, o começo foi até promissor: dois gols rápidos, de Van Persie e Van Nistelrooy, uma vantagem segura. Mas o belo gol de Bakary Koné iniciou a superioridade da Costa do Marfim: estreantes em Copas, os marfinenses encurralaram a defesa laranja, assustaram mais vezes, tiveram até um pênalti não marcado pelo juiz colombiano Oscar Ruiz. O 2 a 1 assegurou a classificação holandesa às oitavas de final, já foi motivo de comemoração para a torcida laranja (em quantidade bem maior no estádio Gottlieb-Daimler) e para os jogadores, mas mantinha a impressão pragmática demais para a torcida. E a saída de Van Nistelrooy, substituído por Denny Landzaat aos 73', era o início de uma discussão que envenenaria o ambiente daquela delegação.
Os melhores momentos de Holanda 2x1 Costa do Marfim, na Copa de 2006, na transmissão da TV Globo, com a narração de Luis Roberto
Seguiria envenenando após o terceiro jogo pela fase de grupos: 0 a 0 para cumprir tabela, contra a Argentina também já classificada, no dia 21 de junho de 2006, em Frankfurt. Com uma escalação mista - meio e ataque titulares, defesa com laterais novatos em Kew Jaliens (direita) e Tim de Cler (esquerda) -, a Holanda teve inferioridade leve à Argentina. Só Van der Sar teve algum motivo para celebrar aquele empate: além de boa defesa em chute de Juan Riquelme, o goleiro se tornava ali o recordista de partidas pela seleção (112, igualando a marca de Frank de Boer). Porém, de novo Van Basten substituiu Van Nistelrooy, considerado a grande esperança holandesa antes da Copa começar - Babel entrou em seu lugar. De quebra, o técnico da seleção criticou o camisa 9, dizendo que ele precisava provar mais para merecer a titularidade.
Os melhores momentos de Holanda 0x0 Argentina, na Copa de 2006, na transmissão da TV Globo, com a narração de Cleber Machado
Era só o começo. Internamente, a relação entre Van Bommel e Van Basten também piorava: deixado de fora contra a Argentina, o meio-campista também ficaria de fora contra Portugal, nas oitavas de final - e terminou aquela Copa prometendo (e cumprindo) não jogar mais pela Holanda enquanto Van Basten fosse o treinador. Com Van Nistelrooy, a paciência acabara: Robben, Kuyt e Van Persie formariam o trio de ataque holandês contra Portugal, no dia 25 de junho de 2006, em Nuremberg.
Toda essa polêmica ficaria em segundo plano, diante do que se viu naquela partida das oitavas de final da Copa: um dos jogos mais violentos da história dos Mundiais - 12 cartões amarelos, quatro vermelhos. A sucessão de faltas, aliás, começou com um holandês: titular na lateral direita, no lugar de Heitinga, Boulahrouz deu um verdadeiro coice na coxa de Cristiano Ronaldo, já levando o amarelo aos sete minutos de jogo - e inviabilizando a permanência de Cristiano, substituído em lágrimas aos 34'. Daí em diante, Portugal respondeu. A Holanda se enervou. E o jogo foi uma sucessão de brigas, faltas, gritos... só uma notável exceção: Van Basten, que passou os 90 minutos impassível na área técnica, sem reagir.
Com bola rolando, Portugal teve leve superioridade. Principalmente no primeiro tempo, com o gol decisivo de Maniche - e outras boas chances, como uma com Simão, defendida à queima-roupa por Van der Sar. No segundo tempo, a Holanda reagiu levemente. Phillip Cocu teve a grande chance, numa bola no travessão. Dirk Kuyt quase empatou, já na reta final. Mas seguiu marcante o nervosismo da Laranja em campo, diante de um time português que também se enervava, também fazia faltas, mas sabia melhor se portar naquele tipo de jogo - até pela experiência de Luiz Felipe Scolari, o técnico português, em partidas assim. Monótona demais no ataque (Van Nistelrooy ficou no banco durante os 90 minutos, em decisão massivamente criticada), também violenta na defesa, a Holanda foi eliminada em baixa da Copa do Mundo.
Os melhores momentos de Portugal 1x0 Holanda, na Copa de 2006, com imagens da Sky Sports inglesa e áudio da TV Globo, com a narração de Galvão Bueno
Uma baixa que causou consequências: além de Van Bommel, Van Nistelrooy também anunciou que deixaria a seleção pouco depois da Copa, após tantas discordâncias com Van Basten (pazes feitas, voltaria em 2007). Além daquilo, a Copa tinha sido o capítulo final pela seleção de mais um veterano, Phillip Cocu. E a troca de geração, que começara tão bem sob Van Basten, terminou muito mal. Assim como em 1994, diante de tão poucos veteranos (e das turbulências com alguns deles), a nova geração ainda não tinha protagonistas. Tinha nomes talentosos, é verdade: Robben e Van Persie jogaram bem naquela Copa. Mas ainda não tinham estofo para serem decisivos.
O consolo viria em 2010, quando os novatos de 2006 já teriam maturidade para levar a Holanda a momentos marcantes em Copas.
Os convocados da Holanda para a Copa de 2006
Goleiros
1-Edwin van der Sar (Manchester United-ING) - 4 jogos, 2 gols sofridos
22-Henk Timmer (AZ) - não jogou
23-Maarten Stekelenburg (Ajax) - não jogou
Defensores
3-Khalid Boulahrouz (Hamburg-ALE) - 4 jogos
13-André Ooijer (PSV) - 4 jogos
4-Joris Mathijsen (AZ) - 3 jogos
14-John Heitinga (Ajax) - 3 jogos
5-Giovanni van Bronckhorst (Barcelona-ESP) - 3 jogos
2-Kew Jaliens (AZ) - 1 jogo
15-Tim de Cler (AZ) - 1 jogo
12-Jan Kromkamp (Liverpool-ING) - não jogou
Meio-campistas
8-Phillip Cocu (PSV) - 4 jogos
20-Wesley Sneijder (Ajax) - 4 jogos
10-Rafael van der Vaart (Hamburg-ALE) - 3 jogos
18-Mark van Bommel (Barcelona-ESP) - 3 jogos
6-Denny Landzaat (AZ) - 3 jogos
16-Hedwiges Maduro (Ajax) - 1 jogo
Atacantes
17-Robin van Persie (Arsenal-ING) - 4 jogos, 1 gol
11-Arjen Robben (Chelsea-ING) - 3 jogos, 1 gol
9-Ruud van Nistelrooy (Manchester United-ING) - 3 jogos, 1 gol
7-Dirk Kuyt (Feyenoord) - 3 jogos
19-Jan Vennegoor of Hesselink (PSV) - 1 jogo
21-Ryan Babel (Ajax) - 1 jogo
Técnico: Marco van Basten
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