Stekelenburg estaria sendo apenas um reserva experiente no Ajax, em condições normais. As surpresas do destino lhe deram a chance de jogar, mostrar capacidade e ir à Euro (Pro Shots/onsoranje.nl) |
Ficha técnica
Nome: Maarten Stekelenburg
Posição: Goleiro
Data e local de nascimento: 22 de setembro de 1982, em Haarlem
Clubes na carreira: Ajax (2002 a 2011 e desde 2020), Roma-ITA (2011 a 2013), Fulham-ING (2013 a 2016), Monaco-FRA (2014 a 2015, por empréstimo), Southampton-ING (2015 a 2016, por empréstimo) e Everton-ING (2016 a 2020)
Desempenho na seleção: 56 jogos, desde 2004 (44 gols sofridos)
Torneios pela seleção: Copa de 2006 (não jogou), Euro 2008 (1 jogo, nenhum gol sofrido), Copa de 2010 (7 jogos, 6 gols sofridos), Euro 2012 (3 jogos, 5 gols sofridos)
Há um ano, Maarten Stekelenburg parecia no crepúsculo de sua carreira, voltando ao Ajax para um fim coberto de respeito e homenagens onde sua trajetória começou. Há um ano, também, o arqueiro surdo de um ouvido parecia coisa do passado, em termos de seleção. Pois é: sua convocação para a Euro é mais um sinal de como as coisas mudam no futebol. Em uma reviravolta notável, "Steek" teve chance de voltar a ter uma sequência de jogos no Ajax. Aproveitou, e teve o caminho reaberto na Laranja. A reação (até inesperada) está coroada com a convocação, para ser o mais velho jogador da história da seleção neerlandesa na Euro, aos 38 anos - fará 39 em setembro.
Dono de um diploma profissionalizante como cozinheiro, o nativo de Haarlem começou a trajetória em dois clubes amadores: primeiro, o Zandvoort '75, depois o VV Schoten. Inclusive, nem era goleiro: acabou engrenando na posição ao ser experimentado nela, com sucesso, durante uma partida em que o titular faltara. E já foi jogando debaixo das traves que Stekelenburg chamou a atenção de olheiros do Ajax, aos 13 anos de idade. Simultaneamente, recebeu proposta do Haarlem, clube da cidade natal, já extinto. Mas preferiu rumar para o clube de Amsterdã.
Mais alguns anos, e Stekelenburg também começou o caminho nas seleções holandesas de base, a partir do ano 2000, quando ganhou a primeira chance na equipe sub-18 da Laranja. No ano seguinte, o goleiro já foi convocado para o Mundial Sub-20, com Louis van Gaal como técnico neerlandês e futuros colegas de seleção adulta na equipe, como John Heitinga e Arjen Robben. Stekelenburg ficou na reserva, mas já sinalizara: vinha com tudo para começar a carreira. Sinal mais fortalecido na temporada 2001/02, quando o time B do Ajax foi semifinalista da Copa da Holanda - com ele como titular do gol.
E a partir da temporada 2002/03, Stekelenburg entrou na disputa tripla que se via então no gol do Ajax, com o romeno Bogdan Lobont e o croata Joey Didulica. Mas tanto o titular quanto o reserva se lesionaram, e o jovem já apareceu numa ou noutra partida: foi titular na conquista da Supercopa da Holanda, e teve nove partidas pela Eredivisie, mais três pela Liga dos Campeões. O goleiro ainda ficou mais na reserva de Lobont em 2003/04, mas recebeu a chance definitiva na temporada seguinte: o técnico Ronald Koeman anunciou que seria Stekelenburg o titular do Ajax em 2004/05. De quebra, mereceu também sua primeira atuação pela seleção principal da Holanda: substituiu Van der Sar e jogou o segundo tempo de um amistoso contra Liechtenstein (3 a 0, em 3 de setembro de 2004).
Stekelenburg foi promissor no Ajax desde o início. Mas só a partir de 2005 se tornou titular inquestionável nos Amsterdammers (Stuart Franklin/Getty Images) |
Houve ainda uma lesão, que tirou Stekelenburg da reta final daquela temporada 2004/05. Porém, em 2005/06, restabelecido, enfim ele se tornou o titular absoluto do Ajax, tanto no Campeonato Holandês quanto na Liga dos Campeões. Celebrou o primeiro título como titular do Ajax: a Copa da Holanda. E por fim, o primeiro grande torneio pela seleção holandesa: Stekelenburg foi um dos três goleiros convocados por Marco van Basten para a Copa de 2006. Aos 23-quase-24 anos, era a "aposta para o futuro".
Dali por diante, seguindo como titular inquestionável do Ajax, Stekelenburg foi ganhando uma relativa sequência no gol da Holanda: com Van der Sar já se preparando para o adeus à Laranja, jogou mais partidas nela do que o titular durante 2007 (sete, contra quatro do habitual camisa 1 holandês). Novamente, foi convocado para um grande torneio, a Euro 2008 - e nela, até atuou em uma partida, contra a Romênia, na fase de grupos.
Após aquela Euro, Van der Sar deixou a seleção. Outro reserva habitual até então, o também veterano Henk Timmer parou de ser convocado. O caminho parecia aberto para Stekelenburg estabelecer na seleção uma trajetória tão longa quanto a que estabelecia no Ajax. 2009 colocou dúvidas sobre isso: falhando tanto pela Holanda quanto pelos Ajacieden, o arqueiro chegou a passar uns meses no banco de reservas. Com Edwin van der Sar ainda brilhando no Manchester United, não faltava quem pedisse que ele fosse "desaposentado" e defendesse a Holanda na Copa de 2010.
Mas o técnico Martin Jol chegou ao Ajax e fez de Stekelenburg novamente titular da equipe. Em fevereiro de 2010, o próprio Van der Sar pediu fim aos rumores de que voltaria à seleção, sendo claro: Stekelenburg deveria ser o titular da Holanda, na Copa que se aproximava. Foi o que aconteceu. E o camisa 1 da Laranja na África do Sul apagou as dúvidas quando mais se precisava: justamente na Copa. Fez defesas importantes já contra a Eslováquia, nas oitavas de final. E sua defesa num chute de Kaká, durante um excelente primeiro tempo do Brasil nas quartas de final, ficou historicamente fundamental: ajudou a manter a Holanda no jogo, antes da virada no segundo tempo. Novamente a Laranja caiu na final, mas Stekelenburg voltou da Copa com o melhor presente possível: ganhara o respeito de quem acompanhara futebol no país. Ninguém mais pedia a volta de Van der Sar à seleção. De quebra, ainda houvera um título com o Ajax, em 2009/10: outra Copa da Holanda.
Poucos lances são tão lembrados na campanha da Holanda pela Copa de 2010 quanto a defesa de Stekelenburg num chute de Kaká, no primeiro tempo contra o Brasil (Getty Images) |
Na melhor fase da carreira, Stekelenburg concluiu a fase no Ajax com mais um título holandês - mesmo com uma fratura no dedo polegar, na reta final da temporada 2010/11. E enfim, após boatos de transferências aqui e ali, veio a aposta de um clube num centro mais competitivo: em julho de 2011, o goleiro tomava o caminho da Roma. Além do mais, continuava inquestionável na seleção, na fase madura da carreira, a caminho dos 30 anos.
Ocorreu de novo: quando tudo estava bem, a má fase perturbou Stekelenburg. Na seleção, embora sem comprometer, fez parte do vexame da Euro 2012. Na Roma, ainda em 2011, semanas após a chegada, foi atingido na cabeça pelo pé de Lúcio, durante um jogo contra a Internazionale, e desmaiou em campo - ainda assim, foi titular na maior parte da temporada de estreia, 2011/12. Já em 2012/13, titular romanista, o holandês falhou demais, a ponto de perder a posição para o uruguaio Mauro Goicochea. Ainda voltou a ter alguma sequência sob o comando de Aurelio Andreazzoli, mas seu espaço na Roma se diminuía mais e mais - bem como na seleção, onde já cedia a titularidade para vários concorrentes.
Um forte golpe acidental na cabeça assustou e atrapalhou. Mas não foi só por ele que Stekelenburg decaiu na Roma (AFP) |
Já em janeiro de 2013, houve negociações com o Fulham, fracassadas no último dia da janela de transferências. Mas em junho de 2013, tudo certo: Stekelenburg tomou o caminho do time inglês, para lá tentar recuperar alguma sequência de jogos. No começo, até deu certo: o técnico Felix Magath fez dele o titular dos Cottagers. Porém, durante a temporada 2013/14, duas lesões no ombro abriram caminho para o reserva Gavin Stockdale se estabilizar no gol do Fulham. Quando Stekelenburg voltou, já era tarde: teria de se contentar com o banco de reservas. Passou longe de ser lembrado na convocação da Copa de 2014.
Àquela altura, Stekelenburg já começava a ser lembrado menos como um goleiro digno da titularidade, e mais como um reserva experiente, sempre pronto para eventualidades. Já assim foi emprestado ao Monaco francês, na temporada 2014/15, sendo opção ao titular Danijel Subasic, e só atuando nas partidas da Copa da França. E também no empréstimo ao Southampton, onde passaria a temporada 2015/16 secundando o titular Fraser Forster, a pedido do técnico Ronald Koeman.
Stekelenburg até reagiu no Everton. Mas àquela altura, já era mais um coadjuvante experiente do que um protagonista, a despeito de rápida volta à seleção holandesa (AFP) |
Só aí se viu uma leve reação na carreira. Na primeira metade daquela temporada, Forster lesionou o ombro - Stekelenburg teve a chance, e foi bem. Forster retomou o posto, mas o nome do holandês voltara à baila. Ronald Koeman tomou o caminho do Everton após 2015/16, aproveitou que o contrato do goleiro compatriota com o Fulham se encerrava, e o levou para Goodison Park. E no começo do Campeonato Inglês, Stekelenburg pareceu recuperar a melhor forma, sendo titular do Everton. Chegou a pegar um pênalti de Sergio Agüero, contra o Manchester City (1 a 1, outubro, 8ª rodada). De quebra, num período em que Jasper Cillessen já era reserva no Barcelona e Tim Krul pelejava no banco do Ajax, o já veterano "Stekel" até voltou à seleção: jogou quatro partidas por ela, em outubro e novembro, no início da campanha fracassada nas eliminatórias da Copa de 2018.
A reação durou pouco. Logo o espanhol Joel Robles tomou a titularidade no gol do Everton. Depois, Jordan Pickford chegou para ser o nome absoluto na meta dos Toffees. Stekelenburg? Sempre na reserva. Assim ficou até 2020, já durante a pandemia. O contrato com o Everton se encerrava, e ele sinalizou que desejava voltar à Holanda. Dias depois, em junho, a surpresa: uma rápida negociação, e o retorno ao Ajax em que a história começara.
A volta ao Ajax parecia ser o começo de um digno fim. Foi um recomeço para Stekelenburg (Yannick Verhoeven/BSR Agency/Getty Images) |
Como dizia o parágrafo deste longo texto, parecia o retorno para um fim de carreira respeitado. O destino transformou em recomeço: em janeiro deste 2021, o titular André Onana levou a suspensão de um ano, pelo uso de furosemida, substância proibida pela UEFA. Stekelenburg virava titular do Ajax, de uma hora para outra. Pelo menos, sua experiência o deixava mais do que preparado para a tarefa. Ele terminou como goleiro campeão holandês - e de quebra, ainda pegou até um pênalti, no clássico contra o Feyenoord, pela 32ª rodada.
As atuações seguras pelo Ajax bastaram para que um velho conhecido, Frank de Boer, o trouxesse de volta à seleção holandesa, cinco anos depois. E a experiência dos quase 40 anos, duas Euros e duas Copas longínquas depois, valem a Stekelenburg o retorno a um grande torneio pela Holanda. Por enquanto, como reserva de Tim Krul. Mas vai que...
(Laurens Lindhout/Soccrates/Getty Images) |
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