Não adianta: Frank de Boer segue sob forte desconfiança no comando da Holanda. Só uma campanha muito boa na Euro eliminará as dúvidas. E olhe lá (Pro Shots/onsoranje.nl) |
Nome: Franciscus "Frank" de Boer
Data e local de nascimento: 15 de maio de 1970, em Hoorn
Carreira como treinador: Ajax (2006 a 2010, categorias de base), Seleção holandesa (2008 a 2010, como auxiliar técnico), Ajax (2010 a 2016), Internazionale-ITA (2016), Crystal Palace-ING (2017), Atlanta United-EUA (2019 a 2020) e seleção holandesa (desde 2020)
Comissão técnica: Dwight Lodeweges, Maarten Stekelenburg e Ruud van Nistelrooy (auxiliares técnicos) e Patrick Lodewijks (treinador de goleiros)
Após sete anos - valendo por seis, na verdade - longe de uma grande competição, a seleção masculina da Holanda volta sob pressão. Alguns jogadores, como Memphis Depay, têm o que provar pela Laranja. Entretanto, ninguém recebe olhares tão desconfiados (alguns olhares, até de reprovação, mesmo) quanto Frank de Boer. E há motivos para essa impressão negativa: após um começo promissor no Ajax, o ex-zagueiro somente teve trabalhos que "carbonizaram" seu filme. Mesmo sua escolha como sucessor de Ronald Koeman se deu mais por falta de opção do que por preferência. Caberá a De Boer provar que aprendeu certas lições - e isso só será feito em caso de campanha elogiável dos neerlandeses na Euro.
Como jogador, há pouco a dizer sobre De Boer que não seja elogioso - e o próprio Espreme a Laranja fez isso no ano passado, quando Frank e o irmão gêmeo Ronald fizeram 50 anos de idade. Um dos zagueiros mais técnicos que o futebol holandês já teve, um dos símbolos de uma fase na história do Ajax, muito bem no Barcelona, três Euros e duas Copas pela Laranja (todas como titular absoluto), terceiro jogador com mais partidas pela seleção (112, entre 1990 e 2004): enfim, Frank de Boer seguramente entra em qualquer lista importante de jogadores neerlandeses ao longo dos tempos.
Mas Frank decidiu colocar esse histórico à prova logo que passou para o banco de reservas, dando vazão a uma tendência que já se via nele enquanto jogador ("Eu nunca me interessei em saber como joga o adversário; Frank sim", já disse o colega e amigo pessoal Edwin van der Sar). Primeiro, tendo história grande no Ajax, nada foi mais natural que começar pelos times de base dos Amsterdammers, em 2006, logo após encerrar a carreira. Mas a aptidão para treinar já recebeu a grande chance em 2008: enquanto fazia os cursos da UEFA, De Boer foi escolhido para ser um dos auxiliares de Bert van Marwijk na seleção holandesa principal, ao lado de outro companheiro de geração, Phillip Cocu. O bom trabalho feito na Oranje entre 2008 e 2010, coroado com o vice-campeonato mundial, rendeu até elogios periféricos à atenção que Frank de Boer apresentava aos adversários, no trabalho junto a Van Marwijk.
O estágio auxiliando Bert van Marwijk na Holanda vice-campeã na Copa de 2010 já foi uma boa escola para Frank de Boer (Pro Shots) |
Crescia a impressão de que ele tinha capacidade para assumir tarefas maiores - tanto que, após a Copa de 2010, ele deixou a comissão técnica da seleção. De modo meio apressado, a chance esperada chegou no fim daquele ano. Em meio a profundas mudanças internas que respingavam no campo, a diretoria do Ajax buscava devolver ao clube um pouco de suas origens, do estilo que o fez famoso no futebol. Poucos poderiam oferecer isso como Frank de Boer: em dezembro daquele ano, ele foi escolhido interinamente para substituir o demitido Martin Jol. Sua primeira partida: contra o Milan, na despedida da fase de grupos da Liga dos Campeões 2010/11, com o Ajax já eliminado. Deu certo: 2 a 0 Ajax, em pleno San Siro. Poucos dias depois, o interino era efetivado.
E ao longo do quatro anos seguintes, Frank foi o comandante de um Ajax que voltou a falar grosso no futebol holandês, como tetracampeão nacional. Notabilizou-se primeiro pelas qualidades: a abertura aos jovens jogadores (de Toby Alderweireld a Davy Klaassen, de Viktor Fischer a Lesly de Sa, nomes célebres ou esquecidos se tornaram titulares com ele), um estilo ofensivo nos jogos em casa, até mesmo pelas arrancadas que renderam alguns títulos - na conquista da Eredivisie 2010/11, após sete anos de jejum, o Ajax venceu nas sete rodadas derradeiras; em 2011/12, a reação foi ainda mais notável - treze vitórias nos últimos 13 jogos pela liga.
Frank de Boer foi peça-chave para o Ajax voltar a ser dominante no futebol holandês (Getty Images) |
Porém, havia problemas aqui e ali. Se era leão no futebol dos Países Baixos, o Ajax não passava de um gatinho nos torneios europeus. Pela Liga dos Campeões, só esteve perto da classificação às oitavas de final em 2011/12 e 2013/14. Se o estilo de manutenção da posse de bola com troca de passes servia para a Eredivisie, era lento demais nas grandes competições - e o Ajax sofreu algumas eliminações vexatórias naqueles anos (basta citar as quedas na Liga Europa: Red Bull Salzburg-AUT em2013/14, Dnipro-UCR em 2014/15). Além do mais, alguns jogadores se queixavam da falta de consideração de Frank ao escanteá-los no trabalho: caso do dinamarquês Nicolai Boilesen, que foi progressivamente encostado dentro do grupo ao ter um pedido de saída do Ajax negado.
Em 2015/16, já havia sinais de fadiga no trabalho de Frank no Ajax. A gota d'água foi a histórica perda do título na última rodada da Eredivisie daquela temporada, quando bastava vencer um De Graafschap praticamente rebaixado, mas os Ajacieden não passaram de um empate, entregando o título ao PSV. Depois Frank diria que se demitiria mesmo com o título, mas aquele revés tornou sua permanência impossível em Amsterdã. Era hora de buscar outros . E em maio de 2016, ele deixou a "casa".
Frank de Boer já vinha com o trabalho estagnado no Ajax - e a dramática perda da Eredivisie 2016/17, na última rodada, foi o que faltava para a demissão (Pim Ras Fotografie) |
Cogitado por alguns outros clubes (falou-se muito em Tottenham, naquela época), De Boer foi escolhido em junho como o nome para comandar a Internazionale. Ali o holandês de Hoorn notou: muito pior do que ter um trabalho bom até certo ponto, como ocorrera no Ajax, era tomar decisões erradas, nas horas erradas. Se a Inter vivia um período de entressafras e inconstâncias, com turbulências internas em meio à troca de donos, Frank dificiultou ainda mais sua vida ao insistir num estilo ofensivo. Pior: foi impaciente e crítico além da conta mesmo com nomes que mereciam alguma repreensão, como o brasileiro Gabigol (anos depois, ainda alfinetado por ele como "Gabi-não-gol"). Enquanto a Inter buscava um estilo, vinham os tropeços: última colocação em seu grupo na Liga Europa 2016/17, sequências de derrotas no Campeonato Italiano... após enfileirar cinco reveses seguidos, foi demais para Frank de Boer: demitido, após 85 dias, deixando o time de Milão na 12ª posição do Calcio.
O holandês já saiu chamuscado da Itália. Mas tudo bem, ainda era algo perdoável, e ele próprio assumiu "precisar de um tempo", em seu perfil no Twitter. Decidiu deixar o período sabático pouco antes da temporada 2017/18: em junho de 2017, aceitou suceder Sam Allardyce para comandar o Crystal Palace, na Inglaterra. Talvez tivesse sido melhor continuar na reciclagem. Se o trabalho na Internazionale fora desastroso, no Palace Frank de Boer teve momentos ainda piores. Insistindo na ofensividade e na posse de bola, num clube pequeno do Campeonato Inglês, se esforçando para se manter acima da zona de rebaixamento... não podia dar certo. Não deu: nas primeiras quatro rodadas da Premier League na temporada, quatro derrotas, sem que o clube marcasse nenhum gol, algo que não ocorria desde 1924. Só uma vitória, pela Copa da Liga Inglesa, contra o Ipswich Town, na segunda fase.
A demissão do Crystal Palace veio ainda mais cedo: após 77 dias, em setembro de 2017, Frank de Boer estava fora. Pior: daquela vez, o técnico saiu criticando a resistência dos jogadores ao seu estilo - e também à falta de mobilização da diretoria, que só contratou dois jogadores pedidos por ele. Mas uma crítica mereceu resposta especial: se o holandês criticou o tratamento duro dado por José Mourinho a Marcus Rashford no Manchester United, dizendo que "só a vitória importava para Mourinho", o português jogou sal na ferida do péssimo trabalho do neerlandês na Inglaterra: "Eu li algo de Frank de Boer, o pior técnico da história da Premier League. Ele disse que não era bom para Rashford ter um técnico como eu, porque a vitória é a coisa mais importante para mim. Se ele fossse treinado por Frank, só teria perdido, porque o time de Frank só perdeu". Chegava a ser humilhante.
Na Internazionale, o trabalho já fora péssimo. No Crystal Palace, a demissão não foi suficiente - Frank de Boer foi humilhado pelas críticas (AP) |
Tão humilhante que, aí sim, De Boer aumentou o período sabático. Ficou mais concentrado na participação em debates da televisão holandesa, aqui e ali. E só em dezembro de 2018, mais de um ano após a demissão do Crystal Palace, De Boer reativou a carreira. E foi mais modesto nas ambições: rumou para os Estados Unidos, sendo o segundo técnico da história do Atlanta United. Pelo menos por algum tempo, deu certo. Contando com a experiência de nomes como o goleiro Brad Guzan, mais dois confiáveis atacantes em Ezequiel Barco e Gonzalo "Pity" Martínez, De Boer viu o Atlanta United se sagrar campeão da MLS Open Cup, em agosto de 2019. Na Major League Soccer, o resultado também mereceu algum elogio: o vice-campeonato na Conferência Leste, perdendo a decisão para o Toronto FC.
No Atlanta United, uma leve reação (Imago/One Football) |
Pelo menos, era um recomeço. A pandemia interrompeu tudo. E quando o futebol pôde voltar nos Estados Unidos, com o torneio amistoso "MLS Is Back", três derrotas seguidas encurtaram a permanência de Frank no Atlanta United. Era mais uma demissão, em julho de 2020. Pelo menos, indiretamente, ela deixou De Boer livre para uma chance que se abriu. Com Ronald Koeman preferindo deixar a seleção holandesa rumo ao Barcelona, no mês seguinte, a federação holandesa se viu perdida. Precisava de um nome que não alterasse as bases sólidas do trabalho sob Koeman. Mas nomes como Louis van Gaal e Frank Rijkaard tinham encerrado a carreira; Erik ten Hag e Peter Bosz estavam então em contrato com seus clubes; Henk ten Cate, até bem visto entre os jogadores da Laranja, era mal visto pela federação, sendo considerado defasado; e trazer um nome estrangeiro seria medida dura demais para um país que se orgulha do jeito como vê o futebol.
Frank de Boer era o único holandês à disposição. E foi mais por isso do que pela qualidade de seus trabalhos que o ex-zagueiro, de tantas histórias vestindo laranja, foi anunciado como técnico, em 23 de setembro, num contrato até o fim da Copa de 2022. Começou mal: pela primeira vez em 116 anos de história, a Holanda ficou sem vitória nos quatro primeiros jogos de um técnico (uma derrota e três empates).
Frank de Boer tenta levar como técnico a história elogiável que teve como zagueiro da seleção holandesa (BSR Agency) |
Depois de um modo ou de outro, a Laranja teve algumas boas atuações. Mesmo com o começo preocupante nas eliminatórias da Copa de 2022, já voltou ao páreo. Ainda assim, Frank de Boer segue com a espada sobre sua cabeça. Seu trabalho segue sem atrair confiança. Se o título europeu por acaso vier, ele, sim, poderá dizer que foi quase "contra tudo e contra todos"
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