sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Os holandeses na Copa: Berghuis

Berghuis passou por mudanças notáveis na carreira, nos últimos tempos. Contudo, seu lugar na seleção da Holanda seguiu intacto (Divulgação/KNVB Media)

Ficha técnica
Nome: Steven Berghuis
Posição: Atacante
Data e local de nascimento: 19 de dezembro de 1991, em Apeldoorn 
Clubes na carreira: Twente (2011 a 2012), VVV-Venlo (2012, por empréstimo), AZ (2012 a 2015), Watford-ING (2015 a 2017), Feyenoord (2016 a 2021) e Ajax (desde 2021)
Desempenho na seleção: 39 jogos e 2 gols, desde 2016 
Torneios pela seleção: Liga das Nações (2020/21, 2022/23), Euro (2020+1)

(Versão revista e ampliada do texto de apresentação para o guia deste blog na Euro 2020+1)

Poucos jogadores viveram tantas mudanças nos últimos tempos, dentro da Holanda (Países Baixos), como Steven Berghuis. Até pouco tempo atrás, ele se notabilizava pelas atuações na ponta-direita; agora, se estabilizou no meio-campo. Até pouco tempo atrás, ele era o grande símbolo do Feyenoord dentro de campo; agora, é um dos destaques no arquirrival Ajax. Pelo menos, para ele, na seleção, nada mudou: cada vez mais estável nas convocações da Laranja nos últimos anos, mais frequente entre os titulares nas partidas recentes (e mesmo quando começa como reserva, sempre entra), era um nome previsível entre os convocados para a Copa do Mundo.

A influência para Steven começar no futebol veio de casa: seu pai, Frank Berghuis, não só foi atacante - ponta-esquerda com passagem pelo PSV -, como atuou em um amistoso pela seleção holandesa (por sinal, amistoso justamente contra o Brasil, em 1989 - a Seleção venceu, 1 a 0). Todavia, a passagem de Berghuis "filho" por categorias inferiores foi incomum: o nativo de Apeldoorn passou por muitos clubes na adolescência. Começou no amador LAC Frisia. Depois, em 2007, foi para o AGOVV, já extinto, da cidade natal, então dividindo as categorias de base com o Vitesse. No ano seguinte, o atacante tentou a sorte em outro clube amador de Apeldoorn, o WSV.

Mas Berghuis só entrou no rumo da carreira para valer quando tomou o caminho do Go Ahead Eagles, em 2009. Foi exatamente naquele ano que o clube de Deventer fundiu suas categorias de base com as de Twente e Heracles Almelo. Já se destacando na ponta-direita, Steven rapidamente despontou nas seleções de abase: começou a jogar pela sub-19, em 2019. No ano seguinte, fez a transição para o Twente: assinou um contrato de dois anos com o clube de Enschede, já entrando no grupo do time B. E ainda na temporada 2010/11, o jovem teve sua participação na campanha dos Tukkers no vice-campeonato holandês: entrou no lugar de Ola John para atuar por 14 minutos, durante a goleada no clássico contra o Heracles Almelo (5 a 0, pela 19ª rodada da Eredivisie, em 19 de janeiro de 2011).

Na temporada 2011/12, Berghuis já começou a se alternar mais entre banco e titularidade no Twente: começou jogando, por exemplo, contra o Benfica, nos play-offs por vaga na fase de grupos da Liga dos Campeões. Também teve sua primeira aparição na seleção sub-21 da Holanda. De quebra, marcou seu primeiro gol pelo Twente - aliás, marcou logo quatro, nos 8 a 1 sobre o Zwaluwen, pela segunda fase da Copa da Holanda. Entretanto, a época era de muitos atacantes para poucas vagas nos Tukkers: Luciano Narsingh, Quincy Promes, Luuk de Jong, Ola John, Marc Janko, Emir Bajrami... e Berghuis ainda era jovem. Para ter ritmo de jogo, foi emprestado ao VVV-Venlo, na metade daquela temporada. E teve sua utilidade: se o clube aurinegro precisou da repescagem para escapar do rebaixamento, o atacante colaborou com dois gols nas partidas decisivas.

Berghuis começou no Twente, passou pelo VVV-Venlo... mas só no AZ sua carreira teve espaço para embalar (VI Images/Getty Images)

De volta dos Venlonaren, Berghuis seguiu sem muita perspectiva no Twente. Aí chegou o AZ, no meio de 2012: o jovem atacante tomou o caminho de Alkmaar. Seguiria sem a titularidade plena na equipe, é verdade: na primeira temporada, 2012/13, foram 23 jogos pelo AZ no Campeonato Holandês, mas só dez como titular inicial, e sem gols. Ainda assim, Berghuis ganhava capacidade para mais posições além da ponta-direita: chegou a jogar no meio-campo, substituindo periodicamente nomes como Erik Falkenburg. De quebra, até festejou o primeiro título da carreira, com a Copa da Holanda. Em 2013/14, os números do atacante já foram melhores pela Eredivisie: 29 jogos, 9 gols, ajuda na campanha que levou o AZ à Liga Europa. E a última temporada de Steven em Alkmaar foi o seu ápice: em 2014/15, foram 22 jogos e 11 gols pelo Holandês. Nem uma lesão no início do campeonato o impediu de fazer bom trio de ataque com o americano Áron Jóhannsson e o neerlandês Guus Hupperts, levando o AZ ao terceiro lugar na liga.

O elogiável desempenho já valeu um espaço num centro mais competitivo: Berghuis foi uma das contratações do Watford para a disputa do Campeonato Inglês, em 2015/16. Porém, a chance de aparecer na Premier League foi perdida. Uma lesão logo na chegada aos Hornets e a desconfiança do técnico Quique Sánchez Flores sobre sua capacidade em jogar no esquema tático (um 4-2-3-1) tiraram boa parte do espaço do holandês na equipe aurirrubra: Berghuis só saiu do banco para jogar nove partidas na Premier League. Quique Sánchez Flores saiu, Walter Mazzarri chegou ao Watford, e o pouco espaço que Berghuis tinha se diminuiu ainda mais. Se restava um consolo, era apenas o de, enfim, estrear pela seleção principal da Holanda, num amistoso contra a Irlanda, em 27 de maio de 2016 - 1 a 1 em Dublin. Outro consolo era o de  encontrar cada vez mais o seu lugar em campo: a ponta-direita.

Berghuis pediu chances no Watford. Mas uma lesão e a falta de adaptação ao estilo no clube inglês encurtaram seu caminho por lá (watfordfc.com)

Foi apostando nessa posição que Berghuis teve uma chance voltando ao país natal, emprestado ao Feyenoord para a temporada 2016/17. O atacante não poderia ter feito melhor: já teve chance na primeira rodada do Campeonato Holandês, vindo a campo para os 16 minutos finais, contra o Groningen. Na terceira rodada, já foi titular no 1 a 0 diante do Heracles Almelo. Mais uma rodada, e Berghuis deixava a bola nas redes do Excelsior, numa goleada por 4 a 1. Enfim: o atacante virou titular, e teve sua importância no fim do jejum do Stadionclub, campeão da Eredivisie após 18 anos. Foram 30 jogos (25 como titular), sete gols e cinco passes para gol. Outros simbolizaram mais a campanha, como Dirk Kuyt e Nicolai Jorgensen, mas Berghuis tivera sua importância. Reabilitara a carreira. E conseguiria realizar seu desejo: o Feyenoord o contratou em definitivo logo que a temporada acabou.

Dirk Kuyt encerrou a carreira, Eljero Elia saiu... e a importância de Berghuis começou a aumentar no Feyenoord. Algo indicado pelos números crescentes pelo Campeonato Holandês, em 2017/18: 31 jogos, 18 gols, 12 passes para gol - até mesmo na apagada campanha Feyenoorder na Liga dos Campeões ele conseguiu deixar uma bola na rede, ainda que em derrota (2 a 1 para o Shakhtar Donetsk, na terceira rodada da fase de grupos). Além do mais, outro título de Copa da Holanda. Em 2018/19, foram menos gols pela Eredivisie (12), mas mais jogos (33) e também 12 assistências. E em 2019/20, antes da pandemia, se o Feyenoord começava a ensaiar chegar à disputa do título na Eredivisie - além de chegar à final da Copa da Holanda, que não aconteceria -, Berghuis era o grande responsável: em 24 aparições na liga, sete passes para gol e 15 gols, fazendo dele o goleador do campeonato que não pôde acabar (ao lado do nigeriano Cyriel Dessers, do Heracles Almelo).

Berghuis foi o dono da bola no Feyenoord. Até a saída para o arquirrival Ajax (Soccrates/BSR Agency)

Se se consolidava como a estrela praticamente solitária do Feyenoord, criando jogadas pela direita, se movimentando, marcando gols, sendo o único alvo de confiança da torcida, Berghuis já tinha mais dificuldades em termos de seleção. Não para ser incluído nas convocações: sempre figurou nelas, de 2017 em diante. Todavia, a grande concorrência no ataque dificultava demais a situação do jogador: só para as pontas, havia Steven Bergwijn, Ryan Babel e Quincy Promes à frente, na "hierarquia" sob Ronald Koeman. Foram só três jogos pela Laranja em 2018 (todos amistosos, todos vindo do banco), e dois em 2019, pelas eliminatórias da Euro.

A situação começou a mudar com a chegada de Frank de Boer: Berghuis já atuou em cinco partidas sob o atual treinador neerlandês em 2020, três delas como titular. Em 2021, Berghuis enfim levou a importância na seleção a um nível parecido com a importância que tinha no Feyenoord. Pelo Stadionclub, na Eredivisie, os mesmos números de 2017/18: 31 jogos, 18 gols, 12 assistências. E pela seleção, não só a titularidade nos três jogos das eliminatórias da Copa, mas os dois primeiros gols pela Holanda - abrindo o placar contra Letônia, na segunda rodada, e Gibraltar, na seguinte. 

Contudo, a ascensão de Wout Weghorst na reta final pré-Euro e a própria mudança de esquema por que a seleção neerlandesa passou antes do torneio continental (foi a ela com três zagueiros) fez com que Berghuis perdesse o posto de titular. Sempre entrou, mas veio do banco nos dois amistosos de preparação, tanto no empate contra a Escócia quanto na vitória contra a Geórgia. E na Euro propriamente dita, só duas aparições dele: no segundo tempo contra a Macedônia do Norte, na fase de grupos, e os nove minutos finais contra a República Tcheca, quando a eliminação nas oitavas de final já se tornava realidade. Era só o início (negativo) de uma série de mudanças marcantes.

Durante a Euro, na convivência com os colegas, Berghuis ouviu de Davy Klaassen: deveria pensar com carinho sobre a chance de uma transferência para o Ajax. Mesmo sendo destaque absoluto no Feyenoord, a pulga se colocou atrás da orelha do jogador, que acabara de viver uma temporada altamente turbulenta em 2020/21 no Stadionclub. Aos poucos, o que parecia boato foi se aquecendo, ganhou contornos de verdade... e de repente, aconteceu: de Roterdã a Amsterdã, de um arquirrival a outro, sem escalas. Em julho de 2021, Berghuis se converteu no sexto jogador da história do futebol holandês a se transferir diretamente do Feyenoord para o Ajax. Transferência que gerou reações exacerbadas mas esperadas: hilariedade alegre da torcida Ajacied, ódio eterno da torcida Feyenoorder (houve até ameaças a Berghuis, em pichações e em mídias sociais, cujos autores foram investigados e presos).

Berghuis aguentou o peso de uma mudança arriscada - do Feyenoord para o arquirrival Ajax, sem escalas (Alex Gottschalk/DeFodi Images/Getty Images)

Superado o impacto da mudança, Berghuis começou a mudar no Ajax. Certo, ele começou jogando na ponta-direita que tão bem conhecia. E marcou seus gols na campanha do título holandês em 2021/22 (foram oito, em 33 jogos), bem como na Liga dos Campeões - 3, em seis jogos. Contudo, o maior número de passes para gol - 11 - indicava a mudança gradual de posição: com Antony absoluto na direita, Berghuis passara a jogar mais recuado, como meio-campo, disputando (e ganhando a) posição justamente com Klaassen, que lhe instilara a possibilidade de vir para Amsterdã.

Todavia, a mudança de posição demorou mais para vir na seleção. Não que Berghuis deixasse de ter importância na Holanda (Países Baixos). Muito ao contrário: com a chegada de Van Gaal, ele foi titular em cinco dos sete jogos restantes nas eliminatórias da Copa do Mundo. Todavia, jogar no meio-campo, como fazia no Ajax, estava fora de cogitação - e o treinador da Laranja explicava com "sutileza": "Ele deve agradecer ajoelhado a Deus, porque de outro modo, não jogaria. Jogando com o 4-3-3, alguém precisava ficar na ponta-direita".

Cenário que começou a mudar, gradualmente, neste 2022. Em que Berghuis continuou sendo titular da Holanda (Países Baixos). Em que ainda começou como ponta-direita, nos amistosos contra Dinamarca e Alemanha. Mas que, enfim, passou a figurar no meio-campo, preenchendo a lacuna aberta pela lesão que tirará Georginio Wijnaldum da Copa. E Berghuis foi bem: mesmo sem gols, mostrou bom nível técnico - comprovado até quando saiu do banco, na penúltima rodada da fase de grupos, contra a Polônia. Pelo Ajax, segue bem: até agora, no Campeonato Holandês, mais titular do que reserva, são três gols, mesmo no meio-campo.

Steven Berghuis pode até ter mudado de clube, de posição... mas não mudou seu status na seleção.

(Rico Brouwer/Soccrates/Getty Images)


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