Turbulências, só no clube: na seleção holandesa, Frenkie de Jong continua fundamental, e sua capacidade de ditar o ritmo e iniciar jogadas o torna indispensável (Divulgação/KNVB Media) |
Ficha técnica
Nome: Frenkie de Jong
Posição: Meio-campista
Data e local de nascimento: 12 de maio de 1997, em Gorinchem
Clubes na carreira: Willem II (2014 a 2015), Ajax (2016 a 2019) e Barcelona-ESP (desde 2019)
Desempenho na seleção: 45 jogos e 1 gol, desde 2018
Torneios pela seleção: Liga das Nações (2018/19, 2020/21, 2022/23), Euro (2020+1)
(Versão revista e ampliada do texto de apresentação para o guia deste blog na Euro 2020+1)
É relativamente incomum que um jogador de 25 anos de idade seja tão importante para a seleção de seu país. Mas é exatamente isso o que acontece com Frenkie de Jong. As atribulações por que tem passado no Barcelona não alteram nem um pouco o papel intocável que o meio-campista tem na equipe masculina da Holanda (Países Baixos). Para começo de conversa, o próprio Louis van Gaal, sempre econômico em elogios, já afirmou que um lugar da convocação para a Copa do Mundo estaria bem guardado para ele. Em reportagem sobre ele, a revista Voetbal International o chamou de "indispensável" e "coração da equipe". E é mais ou menos isso, mesmo: com sua capacidade admirável de ditar o ritmo de um jogo, a partir de seus passes e movimentos com a bola nos pés, Frenkie é fundamental para começar as jogadas da Laranja. E será fundamental para ela na Copa.
O garoto que deve seu nome à banda Frankie Goes to Hollywood começou a jogar em Arkel, cidade próxima à Gorinchem em que nasceu - mais precisamente, no ASV Arkel, clube amador. Como sói acontecer, ainda durante a infância, De Jong foi notado por um olheiro de um clube profissional, que o pegou para formá-lo tão logo fosse possível. No caso dele, foi o Willem II. Frenkie chegou ao clube de Tilburg em 2005, e foi atuando nas categorias de base dos Tricolores, como armador.
Nem a fusão de categorias de base entre Willem II e RKC Waalwijk, entre 2009 e 2014, atrapalhou o caminho de Frenkie de Jong. Ao contrário: ele entrou no radar das seleções neerlandesas de base - começando pela equipe sub-15, em 2012, num amistoso contra a Alemanha. Já então, começava a se falar na Holanda sobre um meio-campista que partira da armação para mostrar versatilidade naquele setor do campo, podendo marcar e atacar. Tanto que, no ano seguinte, aos 16 anos, Frenkie assinou seu primeiro contrato profissional com o Willem II, por três anos. E no ano seguinte, já estreou pela seleção sub-18 da Holanda, num torneio amistoso.
A capacidade de controlar a bola e ditar o ritmo de jogo já faziam Frekie de Jong ser notado desde o Willem II (Pro Shots) |
Enfim, em 2015, De Jong enfim estreou pelo time principal do Willem II. Mais precisamente, em 10 de maio, na penúltima rodada do Campeonato Holandês, vindo para os últimos 22 minutos do jogo contra o ADO Den Haag, no lugar do atacante Terell Ondaan. Ao mesmo tempo em que era o começo, já era tarde demais para o clube de Tilburg. Porque De Jong seguia sem espaço no grupo principal do Willem II, por mais promissor que fosse. Mais importante: porque os grandes clubes da Holanda já estavam de olho nele.
O PSV se interessou primeiro. Mas o Ajax foi mais eficiente e fechou negócio: em agosto de 2015, após o diretor das categorias de base Dennis Bergkamp confirmar que De Jong valia o investimento (indicação de respeito...), o diretor de futebol Marc Overmars foi a Tilburg. Ouviu o pedido do Willem II, por 800 mil euros, e se assustou. Negociou, negociou... e afinal conseguiu levar Frenkie de Jong para o Ajax, num acordo pitoresco: o Willem II levaria do Ajax a simbólica quantia de um euro, ficando com direito a uma porcentagem, numa venda futura. De quebra, o meio-campista ainda ficaria mais um ano em Tilburg antes de rumar para Amsterdã.
Só que os tempos finais de Frenkie no Willem II seguiram sem muitas chances. Em dificuldades para escaparem do rebaixamento durante a temporada, a preferência do técnico Jurgen Streppel foi por um estilo mais truncado e defensivo. Considerado "refinado demais" para o que o time precisava, De Jong seguiu no banco - só jogou 20 minutos contra o Zwolle, na oitava rodada do Campeonato Holandês 2015/16. De quebra, estava descontente com as poucas chances dadas por Streppel. E ocorreu o esperado: a antecipação da ida de De Jong para o Ajax, em janeiro de 2016.
Aí, sim, o desenvolvimento do meio-campista se acelerou. Iniciado a princípio no time B do Ajax, já disputando a segunda divisão, De Jong foi escalado como armador - e teve êxito no Jong Ajax durante o returno da Eerste Divisie, fazendo 15 jogos e marcando dois gols. Bastou: tão logo chegou ao clube, rumo à temporada 2016/17, o técnico Peter Bosz integrou Frenkie ao grupo principal, desde a pré-temporada. De quebra, as participações na seleção sub-21 da Holanda começaram a ficar mais frequentes. Mas ainda não foi daquela vez que De Jong começou a chamar a atenção para valer: de novo, ficou mais focado no Jong Ajax, ainda como meio-campista ofensivo (31 jogos, seis gols) do que na equipe principal.
De Jong foi ganhando espaço no Ajax aos poucos (Soccrates Images/Getty Images) |
Ainda assim, na reta final daquela temporada, houve sinais do que estava por vir. Como na campanha do vice-campeonato na Eredivisie: apenas quatro jogos, mas um gol marcado, contra o Go Ahead Eagles, na penúltima rodada. De quebra, a qualidade nos passes já se fazia notar: 86% de precisão nos lançamentos para a outra metade do campo, por exemplo. E na campanha de outro vice-campeonato Ajacied, na Liga Europa, ele também participou, vindo da reserva em quatro jogos. Além do mais, De Jong foi titular absoluto da seleção sub-21 nas eliminatórias para a Euro da categoria - ainda que com um fracasso neerlandês.
Finalmente, na temporada 2017/18, De Jong foi efetivado no time de cima do Ajax. A princípio, o técnico Marcel Keizer (que já o treinara no time B) seguiu colocando-o no meio-campo. Só que a má fase vivida no clube, por traumas dentro e fora de campo, fez de Frenkie uma das vítimas: ainda no início da temporada, o jogador foi mandado para o banco. Só se reabilitou no fim de 2017: contra o Roda JC (12ª rodada do Campeonato Holandês, em novembro), De Jong deu três passes para gol na goleada Ajacied por 5 a 1. A partir dali, ele retomou a titularidade. Começou, lentamente, a ter sua excelente saída de bola experimentada na zaga, sendo escalado como defensor, ao lado de Matthijs de Ligt.
E assim De Jong continuou. Nem a turbulenta mudança de técnico que o Ajax viveu no fim de 2017 - Marcel Keizer demitido, com Erik ten Hag chegando ao clube em janeiro de 2018 - afetou o ar promissor com que ele era visto. Tanto que o clube renovou seu contrato de então, até 2022. E ainda que preferisse assumidamente ser escalado no meio-campo, Frenkie seguiu sendo alternado com a defesa. Até uma lesão no tornozelo, em fevereiro de 2018, forçá-lo a parar de jogar naquela temporada. Diante do que aconteceu, seria melhor assim.
De Jong foi, talvez, o maior símbolo da ótima temporada que o Ajax fez em 2018/19 (Getty Images) |
Porque em 2018/19, De Jong comprovou porque o Willem II cuidou dele desde a infância. Porque o Ajax apostou tanto nele. Trocando em miúdos: foi nessa temporada que o mundo começou a entender porque o meio-campista era tão promissor. Começou com a seleção: após pedidos de torcida e imprensa, enfim o técnico Ronald Koeman deu chance a Frenkie, que estreou na Laranja em outubro de 2018, num amistoso contra o Peru, que marcava o fim de um ciclo - a última das 134 partidas do recordista Wesley Sneijder com a camisa laranja. Ali De Jong começou seu ciclo. E começou bem, jogando o segundo tempo para ter uma atuação elogiada. Já bastou para que ele fosse titular em todas as partidas da primeira fase da Liga das Nações, com a Holanda se tornando semifinalista.
No Ajax, a coisa foi melhor ainda. O que parecia indefinição se revelou versatilidade: tanto na defesa quanto, principalmente, no meio-campo, De Jong demonstrou segurança inesperada nas saídas de bola. A precisão nos passes só aumentava o respeito: só durante a Liga dos Campeões, foram 86% de lançamentos corretos no campo adversário. Tornaram-se comuns imagens de De Jong saindo de marcações duras com giros rápidos, dando continuidade às jogadas. E aconteceu com o Ajax o mesmo ocorrido com o Willem II: clubes mais fortes financeiramente acorreram a Amsterdã para tentarem levar o jovem. O Paris Saint-Germain esteve perto. Mas o Barcelona deu o lance certo: em janeiro de 2019, já acertou a vinda de Frenkie, a partir de julho do mesmo ano, por 75 milhões de euros ao Ajax (dos quais, 10 milhões foram parar nos cofres do Willem II).
Bastou o começo de 2019 para o Barcelona ter noção do jogador que contratara: na campanha em que o Ajax foi às semifinais da Liga dos Campeões, eliminando Real Madrid e Juventus, De Jong foi um dos principais símbolos: sempre ditando o jogo, sempre preciso nos lançamentos, sempre originando as jogadas do time holandês. De quebra, com o clube conquistando a "dupla coroa" na Holanda (copa e campeonato), De Jong foi escolhido como o melhor jogador da temporada 2018/19 no país. Mais: também ganhou da UEFA o prêmio de melhor meio-campista da mesma temporada. Mais ainda: pela Holanda, vice-campeã na Liga das Nações, foi escolhido o melhor jogador jovem na competição de seleções. Numa frase: a expectativa na chegada ao Barcelona era gigantesca.
No Barcelona, Frenkie de Jong foi um dos "perdoados" após os desastres da primeira temporada, e já ajudou bastante em 2020/21 (David Bustamante/Soccrates/Getty Images) |
Na primeira temporada vestindo azul e grená em Barcelona, no entanto, De Jong sofreu com a inconstância. Com Sergio Busquets ainda frequente como titular barcelonista, o holandês ora jogava à esquerda, no meio-campo, ora ia para a direita, ora começava mais recuado, ora atuava mais avançado (como preferia, aliás)... e a vexatória eliminação barcelonista na Liga dos Campeões não deixava de ser uma mancha, embora De Jong fosse dos únicos jogadores "perdoados" em La Masía, sendo visto mais como uma aposta para o futuro. Os números nem eram ruins: 29 jogos pelo Campeonato Espanhol, dois gols, dois passes para gol. Mas era de bom tom mostrar serviço em 2020/21. De Jong mostrou.
Em grande parte, porque, se Ronald Koeman deixou de ser seu treinador na seleção holandesa, foi para se tornar seu comandante no Barcelona. A partir disso, De Jong retornou ao princípio de carreira: passou a ser um meio-campista que poderia tanto ajudar na defesa quanto (e mais frequentemente) auxiliar o ataque. Até mesmo finalizar: no Campeonato Espanhol, em 37 jogos, foram três gols marcados. Na Liga dos Campeões, mesmo com a eliminação precoce barcelonista, foi titular absoluto. E o título na Copa do Rei teve seu destaque na final: um gol e passe para outros gols. Sinal saudável de que, sim, ele se tornava o destaque esperado por todos no Barcelona, um dos que mais ajudavam o time numa inconstante temporada.
Na seleção, nada de questionamentos: entre 2019 e 2021, com Ronald Koeman ou Frank de Boer como técnicos, De Jong esteve em todas as partidas da Holanda. Foi titular na Euro - e, mesmo com a campanha discretamente decepcionante da Laranja no torneio continental, não comprometeu, só sendo substituído nos 11 minutos finais contra a Macedônia do Norte, ainda na fase de grupos. Voltando à seleção, Van Gaal manteve sua titularidade inalterada: lá estava o jogador da camisa 21 em todos os sete jogos restantes das eliminatórias da Copa, no segundo semestre de 2021. E uma partida, em particular, mostrou como De Jong fazia falta, por menor que fosse. Contra Montenegro, na penúltima rodada da qualificação, a Holanda vencia por 2 a 0 e garantia o lugar na Copa, por antecipação. Buscando preservar jogadores, Van Gaal substituiu De Jong, aos 78'. Pois bem: antes segura em campo, a Laranja oscilou. E permitiu o empate de Montenegro, nos dez minutos finais de partida, levando à necessidade (cumprida) de vitória contra a Noruega, na última rodada.
Se De Jong não brilhou na Euro 2020+1, passou longe de comprometer (Andre Weening/BSR Agency/Getty Images) |
Mas foi uma rara turbulência na seleção. Pelo Barcelona, elas vieram em maior número. Não que De Jong tenha sido contestado no trabalho de Xavi Hernández como técnico. Ao contrário: de novo titular absoluto ao longo da temporada 2021 (32 jogos no Campeonato Espanhol, com três gols, três passes para gol e uma precisão de 91% nos passes; participação nos seis jogos da curta campanha do Barcelona na fase de grupos da Liga dos Campeões; um gol e dois passes para gol, em seis jogos pela Liga Europa), cada vez mais o meio-campista deixava uma ótima impressão. Só que as turbulências barcelonistas o faziam ir e vir do banco de reservas - e mesmo ao ser titular, às vezes era escalado em posições diferentes.
As incertezas em Camp Nou aumentaram ainda mais na preparação para a temporada 2022/23. Precisando liberar espaço em sua folha salarial para poder registrar novas contratações na liga espanhola - como Jules Koundé, Raphinha e Robert Lewandowski -, o Barcelona pensou em liberar De Jong para outro clube. Fez mais: pediu para que ele aceitasse uma redução salarial. Mas o volante nunca quis sair nem romper seu contrato, até por ter na agremiação azul e grená uma preferência que passava das quatro linhas (quando ainda era jogador do Willem II, De Jong chegou a viajar para Barcelona e assistir a um jogo, com a então namorada e hoje noiva Annekee Molenaar). E não saiu, sendo claro em sua posição, numa entrevista coletiva feita tempos depois da janela de transferências: "O clube tem suas próprias ideias, e eu também. Às vezes elas colidem. Mas sempre tive muito claro o que eu queria: ficar no Barcelona. Muita coisa aconteceu, mas minha opinião nunca mudou". O que mudou foi seu status: na temporada atual, até joga, mas raramente começa como titular barcelonista, em que pese o respeito da maioria dos torcedores e suas boas atuações.
Após a "briga sem brigar" com a diretoria do Barcelona, Frenkie de Jong raramente tem sido titular. Mas quando entra, quase sempre tem boas atuações (Colas Buera/Pressinphoto/Icon Sport/Getty Images) |
Respeito que continuou na seleção - até mais forte. O comportamento de De Jong, que evitou brigas com os dirigentes do Barcelona, contou muitos pontos aos compatriotas, a começar pelo colega de clube Memphis Depay ("Eu tiro meu chapéu para Frenkie, ele está sendo muito profissional") e a continuar por Louis van Gaal ("É muito bom ver como ele reage a isso tudo, muito relaxado, com um sorriso no rosto"). Isso, mais sua capacidade no meio, fez com que seu papel na seleção se mantivesse inalterado: De Jong só perdeu o jogo derradeiro da Holanda antes da Copa - o 1 a 0 contra a Bélgica, pela Liga das Nações - porque fora liberado para se recuperar de uma lesão muscular sofrida na partida anterior, contra a Polônia. De resto, esteve em todas as partidas da Laranja neste 2022. E só não começou jogando nos 2 a 1 contra o País de Gales, também pela Liga das Nações, em junho (entrou aos 67').
Porque uma certeza, a Holanda tem: Frenkie de Jong é quem dita o ritmo de seu jogo. Se ele tiver liberdade para seus desarmes sutis e seus passes precisos, a sorte é da Laranja, que o tem como um dos titulares imprescindíveis. Citando novamente a revista Voetbal International, é o "regente" da seleção. Dos melhores que uma seleção poderia ter no futebol atual.
(Andrachiewicz/PressFocus/MB Media/Getty Images) |
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