O clichê às vezes é exagerado, mas aqui cabe à perfeição: se no ano passado alguém sugerisse Vincent Janssen como um possível convocado da seleção da Holanda na Copa do Mundo, no mínimo, receberia olhares de forte estranhamento. Pois é: só a sugestão já parecia absurda. Que dirá a concretização da convocação. Pois o tempo passou. As circunstâncias se impuseram: a dificuldade de se achar um típico "atacante de referência" confiável para a Laranja, um voto de confiança de Van Gaal, o espírito de dedicação que Janssen traz em suas contestadas atuações... e ei-lo na primeira Copa do Mundo da carreira, coroando uma recuperação algo incrível, exatamente por ser tão pouco cogitada.
Janssen teve inspiração esportiva em casa - mas vinda das águas: sua mãe é Annemarie Verstappen, nadadora de sucesso que a Holanda teve nos anos 1980 (para ficar apenas em poucos feitos, Annemarie levou uma prata e dois bronzes na natação feminina dos Jogos Olímpicos de 1984). Ainda na infância, começou no futebol via SV TOP, clube amador de Oss. Não tardou muito para que, em 2002, ele fosse para o clube mais conhecido da cidade: o profissional TOP Oss, atualmente na segunda divisão. Uma parceria ampliou suas possibilidades: as categorias de base do TOP Oss eram coordenadas em parceria com o NEC - tendo boas atuações no ataque, Janssen migrou na adolescência para os times inferiores do clube de Nijmegen. Mais um tempo, e começou a receber chances nas seleções de base da Holanda. E em 2009, a grande chance: o atacante chegou para os times juvenis do Feyenoord.
Só que a chance passou em branco: após quatro anos treinando no centro de Varkenoord, junto aos juvenis do Stadionclub, Janssen foi dispensado - achavam-no leve demais para um atacante. Restou começar a carreira de modo mais humilde: indo para o Almere City, mais um clube da segunda divisão. Pelo menos, havia confiança do técnico Fred Grim. E o novato começou a compensar, mesmo numa equipe em dificuldades na Eerste Divisie dos Países Baixos: em 2013/14, foram dez gols em 35 jogos (com o Almere City em 18ª lugar, entre 20 times). Na temporada seguinte, Janssen já ajudou mais: 19 gols, de longe o goleador da equipe de Almere na segunda divisão, ajudando a equipe a, pelo menos, participar da repescagem de acesso à Eredivisie. De quebra, em 2014, ele apareceu de vez em termos de seleção: não só atuou na equipe sub-21, mas também participou do Torneio de Toulon, tradicional competição de base na cidade homônima francesa.
A passagem esplendorosa que fez pelo AZ em 2015/16 fez muitos acreditarem que Janssen seria o novo grande atacante holandês (ANP/Pro Shots) |
Foi o suficiente para o AZ decidir apostar em Janssen: em junho de 2015, ele foi a contratação principal para o ataque do time de Alkmaar. Pois a aposta se pagou. Ali o atacante ensaiou ser a grande revelação da Holanda, numa posição que já começava a passar por entressafra com a decadência técnica de Robin van Persie e Klaas-Jan Huntelaar. Favorecido por ser ambidestro nas finalizações (foram 15 gols de pé direito e 10 de esquerdo, fora dois de cabeça), sabendo usar a altura para ser referência, mostrando alguma velocidade, Janssen foi o goleador do Campeonato Holandês em 2015/16, com 27 gols, além de ser eleito a revelação da temporada. Em março de 2016, teve sua primeira convocação para a seleção principal da Holanda, para amistosos contra França e Inglaterra. Contra esta, em Wembley, seu primeiro gol na Laranja, o da vitória (2 a 1). Jogando em outro amistoso - 1 a 1 contra a Irlanda, em maio -, Janssen foi visto por Mauricio Pochettino, então treinando o Tottenham. Nos dois amistosos seguintes, em junho, duas vitórias holandesas (2 a 1 na Polônia, 2 a 0 na Áustria), dois gols de Janssen. Foram as provas que faltavam.
Porque às vésperas da temporada 2016/17, o Tottenham decidiu trazer o holandês, por 20 milhões de euros - simplesmente o recorde de quantia de transferências da história do AZ. Diante de um clube que já tinha em Harry Kane um atacante dos mais confiáveis do mundo, era uma aposta de Janssen na própria carreira. Esta, todavia, fracassou. Janssen atuou até bastante: foram 27 jogos na Premier League, cinco pela Liga dos Campeões... mas apenas dois gols marcados. O atacante goleador na Eredivisie se mostrava fora de ritmo no futebol inglês, muito mais intenso. Ainda assim, sem grandes concorrentes, Janssen mantinha a titularidade na Holanda, começando a disputar as eliminatórias da Copa de 2018.
Janssen chegou ao Tottenham cheio de expectativas. Elas foram dizimadas: sem nem se credenciar como opção no banco de reservas, seu tempo nos Spurs foi para se esquecer (Tottenham Hotspur) |
Em clubes, só restou um empréstimo, para tentar recuperar a má impressão deixada no começo pelo Tottenham: Janssen passaria a temporada 2017/18 no Fenerbahçe. E nem lá imporia respeito: quatro gols em 16 jogos, ainda sofrendo lesão na reta final da temporada. Por sinal, àquela altura, seu espaço na seleção da Holanda também já se acabara: ao longo de 2017, seu esforço na área ainda justificava a titularidade na Laranja, chegando a marcar um gol nas eliminatórias da Copa. Contudo, a queda técnica abriu caminho para novas tentativas: Quincy Promes e Ryan Babel ganharam chances, e Janssen foi progressivamente sendo substituído. A última partida da Laranja na fracassada campanha das eliminatórias da Copa de 2018 (2 a 0 na Suécia) também foi sua última na seleção. Pelo menos, por um longo tempo.
Janssen começou promissor na seleção da Holanda, em 2016. No fim do ano seguinte, já estava no ostracismo - e demoraria bastante para sair dele (Dean Mouhtaropoulos/Getty Images) |
Nada fazia crer que Janssen retomaria tal espaço. Em 2018, de volta ao Tottenham, sequer teve um número de camisa destinado para ele a princípio. Ter espaço apenas na equipe B, que disputava a Premier League de jovens, era o sinal definitivo de que uma transferência era necessária - ainda que a reta final da temporada 2018/19 tenha trazido três jogos pelo Campeonato Inglês. O curioso foi o destino que Janssen definiu para sua carreira: ele aceitou a proposta do Monterrey, indo para o México na metade de 2019.
Nos Rayados, Janssen se tornou um atacante menos fixo na área, ajudando até o meio-campo. E teve momentos um pouco melhores. Mesmo seguindo na reserva, colaborou com cinco gols no Apertura mexicano de 2019 - e participou mais ativamente do título do Monterrey, o primeiro de sua carreira, ganho nos pênaltis contra o América (e neles, convertendo a primeira cobrança). No outro título que viria, em 2020, o holandês apareceria bem mais: seria o goleador da Copa MX, com sete gols, e marcaria gol na final contra o Tijuana, que marcou mais um título para o clube alviazul.
Janssen também não foi protagonista no Monterrey. Ainda assim, a curiosa passagem pelo time mexicano lhe rendeu momentos um pouco melhores (Azael Rodriguez/Getty Images) |
Ainda assim, era pouco. Janssen era apenas uma opção de ataque no Monterrey, vindo do banco mesmo em momentos importantes, como a conquista da Liga dos Campeões da CONCACAF em 2021, ou até a participação no Mundial de Clubes da FIFA de 2021 - ainda melhor do que não participar, como ocorreu no Mundial de 2020, ao se lesionar e nem ser relacionado. Voltar à seleção da Holanda parecia algo fora de cogitação. Ou mesmo voltar a um clube europeu.
Pelo menos, até o fim da temporada 2021/22. Já então treinando a Holanda, Louis van Gaal buscava outra opção para ser um atacante mais estático na área. Janssen marcou dois gols em sequência, na reta final da liga mexicana. Bastou para ser testado de novo na Laranja, após cinco anos: na convocação para os jogos de junho da Laranja na Liga das Nações, a simples menção a seu nome causou enorme surpresa. Até para o próprio: a descrença na convocação era tamanha que Janssen marcara casamento em 4 de junho, durante as datas FIFA - e não desmarcou, só viajando para se integrar após o matrimônio. Teve uma chance: começou como titular na vitória por 3 a 2 sobre o País de Gales.
A convocação para a Holanda foi o sopro de ânimo na carreira de Janssen. Ouvindo de Van Gaal que jogar mais perto seria recomendável (não obrigatório, mas recomendável) para ter mais chances de se manter na seleção, o atacante decidiu aceitar a proposta do Royal Antwerp belga. Com o clube de Antuérpia disputando a liderança na liga do país, o atacante já fez oito gols em 16 jogos - nada espetacular, mas o suficiente para circular perto da disputa pela artilharia, o que não lhe ocorria há muito tempo. Nas datas FIFA de setembro, novamente convocado, Janssen jogou as duas partidas, contra Polônia e Bélgica.
Continua sendo contestado, diante das lembranças ruins ainda forte dos últimos anos. Contudo, agora Janssen tem como ignorar os detratores: está garantido na Copa, em algo que parecia inacreditável há um ano. Diante de tantas surpresas, como ousar imaginar que ele não terá importância na campanha da Holanda?
(Peter Lous/BSR Agency/Getty Images) |
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