Se sua aparição foi esplendorosa há alguns anos, De Ligt anda alvo de cada vez mais desconfianças em campo, por insistentes desatenções. A Copa é uma chance de recuperação (Divulgação/KNVB Media) |
Ficha técnica
Nome: Matthijs de Ligt
Posição: Zagueiro
Data e local de nascimento: 12 de agosto de 1999, em Leiderdorp
Clubes na carreira: Ajax (2016 a 2019), Juventus-ITA (2019 a 2022) e Bayern de Munique-ALE (desde 2022)
Desempenho na seleção: 38 jogos e 2 gols, desde 2017
Torneios pela seleção: Liga das Nações (2018/19, 2020/21, 2022/23), Euro (2020+1)
(Versão revista e ampliada do texto de apresentação para o guia deste blog na Euro 2020+1)
De um lado, o zagueiro imponente, autoconfiante, que impressionou quem viu o Ajax semifinalista da Liga dos Campeões em 2018/19. Do outro lado, o zagueiro que mostrou vários momentos de insegurança em Juventus, ficando tristemente célebre pelos vários pênaltis cometidos ao colocar a mão na bola, e que agora tenta reagir no Bayern de Munique. Pela seleção, a montanha-russa continua: estreia em 2017 com terríveis lembranças, ascensão em 2019 - com a Liga das Nações como ponto alto -, outro ponto baixo ao ser o símbolo da eliminação na Euro passada. O crédito de Matthijs de Ligt ainda persiste, mas já diminuiu bastante. Atualmente reserva na seleção masculina da Holanda (Países Baixos), De Ligt tem na Copa uma chance excelente de reagir na carreira.
Mesmo com o mau começo na Laranja - que logo será citado -, De Ligt começa sua história no futebol sendo precocemente promissor. E já então, o jovem poderia ser considerado a cara do Ajax. Chegara à "De Toekomst" (O Futuro), a tradicional escolinha da base Ajacied, em 2009, após quatro anos num clube amador, o Abcoude. Ao longo do tempo que passou sendo formado no Ajax, foi recuando de posição: do ataque para o meio-campo, do meio-campo para a defesa. Tudo isso, já tendo algumas características que seguem até hoje: o pendor para ajudar na frente, o espírito de liderança, o porte físico vigoroso. Para alguns colegas de base (como Donyell Malen, hoje no PSV), vigoroso até demais: o apelido de De Ligt no grupo era "Dikkie" - em holandês, algo como "gordinho".
Na infância, De Ligt era "Dikkie" (gordinho) no Ajax (ajax.nl) |
Mas a forma física não impediu De Ligt de ir construindo seu caminho com solidez no Ajax. Em 2015/16, já foi nome certo na equipe sub-19 do Ajax que disputou a Liga Jovem da UEFA, indo às quartas de final. Bastou: na temporada seguinte, 2016/17, não só foi promovido ao time B do Ajax (estreando em agosto, contra o Emmen, pela segunda divisão holandesa), como rapidamente começou a intercalar passagens pelo time principal - a começar em 21 de setembro de 2016, num jogo contra o Willem II, pela Copa da Holanda, quando inclusive fez um dos gols da vitória por 2 a 0, se tornando o segundo jogador mais jovem a marcar gol na história Ajacied.
O técnico Peter Bosz não precisou de mais para se convencer: em outubro, De Ligt foi efetivado como membro do grupo principal no Ajax. De quebra, na metade da temporada 2016/17, cada vez menos esteve presente na equipe B - e cada vez mais começou a aparecer entre os titulares do time de cima. Aos 17 anos, conseguiu uma sequência considerável de jogos como primeira opção da zaga, ao lado do colombiano Davinson Sánchez. Mostrando alguma imponência e firmeza - teve 71% de eficiência nos desarmes -, já se podia dizer que De Ligt impressionava. A ponto de receber sua primeira convocação para a seleção principal da Holanda (Países Baixos) naquele começo de 2017, antes mesmo de ter qualquer partida pela seleção sub-21.
Mais do que isso: como lembrou o começo deste texto, De Ligt mal foi convocado e já foi escalado como titular, contra a Bulgária, pelas eliminatórias da Copa de 2018. Desde 1931 a Laranja não tinha alguém tão jovem começando em sua escalação. Era daquelas típicas chances em que ou o escolhido se consagrava, ou se queimava. Pois De Ligt se queimou: falhou nos dois gols que Spas Delev marcou na vitória búlgara (2 a 0), em 25 de março de 2017. Aquela derrota foi o primeiro sinal de que a Holanda novamente fraquejaria numa qualificação para um grande torneio. E dois nomes foram os bodes expiatórios. O primeiro, o técnico Danny Blind, imediatamente demitido. O segundo... De Ligt, substituído no intervalo. Precisaria continuar bem no Ajax, se quisesse novas chances na seleção.
De Ligt (no meio da foto) foi jogado na fogueira pela seleção da Holanda, durante as eliminatórias da Copa de 2018 - e quase se queimou (ANP) |
Pois De Ligt continuou bem. Após duas partidas preservado pelo Ajax, fora até do banco, o zagueiro voltou a jogar. Voltou a ser titular. E foi peça-chave na ascensão que levou o clube de Amsterdã de volta a uma final de torneio europeu - no caso, a Liga Europa. Aliás, com os 17 anos e 285 dias que tinha na decisão perdida para o Manchester United, em 24 de maio de 2017, o zagueiro foi o mais jovem jogador a atuar em qualquer final de qualquer competição continental da UEFA. Enfim, recuperara o respeito parcialmente perdido na desastrosa estreia pela seleção holandesa. Prova disso foi a nova convocação - e o retorno à Laranja, jogando um amistoso contra Marrocos, em maio.
Mesmo em 2017/18, temporada de um Ajax deprimido pela crise (eliminações precoces nas fases preliminares dos torneios europeus, perda do título holandês para o PSV e, principalmente, o trauma da parada cardiorrespiratória que inutilizou Abdelhak Nouri, contemporâneo de De Ligt, para o futebol), o zagueiro teve coisas a comemorar. Pelo clube de Amsterdã, mereceu a braçadeira de capitão com meros 19 anos de idade, após a lesão grave no joelho de Joël Veltman, titular preferencial da zaga até então. E pela seleção, Ronald Koeman deixou claro que apostaria firme em De Ligt: o técnico fez dele titular absoluto da zaga laranja desde a primeira partida neerlandesa sob seu comando, contra a Inglaterra, em março de 2018. De certa forma, foi uma preparação.
Porque a temporada seguinte, 2018/19, foi além dos melhores sonhos que De Ligt poderia ter. Pelo Ajax, atuações cada vez mais esplendorosas: seguro na defesa (ganhou 63% das disputas de bola), ousado nas idas ao ataque (seis gols marcados: três no Campeonato Holandês, três pela Liga dos Campeões), capitão com ascendência impressionante para um jovem de menos de 20 anos, De Ligt foi um dos símbolos do Ajax semifinalista da Champions League. Na seleção, cada vez mais entrosado com Virgil van Dijk, ajudou a fazer da defesa o ponto forte de uma Holanda que reagia, finalista da Liga das Nações que foi. O discurso marcante que fez, na festa da vitória do Ajax no Campeonato Holandês, e o prêmio "Golden Boy" que ganhou do jornal italiano "Tuttosport", como o mais promissor jogador jovem da temporada, sinalizavam: o garoto se tornara homem rapidamente. "Dikkie" havia virado o "Capitão Matta" para a torcida do Ajax.
Aqui o garoto virou adulto: De Ligt se impôs pelo Ajax em 2018/19, com atuações esplendorosas na zaga e um espírito de liderança notável (Olaf Kraak/AFP/Getty Images) |
Era hora de mais desafios. Como vários dos empresariados pelo ítalo-holandês Mino Raiola, De Ligt virou alvo de leilão feito por vários clubes europeus... até que a Juventus apostou: pagou 85 milhões de euros para levá-lo a Turim, em julho de 2019, e convertê-lo no zagueiro mais caro da história do futebol. A expectativa da chegada foi tão gigante quanto o temor que De Ligt causou aos torcedores da Velha Senhora logo a partir de sua estreia: uma desastrosa atuação contra o Napoli, pela segunda rodada do Campeonato Italiano 2019/20. Lento, mal posicionado, o holandês foi presa fácil nos ataques do Napoli, e a coisa só não ficou pior para a Juventus porque veio a vitória (4 a 3). Mas De Ligt seguiu cometendo erros atrás de erros naqueles primeiros tempos pelo time italiano: continuou devagar, desatento, e sua incapacidade em recolher os braços na marcação o fez virar piada, pelos pênaltis sucessivos por mão na bola. A desconfiança crescia sobre sua maturidade em campo, e até sobre o merecimento que o zagueiro tinha pelo alto valor pago por ele.
O começo de De Ligt na Juventus foi altamente preocupante. Mas o zagueiro já se apresentou mais estável na segunda temporada (Pakawich Damrongkiattisak/Getty Images) |
Nesse sentido, a interrupção a que a pandemia forçou o Campeonato Italiano (e do futebol como um todo) pacificou as coisas. Quando os jogos puderam voltar na Itália, De Ligt já pareceu mais entrosado e menos afoito em campo. Na reta final da campanha que levou a Juventus ao oitavo título italiano seguido, em 2019/20, o holandês já melhorara a impressão causada na torcida. Situação amenizada, pôde consertar um problema físico que o incomodara no começo da passagem: uma operação na clavícula resolveu as dores crônicas no ombro, que o perturbaram durante a temporada encerrada.
Por tudo isso, De Ligt só voltou à seleção holandesa neste 2021, nas primeiras rodadas das eliminatórias da Copa de 2022. Com Virgil van Dijk lesionado, sua importância aumentava dentro da convocação para a Euro. Todavia, o torneio continental não foi o que o zagueiro esperava. Em primeiro lugar, por chegar a ele em recuperação de uma lesão muscular na virilha - tanto que De Ligt só estreou na Euro no segundo jogo da Holanda (2 a 0 na Áustria). Em segundo lugar, e mais grave, por ter cometido um erro que se revelou decisivo na eliminação da Laranja, nas oitavas de final. No começo do segundo tempo, tentando marcar o atacante Patrik Schick numa disputa aérea em lançamento, De Ligt perdeu a bola. Atrás de Schick, escorregou. Para tentar evitar que o atacante tcheco ficasse livre, colocou a mão na bola. Inicialmente, tomou cartão amarelo. Mas o VAR flagrou, aconselhou o juiz russo Sergei Karasev... e De Ligt foi expulso. Sua saída melancólica foi o início do fim para a Holanda, que, desorganizada, foi presa fácil na reta final daquele jogo para a República Tcheca (Tchéquia).
A precipitada mão na bola e a expulsão contra a República Tcheca, nas oitavas de final da Euro, foram o estopim da eliminação da Euro - e de contestações mais ácidas a De Ligt (Getty Images) |
Cometer lance tão ingênuo fez com que De Ligt descesse alguns degraus, na confiança que transmitia à torcida. Tanto que, com a volta de Van Gaal à seleção, ele perdeu a titularidade: foram só três jogos no restante das eliminatórias da Euro, com Stefan de Vrij ganhando a preferência para jogar ao lado de Van Dijk. Na Juventus, "Matta" teve altos e baixos na temporada 2021/22: se foi titular em mais uma campanha problemática da equipe no Campeonato Italiano (31 jogos, 3 gols, algumas boas atuações), mais um pênalti cometido com a mão contra o Villarreal, nas oitavas de final da Liga dos Campeões (derrota por 3 a 0, no jogo de volta), pareceu marcar o fim da paciência dos juventinos com o holandês. Uma transferência parecia o melhor para as duas partes. E ela veio, em meados deste 2022, para o Bayern de Munique.
Mudando de ares: a transferência para o Bayern de Munique foi um jeito de De Ligt atuar num ambiente sob menos pressão (Ralf Treese/DeFodi Images/Getty Images) |
No clube alemão, De Ligt tem sido mais poupado na Liga dos Campeões, sendo titular mais frequente na Bundesliga (oito jogos, já tendo um gol marcado). Ainda é pouco para restabelecer seu papel na seleção holandesa: foram três jogos pela Liga das Nações, além da titularidade nos amistosos contra Dinamarca e Alemanha, no começo deste 2022. De mais a mais, De Ligt chega novamente voltando de lesão a um grande torneio - uma lesão no joelho, sofrida há algumas rodadas na Bundesliga. Com tudo isso, pode-se considerá-lo um zagueiro reserva na seleção dos Países Baixos, atualmente. Diante do que parecia ser há poucos anos, certa surpresa. Ainda assim, num dos jogos da Nations League - o 2 a 1 contra o País de Gales -, De Ligt foi capitão. Contra o Barcelona, na Liga dos Campeões, a vitória do Bayern o teve como grande destaque, anulando Robert Lewandowski. Dois sinais de que ele pode recuperar a ótima imagem que teve, quando despontou. Quem sabe a Copa não lhe sirva de "fada-madrinha"...
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