sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Os holandeses na Copa: Blind

Os críticos existem - e apontam problemas reais, como a lentidão. Mas Daley Blind, com sua versatilidade tática e com a experiência de 2014, é nome certo e muito útil à Laranja (Divulgação/KNVB Media)

Ficha técnica

Nome: Daley Blind
Posição: Zagueiro/lateral-esquerdo
Data e local de nascimento: 9 de março de 1990, em Diemen
Clubes na carreira: Ajax (2009 a 2014 e desde 2018), Groningen (2010, por empréstimo) e Manchester United-ING (2014 a 2018)
Desempenho na seleção: 94 jogos e 2 gols, desde 2013
Torneios pela seleção: Copa de 2014 (7 jogos e 1 gol), Liga das Nações (2018/19, 2020/21, 2022/23), Euro (2020+1)

(Versão revista e ampliada do texto de apresentação para o guia deste blog na Euro 2020+1)

Elogios e críticas: há alguns anos, Daley Blind vive essa gangorra de modo intenso. Principalmente na seleção masculina da Holanda (Países Baixos). Quando joga bem, fica claro como ele ainda tem importância no grupo atual, por vários motivos: sua versatilidade tática, sua experiência - é dos raros jogadores na Laranja a ter a vivência de uma Copa do Mundo, em 2014 -, até mesmo a superação dos sustos cardíacos que serão citados neste texto. Quando joga mal ou comete erros, o que tem acontecido com alguma frequência nas últimas temporadas, só se fala de como está lento, de como já não consegue mais acompanhar o adversário quando joga na lateral esquerda, de que nomes mais novos talvez merecessem espaço. No frigir dos ovos, as características positivas ainda superam de longe as negativas. Por isso Blind vai à sua segunda Copa - e como titular, tendo a confiança de Louis van Gaal.

Desde que soube o que era futebol, Blind já dava a impressão de que seguiria tal caminho. Não era só por ser filho de jogador, não - no caso, Danny Blind, zagueiro de tantas histórias em Sparta Rotterdam e, principalmente, Ajax (e que, na seleção, não só é auxiliar técnico de Van Gaal, como até já treinou o filho, entre 2015 e 2017). Mas principalmente, por acompanhar o pai quando podia, desde bebê - ficou famosa uma foto de Danny com Daley no colo, com alguns meses de idade, em 1991. E quando Blind pai fez a festa de encerramento da carreira, no meio de 1999, Blind filho entrou de mãos dadas com ele para a partida festiva, aos 9 anos de idade. Por sinal, já nessa época Daley estava nas categorias de base do Ajax - mais precisamente, desde junho de 1998. Por lá fez toda a sua formação como jogador de futebol. 

Em 1999, o fim da carreira do pai Danny Blind foi o sinal: o filho Daley logo apareceria nos campos (ajax.nl)

Finalmente, em meados de 2008, a hora de aparecer chegou. Primeiro, no time B dos Godenzonen: Blind já se tornou capitão, jogando como volante. Simultaneamente, foi promovido ao grupo principal do Ajax (só para constar: se tornava o primeiro filho de ex-jogador do Ajax a também atuar na equipe de cima do clube de Amsterdã). E teve sua estreia no time em 7 de dezembro de 2008, na vitória contra o Volendam, vindo do banco para substituir o camaronês Eyong Enoh. De quebra, começava a ter espaço na seleção sub-19 da Holanda.

O que não quer dizer que Blind teve espaço imediato no Ajax. Em 2009/10, Martin Jol não lhe deu espaço no grupo principal, e nem mesmo no time B o volante jogou. Sendo assim, em janeiro de 2010, para ter algum ritmo de jogo, Blind foi cedido ao Groningen. Ali, o técnico à época era Pieter Huistra, que lhe dera a primeira chance no Jong Ajax. De quebra, com dois zagueiros lesionados (Sepp de Roover e Ondrej Svejdik), Huistra experimentou Blind na defesa. Deu certo: o novato jogou todas as partidas do Groningen no returno daquele Campeonato Holandês. E aquilo já foi o suficiente para que o Ajax o trouxesse de volta, logo que a temporada 2009/10 acabou.

Certo, o técnico Martin Jol ainda estava lá, e seguiu sem dar espaço a Blind. Porém, o cenário começou a mudar no fim de 2010. Uma sequência frenéticos de acontecimentos no Ajax incluiu a demissão de Martin Jol, a efetivação de Frank de Boer (então técnico do time B) na equipe de cima - e, já em janeiro de 2011, Urby Emanuelson, então titular na ala esquerda, rumou para o Milan. Era uma vaga aberta. 

E entre Blind e a outra alternativa, Vurnon Anita, Frank de Boer optou pelo filho de Danny, seu ex-colega no célebre Ajax dos anos 1990. Na reta final da temporada 2010/11, Daley se alternou com o dinamarquês Nicolai Boilesen na lateral esquerda do Ajax, durante a reação que levou ao primeiro título holandês do clube em sete anos. E a partir da temporada seguinte, com uma lesão lombar de Boilesen, Blind embalou definitivamente: tornou-se dono da lateral esquerda do Ajax para não mais largar. Nas participações na Liga dos Campeões, na construção de uma hegemonia com títulos sucessivos na Eredivisie... em todos esses momentos, Blind não só foi titular absoluto (no tricampeonato nacional em 2012/13, jogou todas as 34 partidas do campeonato), como trazia no histórico familiar todos os requisitos para se tornar, desde então, um dos queridos da torcida - e justificar isso, pelas atuações em campo.

Blind demorou um pouco para engrenar no Ajax, mas voltando de um empréstimo ao Groningen, enfim começou a mostrar valor real em Amsterdã (Christof Koepsel/Bongarts/Getty Images)

Por causa disso tudo - a firmeza notável para a pouca idade, a versatilidade tática -, Blind começou a cavar espaço nas seleções holandesas para não mais perder. Despediu-se da sub-21 em 2013, em grande estilo: titular absoluto na Laranja Jovem semifinalista da Euro da categoria, naquele ano. Antes mesmo daquela Euro, em 6 de fevereiro, Blind ganhou sua primeira chance na seleção principal, escalado por Louis van Gaal (com o pai Danny de auxiliar) para o amistoso contra a Itália, terminado em 1 a 1. Dali, começou uma sequência de oito jogos na lateral esquerda da Laranja. Todos eles, como titular. De quebra, Blind foi eleito o Jogador do Ano no Ajax, pela própria torcida, no fim daquele 2013.

Àquela altura, já se sabia: Blind já se convertera num nome de destaque no Ajax (completando o tetracampeonato da Eredivisie em 2013/14), era um dos símbolos da reformulação promovida por Van Gaal na seleção holandesa, era nome certo na Copa de 2014. A única dúvida era: em qual posição ele renderia melhor? Era lateral esquerdo, volante, zagueiro... o quê? A Copa mostrou: Blind poderia ser tudo isso, com capacidade. Ele fez o lançamento para Robin van Persie fazer o histórico gol de empate, que abriu caminho para a goleada contra a Espanha. Ele mostrou consciência tática que o tornou um dos melhores jogadores da Copa, para muitos. Teve a participação coroada com um gol, na decisão do terceiro lugar contra o Brasil. Enfim: Blind saiu daquela Copa do Mundo como um titular para muitos e muitos anos na seleção holandesa - e saiu cortejado por vários clubes. 

Blind atraía dúvidas sobre sua posição, antes da Copa de 2014. Depois dela, deixou a certeza de que sua versatilidade era um ponto forte, não fraco (Getty Images) 

O Manchester United, destino de Louis van Gaal após a Copa, também o contratou, no último dia da janela de transferências, em setembro de 2014. Mas o que poderia ser um espaço num lugar de grande destaque... foi uma passagem apenas discreta. Sim, Blind teve espaço em Old Trafford, principalmente nas temporadas sob o comando de Van Gaal: 25 jogos em 2014/15, 35 jogos em 2015/16, 23 jogos em 2016/17. Mas nunca conseguiu ser visto como titular absoluto nos Diabos Vermelhos. Começou como volante - mas as chegadas de Bastian Schweinsteiger e Morgan Schneiderlin, em 2015, tiraram seu espaço no setor. Foi recuado para a zaga: jogou nela por um tempo, mas logo perdeu espaço para Phil Jones. E já nos tempos de José Mourinho como técnico do United, Blind virou apenas a quarta opção de lateral esquerdo, atrás de Matteo Darmian, Luke Shaw e Ashley Young. Fez parte do grupo campeão da Liga Europa, em 2016/17, exatamente em cima do Ajax. Mas os reles sete jogos feitos na temporada 2017/18, sua derradeira temporada no clube inglês, sinalizavam: era hora de sair.

Blind até foi útil no Manchester United. Mas nada a ponto de virar indispensável - o que o fez perder espaço em Old Trafford (Matthew Ashton/AMA/Getty Images)

Ou de voltar. Porque o Ajax vivia um período em que buscava contratações para aumentar a experiência do grupo de jogadores, como uma medida para abrir uma fase mais ambiciosa do clube. Com Blind à disposição, era tentação demais para ser desperdiçada - se não pelo que demonstrara no Manchester United, pela continuidade invejável na seleção da Holanda: a fase podia ser ruim, com ausências na Euro 2016 e na Copa de 2018, mas o jogador não só era convocado e titular, técnico após técnico, como já tivera até a braçadeira de capitão da seleção, de vez em quando. E o Ajax apostou: por 16 milhões de euros, repatriou Blind. Uma volta digna de ser o que foi: a contratação mais cara da história do clube, até então.

A aposta se pagou. No 2018/19 que reabilitou a imagem do Ajax no cenário europeu, com os títulos em Eredivisie e Copa da Holanda, mais a semifinal da Liga dos Campeões, Blind foi nome certo na equipe: era o nome calejado de outros tempos a amansar a impetuosidade de Matthijs de Ligt na zaga, era o nome dos lançamentos precisos, era o organizador tático. Outro destaque, Dusan Tadic, reconheceu publicamente: "Ele é o nosso Franz Beckenbauer, é com ele que o nosso jogo começa". Na seleção, o papel não chegava a ser tão preponderante, mas Blind também era o lateral esquerdo (e de vez em quando, até zagueiro) na fase sob o comando de Ronald Koeman. Pela sua experiência, se fazia imprescindível na Laranja.

Sua postura incontestável, no Ajax e na seleção, só foi ameaçada por um fator preocupante: um desmaio, justamente no jogo da eliminação do Ajax na Liga dos Campeões 2019/20, ainda na fase de grupos, contra o Valencia-ESP. Blind recobrou a consciência e saiu andando de campo, mas a razão do desmaio foi revelada após exames, dias depois. E era razão preocupante: Blind tivera uma arritmia cardíaca. Teve um desfibrilador interno implantado, e só voltou a campo em fevereiro de 2020, semanas antes da pandemia interromper o andamento dos torneios de futebol. Após longo tempo, já com os trabalhos de pré-temporada adiantados, o Ajax foi a campo para um amistoso contra o Hertha Berlim, semanas antes do início do Campeonato Holandês... e no final do jogo, o desfibrilador falhou. Blind caiu desacordado novamente. Outra arritmia cardíaca. De novo, Blind saiu andando de campo, mas passou pela mesma via-crúcis: vários exames, semanas fora de campo... temeu-se até pela continuidade da carreira.

Blind já preocupou o Ajax em sua volta - principalmente pelos sustos que o coração deu. Mas se recuperou, e segue muito importante em Amsterdã (ajax.nl)

Mesmo sob desconfiança, veio o sinal verde dos médicos. Blind voltou aos campos. Seguiu importante no Ajax campeão holandês, em 2020/21. Prosseguiu como o mais experiente nome da Holanda, ainda mais em tempos sem Van Dijk - na seleção, até foi capitão de novo, contra a Letônia, nas eliminatórias da Copa de 2022. Porém, as dúvidas retornaram por um problema físico. Não no coração, mas no tornozelo: uma queda mal feita contra Gibraltar, também pelas eliminatórias da Copa, lhe rendeu uma torção de ligamentos no local, tirando-o da reta final da temporada. E fazendo temer sobre a possibilidade de sua participação na Euro 2020+1.

Blind superou tal lesão. Superou um trauma pessoal inesperado: na véspera da estreia da Holanda (Países Baixos) na Euro, Christian Eriksen, seu colega de geração e surgimento no Ajax, teve a parada cardiorrespiratória que quase o matou - e o susto, relacionado às lembranças do que ele mesmo passara com seu coração, fez com que Blind fosse substituído no 3 a 2 contra a Ucrânia, aos 64', secando discretas lágrimas com a camisa. Superada a tensão, ele seguiu com papel firme na equipe: jogando na zaga, esteve nos quatro jogos da fugaz campanha laranja na Euro, sendo substituído contra a Áustria, na fase de grupos, e na eliminação para a República Tcheca, nas oitavas de final. 

O drama de Christian Eriksen impactou o antigo colega Blind na estreia da Holanda na Euro. Pelo menos, o trauma foi superado (John Thys/Pool/Getty Images)

Da Euro em diante, Blind mudou de posição sem mudar de importância no Ajax: ao longo da temporada 2021/22, voltou a ser mais frequente na lateral esquerda, e esteve em todos os 34 jogos da campanha do bicampeonato holandês, mantendo regularidade nos desarmes por jogo e nos acertos de passe. Seleção? A mesma coisa: Van Gaal voltou, e Blind não perdeu nenhum minuto de nenhuma partida restante nas eliminatórias da Copa do Mundo, em 2021. Começou este 2022, e a situação seguiu a mesma. No clube, Blind como titular absoluto - na lateral esquerda, como começou a temporada 2022/23, ou no miolo de zaga, cada vez mais protegido. O que não o livra de algumas falhas: por exemplo, o erro num gol do Napoli, na derrota por 4 a 2, na quarta rodada da fase de grupos da Liga dos Campeões.

Na seleção, o sobe-desce é ainda mais frequente. Com presença ainda mais inquestionável: dos oito jogos que a Laranja fez neste ano de Copa, Blind esteve em seis, sem ser substituído em nenhum. Às vezes, seus defeitos ficam à vista - como num dos gols que a Dinamarca fez, no 4 a 2 do amistoso de março, quando foi superado na corrida antes do cruzamento para Eriksen concluir. Contudo, suas qualidades também aparecem: foi assim, por exemplo, contra a Polônia, em junho, na Liga das Nações - com a Holanda perdendo por 2 a 0 em casa, foi de Blind o lançamento para Davy Klaassen marcar o primeiro gol e impulsionar o time rumo a um empate.

Erros e acertos, pontos fracos e pontos fortes... no balanço, Blind ainda ganha de longe para todos os seus treinadores. É considerado, apesar dos pesares, uma bandeira do Ajax em que tem tanta história. Conseguiu superar quaisquer traumas decorrentes dos problemas cardíacos por que passou. Terá até um documentário sobre sua carreira - "Daley Blind: Nooit meer stilstand" ("Daley Blind: parado, nunca mais"). Enfim, há contestação aqui e ali, e ela tem seu motivo. Nas rodadas recentes do Campeonato Holandês, ele até mesmo perdeu sua posição, estando na reserva. Mas por sua experiência - até em termos de Copa do Mundo -, por esse valor tático que tem para os times em que joga, Blind pode ser considerado um titular inquestionável da Holanda para este Mundial. Porque as falhas decorrentes da lentidão que os anos trazem são compensadas por qualidades que poucos dos convocados da Holanda podem igualar.

(Dean Mouhtaropoulos/Getty Images)

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