sábado, 8 de junho de 2019

Incógnita positiva

A seleção feminina da Holanda estreará na Copa feminina em lua-de-mel antecipada com a torcida. Há motivos para ela. Mas surgiram algumas dúvidas no caminho... (VI Images)

A torcida apoia cada vez mais: bateu o recorde de presença num jogo da seleção feminina, com 30.640 torcedores lotando o Philips Stadion no último amistoso antes da Copa do Mundo, sábado passado, contra a Austrália, em Eindhoven. A federação respalda cada vez mais: nesta semana que passou, anunciou aumento no pagamento de direitos de imagem às jogadoras da seleção - a intenção é equiparar as quantias pagas às seleções masculinas e femininas a partir de 2021. As craques estão lá, e em boa forma: mostraram isso no 3 a 0 contra as australianas, no amistoso mencionado. Há o título da Euro feminina em 2017, para dar certo respeito. Enfim: tudo conspira a favor de uma boa campanha da Holanda, na segunda Copa do Mundo feminina da história das Leoas Laranjas. Talvez, conspire até demais.

A própria treinadora se preocupa com o tamanho do oba-oba que cerca a estreia das Leoas, na próxima terça, às 10h de Brasília, contra a Nova Zelândia, na. Em longa entrevista à revista Voetbal International, Sarina Wiegman alertou, ironicamente: "A pressão aumentou. Reconhecemos isso, porque, pelas minhas contas, já fomos campeãs do mundo umas 15 vezes". Claro que não foi por isso, mas por um fator que Lieke Martens, um dos grandes símbolos da badalação sobre a Holanda, lembrou em outra entrevista, desta vez ao diário Algemeen Dagblad: "Nós atuamos maravilhosamente [no título da Euro], nossas vidas mudaram, os estádios encheram. Todo mundo virou fã".

Esse fanatismo súbito da Holanda pelo futebol feminino tem lá sua razão de ser, com a fase difícil pela qual a seleção masculina passou. E aí, mesmo com a maior boa vontade, a falta de costume faz com que a torcida se esqueça de certas particularidades no futebol das mulheres. Sarina Wiegman as lembrou: "Queríamos jogar bem e ganhar visibilidade. Deu certo. Mas as pessoas ainda não sabem, por exemplo, o nível técnico de Nova Zelândia e Canadá. Ao se comparar com o futebol masculino - e isso não deve ser feito -, não são seleções fortes. Mas são fortes no futebol feminino. Mundialmente falando, elas alcançaram um alto nível. Por isso, precisamos controlar essa expectativa". De quebra, a treinadora prefere atribuir o favoritismo ao título a outras quatro seleções: Alemanha, Japão, Estados Unidos e França.

O eventual favoritismo da Holanda é bom, mas o excesso de otimismo (e desinformação) preocupam Sarina Wiegman (Christof Koepsel/Getty Images)
A expectativa também precisa ser controlada por alguns tropeços que a seleção feminina holandesa teve, no caminho até a Copa. Nas Eliminatórias, fez campanha quase perfeita. Mas um mau resultado fez com que outro fosse altamente prejudicial. Na terceira rodada da qualificação, jogando em casa, contra a Irlanda, as Leoas pressionaram e pressionaram, mas pararam na férrea defesa irlandesa: 0 a 0. Resultado: mesmo tendo liderado o grupo em toda a campanha, chegaram à última rodada precisando da vitória contra a Noruega, vice-líder da chave, fora de casa. Em seis minutos de jogo, as norueguesas fizeram 2 a 1. Miedema diminuiu ainda no primeiro tempo, mas a Holanda perdeu a partida e a vaga direta na Copa do Mundo. Teve de disputar a repescagem, e nela até passou com facilidade. Repetindo o encontro da final da Euro 2017, passou pela Dinamarca em casa e fora; e contra a Suíça, na decisão da vaga, encaminhou a classificação com um 3 a 0 na ida, em Utrecht, bastando empatar na volta (1 a 1).

Se os problemas tivessem ficado só nisso, teria sido apenas um erro circunstancial. Porém, o desempenho na amistosa Copa Algarve, disputada no começo de 2019, aumentou a preocupação de Sarina Wiegman, que esperava ver o time "em ponto de bala". As Leoas haviam vencido a edição de 2018 do torneio amistoso em Portugal, mas neste ano, foram derrotadas por Espanha (2 a 0) e Polônia (1 a 0), e empataram com a China (1 a 1, só ganhando na disputa de chutes da marca do pênalti). A 11ª posição incomodou, embora fosse um torneio amistoso. Por esses erros, a comissão técnica voltou a se preocupar. Teria a Holanda perdido o "fator surpresa", que ajudou um pouco na conquista da Euro há dois anos? A seleção feminina estaria mais "previsível"?

Aí entra a justificativa de tamanho otimismo. Porque nos amistosos de abril, contra México e Chile, a Holanda foi absoluta: fez 2 a 0 nas mexicanas, sem sofrer nem um pouco, e foi ainda mais soberana contra as chilenas - que estarão na Copa: goleou-as por 7 a 0. A partida de despedida rumo à Copa, contra a Austrália, era mais exigente: afinal, trata-se de uma outra candidata a surpresa do Mundial, tão capacitada quanto a Holanda. Pois as Leoas foram exemplares: aguentaram a pressão australiana no começo do jogo, foram precisas no 1 a 0 de Shanice van de Sanden, e dominaram plenamente a partida na etapa final, chegando a um 3 a 0 que turbinou ainda mais a expectativa de torcida e imprensa para o que a Oranje pode fazer na Copa feminina. Melhor ainda: os destaques chegaram bem à França. 

Na despedida da torcida antes da Copa, Van de Sanden foi a melhor holandesa: velocidade e dois gols (Daniela Porcello/Getty Images)

Van de Sanden parece nem ter cansado, após uma temporada que terminou com título europeu pelo Lyon: segue rápida pela ponta direita, além dos dois gols contra a Austrália. Lieke Martens é garantia de perigo, vinda de trás ou já finalizando no ataque. Vivianne Miedema, a bordo de uma temporada de sonho no Arsenal, parece madura para fazer, enfim, um grande torneio pela seleção, do começo ao fim - e garantiu isso ao Algemeen Dagblad, lembrando que pode se tornar a grande goleadora da história da seleção (está só um gol abaixo dos 59 de Manon Melis): "Se eu alcançar o nível que posso, baterei o recorde na Copa". Até mesmo os problemas repentinos na zaga têm sido contornados. Com uma microfratura na mão, a lateral esquerda Kika van Es passou por cirurgia rápida, voltou a treinar, e sua presença no Mundial já parece provável. E Dominique Bloodworth, sentindo dores na coxa, teve a sorte de poder tirar folga neste sábado, último dia de liberação para todas as jogadoras antes da estreia contra as neozelandesas.

Por tudo isso, a Holanda pode até ser uma incógnita. No entanto, a expectativa é positiva. E tem razão de ser. Caberá às 23 convocadas provarem isso. Até porque, sendo uma das três melhores seleções europeias na Copa, a Holanda já garantiria vaga no torneio olímpico de 2020. Seria a continuação da bonita história de paixão que a seleção holandesa feminina tem protagonizado nos últimos anos.

As 23 convocadas da Holanda

Goleiras

Defensoras

Meio-campistas

Atacantes

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